terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Ao Correr do Tempo (Im Lauf der Zeit) 1976

Ao Correr do Tempo é o terceiro filme da trilogia de road movies de Wim Wenders que se iniciou com Alice nas Cidades e prosseguiu com Movimento em Falso. Datado de 1976 e tendo ganho o prémio FIPRESCI no festival de Cannes desse ano, é normalmente considerado como a sua obra prima.
O filme retrata as constantes deambulações de Bruno Winter (representado pelo actor Rüdiger Vogler), que se dedica a reparar equipamento de projecção de filmes em pequenas aldeias da Alemanha Ocidental, perto da fronteira com a antiga RDA. Acidentalmente conhece Robert Lander que entra com o seu carro dentro de um rio, numa mal disfarçada tentativa de suicídio. Durante algum tempo, os dois fazem um percurso comum, porque Robert nada tem para fazer de mais interessante, além de acompanhar Bruno no seu trabalho. O seu encontro é feito sobretudo de silêncios e longas contemplações que são abundantes ao longo do filme. Ao mesmo tempo, cada um vai-se interrogando sobre o sentido da vida, não através de grandes tiradas metafísicas, mas por via de simples constatações sobre o quotidiano de dois homens forçados à solidão, Bruno porque deliberadamente a escolheu, Robert porque a ela foi forçado por via de uma separação. É apenas um encontro fortuito que cada um deles sabe que não perdurará. Enquanto Robert vai restabelecer laços familiares e procura voltar ao seu anterior quotidiano, Bruno continuará incansavelmente nos mesmos pequenos passos rotineiros, trazendo um pouco de alegria ao quotidiano de aldeias perdidas naquilo que poderíamos chamar de Alemanha profunda. Porque como diz Robert, eu sou a minha própria história.
Esta tranquila resignação com o decorrer do tempo nas vidas de cada um de nós, é o grande trunfo desta viagem por espaços, pessoas e memórias. Uma viagem que se faz também um pouco pela própria história do cinema através do desfiar de recordações de um antigo projeccionista do tempo do cinema mudo. Há aqui uma espécie de trama existencial, mas sem dor, como se o tempo tudo esculpisse ,e funcionasse como o único verdadeiro actor da vida de cada um de nós. Como diz Bruno, a vida é como a saudade das mulheres que amamos e que fomos abandonando ou por elas fomos abandonados ao longo do tempo. Pela sua simplicidade silenciosa, pelo espantoso virtuosismo do trabalho de câmara, pela fusão constante entre a paisagem e as pessoas, pela luminosidade expressiva do preto e branco, Ao Correr do Tempo é um dos filmes mais poéticos que vi em toda a minha vida. Wenders voltaria a assinar alguns outros grandes filmes, designadamente o célebre Paris-Texas, que em muitos aspectos bastante deve a este filme, mas nunca mais conseguiria atingir este sublime patamar. É o exemplo mais acabado de um filme-arte sem nada fazer para o ser. São quase três horas a preto e branco que se vêem com a avidez de quem sabe que está a ver algo que é absolutamente essencial: apenas a vida que o tempo desenha.
* Texto escrito pelo Jorge Saraiva em exclusivo para este ciclo.

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