sábado, 25 de abril de 2015

Os Santos Inocentes (Los Santos Inocentes) 1984



Algures no interior espanhol, na década de sessenta. Paco e a sua esposa Régula são muito pobres, e trabalham para um fazendeiro muito rico. Eles têm três filhos, um deficiente e os outros não podem ir estudar porque têm de trabalhar. Quando o irmão de Régula é despedido do sitio onde trabalhava, vem instalar-se em casa dos familiares... Lentamente o filme vai revelando a vida destes pequenos peões, de como são explorados e como são explorados pelos patrões, Don Pedro e Ivan. As crianças crescem envergonhadas pelo tratamento e pelo desprezo dado aos seus pais, o poder e os jogos sexuais de quem controla o seu destino. 
Evocando os filmes de Carlos Saura, nos seus retratos alegóricos de paisagens culturalmente e socialmente arraiadas (principalmente em "La Caza"), junto com a ironia da burguesia de Luis Buñuel, "Os Santos Inocentes" de Mario Camus apresenta uma acusação cáustica e potente da desumanidade (e corrupção) do privilégio, estratificação de classes, e marginalização. Adaptado do romance do escritor espanhol Miguel Delibes o filme traça as histórias pessoais de uma família de camponeses na província da Extremadura, na propriedade supervisionada por Doña Pura (Ágata Lys) durante os anos sessenta, quando Franco solidificou a sua fortaleza (ou melhor, estrangulou) sobre o país, com o poderoso apoio de ricos poderosos como Doña Pura, que representava a relação incestuosa entre a classe alta e a igreja católica. 
Francisco Rabal, que interpreta Azarias, ganhou o prémio de melhor actor pela sua interpretação neste filme, que também ganhou uma Menção Especial pelo Jurí desse ano. É o único personagem do filme em contacto com a terra, e os seus ritmos e mistérios. O seu amor por um animal de estimação, cruelmente abatido por Ivan, irá provocar um genuíno protesto contra a manipulação da classe superior. Rabal é reminiscente de Zorba, o Grego - é um robusto individualista, e a sua presença nas terras irá ser uma ameaça para os proprietários da terra.

E agora a visão sobre este filme, do Bruno - convidado do M2TM:


Subserviência – é a palavra.

Saudosos de outros tempos, em que os trabalhadores tinham menos liberdade, frequentemente falam que “antigamente as coisas não estavam bem, mas havia respeito”. Sobretudo nos meios rurais este respeitinho era ainda mais respeitoso, quer relativamente ao senhor da terra, quer ao Senhor dos Céus.

Para sobreviver o trabalhador sabia que o melhor era baixar a cabeça e dizer “Sim senhor”. Assim, sempre lhe sobrava algum pão para si e para a sua família. Antes pouco que nada.

Há dias, num comentário a este Ciclo no facebook, um seguidor do M2TM fazia um comentário interessante. Escreveu ele que não concordava que se chamasse ao proletariado de classe progressista, pois grande parte dos indivíduos do proletariado são bastante conservadores. Este filme reflecte isso mesmo com a conformista subserviência dos trabalhadores rurais aos seus senhores. No entanto, este comentário levanta uma confusão muito comum que devo desde já esclarecer. O que define a classe social dos indivíduos não é a sua forma de pensar, mas a sua posição relativamente aos meios de produção. Logo, há burgueses com modo de pensar progressista, que se posicionam politicamente do lado da causa proletária, como há vastas camadas do proletariado com mentalidade conservadora, burguesa. E é natural que assim seja, afinal o pensamento dominante de uma época é o pensamento da classe dominante, logo não é de estranhar que a maioria dos trabalhadores pense da forma como a burguesia tende a pensar.

Relativamente ao termo progressista. Significa que tal como a burguesia outrora foi a classe social progressista que negou o feudalismo, agora é a vez do proletariado ser a classe progressista que negará o capitalismo e construirá uma nova sociedade no futuro. Mas este tópico não está relacionado com o filme de hoje, portanto voltemos ao assunto acima, e acredito que o melhor é eu tentar tornar mais claro o supra-referido com a introdução de dois conceitos: base e superestrutura.

Há uma relação dialéctica entre a «base» (fundações), constituída pelas formas de propriedade e pelas condições sociais de existência, e a «superestrutura», constituída pelo modo de pensar, visões do mundo, sensações e ilusões. O mundo das ideias não se desenvolve autonomamente, mas radica na «base», isto é, no modo de produção da época. Nunca os dois conceitos deixam de interagir entre si, sendo a «base» moldada pela «superestrutura», como também, tal como foi dito, a «superestrutura» é moldada pela «base». Por outras palavras, como disse o Carlos, Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.

A consciência dos trabalhadores rurais deste belo filme é fruto do seu ser social desprovido de propriedade. O latifundiário pode tratar os seus pobres trabalhadores abaixo de cão. Estes últimos, sem conhecerem a possibilidade de rebelião, entregam-se à necessidade de serem subservientes ao ponto de se confundirem a um cão. A metáfora faz-nos sorrir no filme, mas na vida real faz-nos a quase todos viver com palas nos olhos como os burros.

por Bruno - Leitura Capital*

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