domingo, 28 de fevereiro de 2016

Domingo à Tarde (Domingo à Tarde) 1966

Jorge, um médico racional e solitário, está condenado pela sua especialidade a lidar diariamente com a morte. Até que um dia conhece Clarisse, uma jovem a quem detecta uma leucemia avançada e por quem se apaixona. O casal vive um romance assombrado pelo fim inevitavelmente próximo e, apesar dos esforços de Jorge para combater a doença com novas descobertas, Clarisse acaba por morrer, colocando à prova as suas crenças e as suas pesquisas científicas. "Domingo à Tarde" é um dos filmes produzidos por Cunha Telles, ou seja, uma das grandes apostas do início do Cinema Novo. António de Macedo havia chamado a atenção dos colegas e da crítica alguns anos antes com a curta metragem Verão Coincidente, onde revelava já uma certa audácia e vontade de experimentar novas técnicas, principalmente relativas ao uso da cor.
Como era recorrente, esta é também uma adaptação de uma obra literária, neste caso do romance de Fernando Namora, facto que gerou alguma polémica. Prado Coelho, por exemplo, refere que existe um desentendimento profundo entre os dois autores e que António Macedo se serviu de um argumento que é um apelo à vida para desenvolver algumas das suas mais insistentes obsessões (morte, sacrilégio, sagrado). No entanto, há que considerar que, como diz o próprio Fernando Namora, o conceito de “fidelidade”, quando se trata de uma recriação, não pode ter a rigidez que habitualmente lhe atribuímos.
Esta primeira longa metragem de António Macedo introduz – e aí reside a sua mais valia – determinados elementos novos (ou raros) nos filmes realizados até então. Comecemos pela narrativa. A história de Domingo à Tarde aparece-nos entrecortada, isto é, há uma descontinuidade temporal que nos revela logo o final da história: Clarisse morre, deixando Jorge atormentado com a impotência perante esse facto. Livres da tensão de descobrir o desenlace da trama, e através de flashbacks e narrações em voz off, deixamo-nos contagiar pelas inquietações e reflexões que o filme desperta. Outra aspecto inovador é a substituição da banda sonora por sons ligados ao quotidiano do hospital. Os sons das máquinas em funcionamento e das experiências no laboratório sublinham a frieza e o morbidez do lugar, criando uma atmosfera tensa e opressiva, principalmente quando comparada com o absurdo da morte. Por fim, um detalhe que será talvez um dos mais interessantes do ponto de vista da experimentação: a criação de um filme dentro do filme. Paralelamente à história de Fernando Namora, António Macedo filma uma outra que parece ir mais ao encontro das suas inquietações, e que corresponde ao filme que Jorge e Lúcia, a sua assistente, estão ver no cinema enquanto ocorrem os flashbacks. Uma vez que a função desse filme era provocar em Jorge um problema de consciência relativo aos seus doentes e, em particular, a Clarisse, seria difícil encontrar um filme que se adequasse perfeitamente a essa demanda.
Assim, António Macedo, usando uma paisagem estranha e neutra – o cabo de Espichel – filmou um suposto filme estrangeiro, invertendo o som dos diálogos para que parecessem falados numa outra língua.

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