domingo, 17 de julho de 2016

Amor Eterno (L'amour à Mort) 1984

Amor Eterno é o primeiro de dois filmes consecutivos de Alain Resnais que se apresenta sob a forma de um melodrama. Resnais reduz drasticamente o número de actores que agora são apenas quatro: Sabine Azéma, Fanny Ardant. Pierre Arditti e André Dussolier. Com excepção de Ardant que participaria igualmente em Mélo, mas que não voltou a trabalhar com Resnais posteriormente, os restantes serão presenças regulares e assíduas nos seus restantes filmes, durante os trinta anos seguintes.
 Melodrama em Resnais não é sinónimo de ligeireza, Trata-se de uma intensa exploração das relações humanas e de amor, através de desencontros e incompreensões, ou de partidas pregadas pelo destino que inviabilizam a afirmação do amor. Amor Eterno (o original francês L´Amour À Mort tem um título mais significativo e condizente com algumas ambiguidades do argumento) parte de uma ideia original de Jean Gruault, um veterano dramaturgo, encenador e argumentista que tinha colaborado com Rossellini, Godard e Truffaut e também nos dois filmes anteriores de Resnais, O Meu Tio da América e A Vida É Um Romance. Amor Eterno remete-nos de novo para as relações entre o amor e a morte que não sendo sistematicamente abordadas na sua obra, também não lhe são totalmente estranhas, com particular destaque para a sua longa metragem de estreia, Hiroshima Mon Amour. Mas parecem existir outras filiações de outros cineastas. A reminiscência mais imediata é A Palavra de Carl Dreyer. Também aqui há uma ressurreição (ou quase). Simon depois de morto regressa à vida. Mas, se no filme de Dreyer se pode falar de um triunfo da fé sobre a razão (Hans como medium divino para ressuscitar a cunhada), aqui, nunca nos é oferecida a hipótese divina como forma de explicação. Por outro lado, por trás de uma aparente simplicidade narrativa, colocam-se algumas questões essenciais da existência humana: o contraponto entre os dois casais, um com uma relação sólida de dez anos. cujos laços parecem resistir a tudo excepto à morte, o outro numa relação frágil e apenas iniciada e que parece preclitante, face às dúvidas e incertezas de um passado que cada um viveu de forma separada, interroga-nos sobre a força e os limites do amor, a dimensão da paixão e o alcance da solidão; a ressurreição inesperada e sem sentido (de uma morte que o médico confirmou), reconfigura as personagens para a descoberta de um significado para a existência, o que não se coloca para o outro casal, empenhado numa fé religiosa e militante. Afinal não se ressuscita para se continuar a ter o mesmo tipo de vida, como diz Simon. As profissões de ambos (ele arqueólogo, ela investigador em
botânica) cruzam o passado e o futuro o que se pode fazer neste fluir constante do tempo. Como encontrar um objectivo que possa tornar a vida inteligível? A fé dá-nos um significado, mas como reagir perante a morte para quem não a possui? A segunda e definitiva morte se Simon, desta vez, sem remissão e sem outra explicação, para além do fim da vida, recoloca com outra acuidade esta dimensão hermenêutica do sentido. Elizabeth recusa-se a continuar a viver, porque não o sabe fazer sem a dimensão da plenitude que só a vida comum com Simon lhe pode proporcionar. A oposição de Jerôme (o elemento masculino do outro casal) fecha o círculo de perguntas eternas sem resposta, sobre a vida e a morte, o amor e a fé, a solidão e a plenitude. Mas a atitude compreensiva de Judith (a sua mulher) salva-nos de uma discussão teológica e coloca em questão uma visão dogmática do mundo, onde o suicídio é entendido como um pecado e uma recusa de aproveitamento de uma graça divina.
Esteticamente o filme é magnífico. Planos curtos e despidos de artifícios, são entrecortados por interlúdios a negro, com neve artificial e uma música distante, mas envolvente. Segundo Resnais, a música prolonga as palavras, cria uma espécie de meta-linguagem, prolongando as emoções para lá das palavras. Como seria de esperar, os quatro desempenhos são absolutamente irrepreensíveis, todos carregados de sobriedade, mas de grande intensidade. Amor e Morte não figura entre as obras primas absolutas de Resnais, apenas porque estamos a falar de um cineasta que se coloca sempre em patamares elevadíssimos. Mas, visto apenas em si, é absolutamente imprescindível.
*Texto de Jorge Saraiva

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