sábado, 19 de dezembro de 2015

A Liberdade em Bremen (Bremer Freiheit: Frau Geesche Gottfried - Ein bürgerliches Trauerspiel ) 1972

Geesche (Cartensen) é uma mulher submissa que comanda como a mais dedicada empregada doméstica todas as tarefas que seu marido Gottfried (Schenck), ordena. Porém, um dia ao perceber a fraqueza do carrasco, Geesche também descobre possuir idéias próprias e tal fato é completamente inusitado na Alemanha da primeira metade do século XIX. Sua atitude choca a todos, que não entendem como uma mulher pode se dar ao direito não só de pensar como de ter idéias ousadas. O primeiro que vai contra seus planos é o marido grosseiro e indiferente ao amor de Geesche. Ela o envenena e logo volta a casar e o novo marido apenas repete o que o primeiro já fizera, com o agravante de não aceitar os filhos de outro homem e nem querer ter qualquer plano de tê-los com Geesche. Ela também o envenena. Logo, será a mãe (Pempeit) que, ao discordar das idéias da filha como de não frequentar a igreja e não viver maritalmente com seu companheiro que igualmente sucumbe ao venenoso café. Em alguns anos, Geesche acaba matando não somente todos os membros de sua família como algumas pessoas próximas, até ser delatada por uma de suas vítimas que acabou sobrevivendo, o carpinteiro (Raab). Geesche compreende, sem muito esforço, que agora é a vez de sua própria morte.
Talvez ao adaptar para os palcos e, posteriormente, para à televisão esse caso histórico que levou à pena capital sua protagonista em 1831, Fassbinder tivesse em mente as seguidas acusações de misoginia nas primeiras produções do Antiteater. De qualquer forma, não se trata de um caso isolado na sua filmografia, retratar figuras que destroçadas pelas normas de controle social acabam sucumbindo ao assassinato como forma de liberação – não é à toa que o título original do filme se chame Liberdade em Bremen – também presentes em Por Que Deu a Louca no Sr. R? (1970) e Eu Só Quero Que Vocês me Amem (1976). Digno de nota é que o ascetismo e distanciamento típicos do estilo adotado pelo cineasta igualmente se transfere para a cenografia – de uma simplicidade espartana até mesmo quando se pensa em filmes como Dogville: não mais que algumas cadeiras, um móvel e uma projeção ao fundo. Entre algumas das engenhosas soluções visuais e sonoras do cineasta se encontra o momento em que a protagonista confessa seus crimes ao pastor, e um close de seu rosto preenche toda a tela ao fundo, embora sua figura se faça presença igualmente no cenário. Ou ainda as duas crianças que são representadas apenas pelo choro ensurdecedor que não apenas irrita seus dois maridos, como acabará levando a assassina-los. E não menos a sugestão em questão de segundos da passagem de um segundo marido submisso e terno para dominador e egoísta após a união, sem a necessidade de qualquer recurso visual que sugerisse a passagem do tempo, importando eficazmente recursos do mundo teatral. Embora, possa haver algo de esquemático na sua simpática visão da protagonista feminina oprimida (retrabalhada, sob muitos aspectos e igualmente sem qualquer pretensão naturalista em Dogville, como no caso do desdobramento de múltiplas tarefas ao mesmo tempo), o filme igualmente se coloca diante de questões como a necessidade do dominador para a existência do dominado e a inversão dessa relação por falta de pulso do dominante ou simplesmente o rompimento de qualquer tipo de relação após a explicitação da fraqueza do dominador como em As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, filmado no mesmo ano. Retirado daqui.

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