quinta-feira, 28 de maio de 2015
Caveira, My Friend (Caveira, My Friend) 1970
"Filme-irmão eclipsado de Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira, Caveira My Friend não deveria estar esquecido assim. Ambos relatos de geração, centrados em torno de um clima apreensivo e torturante onde o futuro não revela muitas certezas, os dois filmes mostram jovens soltos no mundo, circulando de pedaço em pedaço, inquietos, mas antes de tudo curtindo.
Os personagens de Caveira My Friend, como os de muitos dos filmes udigrudi, vivem apenas no presente, sem passado ou futuro, sem ressentimentos anteriores ou anseios posteriores a guiarem suas ações. É esse todo o barato da "transa", de todos os tipos de experiências (sexo, drogas, rock'n'roll) que funcionaram e desencadearam modos de viver & filmar vigorosos, explosivos. O filme de Álvaro Guimarães tem algo que pode ser dito de muitos poucos filmes brasileiros, já que a maioria dos cineastas só consegue filmar depois dos 30, ou, mesmo jovem, envelhece cedo: aquilo que os americanos chamam teen angst, "agonia juvenil" - uma inquietação que aparentemente nada na vivência cotidiana pode dar conta. Pois bem: desde os roubos que fazem Caveirinha e seus comparsas até a música primorosa dos Novos Baianos - atenção para a participação como atriz de Baby Consuelo - o filme está repleto desse sentimento.
A grande sacação de Caveira My Friend é resolver essa inquietação, essa agonia não no ponto de vista da narrativa e dos encontros que são feitos (como em Meteorango Kid), mas justamente no modo como o filme é apresentado: esquetes ou esboços, fragmentação e falta de relação entre si das seqüências... Mas aquilo que se tornou uma espécie de "marca registrada" do cinema marginal - a recusa de uma história certinha, com começo, meio e fim e trazendo alguma mensagem - é trabalhado de outra forma em Caveira. Se Orgia e Meteorango Kid evoluíam por acumulação e progressão, se A Sagrada Família apostava na radicalidade da experimentação pela experimentação, o filme de Álvaro Guimarães parece enveredar, conscientemente ou não, pela crônica documentária, pelas "atualidades" não mais dos grandes acontecimentos, mas dos minúsculos gestos de um grupo de amigos.
Nesse sentido, Caveira My Friend estaria para o cinema marginal como o Cinema Novo de Joaquim Pedro de Andrade estaria para a sua geração: um registro documentário dos costumes e do modo de vida de uma geração. Mas Caveira não parece nem com um documentário nem com uma ficção. Ele parece com aqueles filmes menosprezados porque feito apenas para consumo próprio, os filmes de família. Só que não se trata de um papai filmando o aniversário do filhinho ou um fim de semana no zoológico, mas um amigo entre os demais tentando captar um sentimento. Se o filme acaba se revelando um tanto irregular ao final da projeção, no entanto não se pode negar que a tarefa principal de seu realizador foi realizada: ele conseguiu captar o que queria, mesmo que quisesse apenas filmar entre amigos. E resulta um diagnóstico: as crianças vão bem, obrigado." Ruy Gardnier
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