quarta-feira, 22 de abril de 2015

Norma Rae (Norma Rae) 1979



Norma Rae (Sally Field) é uma viúva corajosa, de 31 anos (o marido morreu numa briga de bar), com dois filhos (um dos quais é ilegítimo), que não tem uma educação formal mas possui um bom senso comum. Ela é uma trabalhadora de salário mínimo numa pequena fábrica têxtil no sul dos Estados Unidos, com condições de trabalho deploráveis (o filme é rodado no Alabama).  O pai, um operário da fábrica (Pat Hingle), morre por falta de atendimento médico adequado, enquanto a mãe (Barbara Baxley) fica surda com o ruído excessivo dos equipamentos da fábrica. Os donos da fábrica recusam-se a permitir que os trabalhadores da fábrica possam ter um sindicato, para resolver as suas queixas, mas aparece em cena um agressivo intelectual e liberal chamado Reuben (Ron Leibman), que vai fazer dupla com Norma Rae, que apesar de comportamentos opostos fazem um relacionamento platónico, ganhando a aceitação da união dos trabalhadores, apesar de contrariarem os patrões.
Muitas pessoas provavelmente reviraram os olhos quando Sally Field foi anunciada como protagonista de um filme de Martin Ritt sobre o sindicalismo, e a luta pelos direitos dos trabalhadores. Por esta altura, ela era uma ilustre desconhecida, conhecida mais pelo papel na série "The Flying Nun", que protagonizou entre 1967 e 1970. Acabaria por se tornar numa enorme revelação em "Norma Rae", com um desempenho maravilhosamente doce, mas de aço, que lhe iria valer o primeiro Óscar da sua carreira, e transformar-se numa actriz de primeiro plano, onde se manteria por alguns anos.
"Norma Rae" tocou muitos corações quando foi originalmente estreado, e parte do seu sucesso deveu-se à prestação incrível de Sally Field. Em 1978 a verdadeira Norma Rae (Crystal Lee Jordan) fez pela indústria têxtil do sul dos Estados Unidos, o que Erin Brockovich fez pelas vítimas da  PG&E em Hinkley. A sua coragem chamou a atenção de dois jovens produtores de Hollywood, que ficaram obcecados por contar a sua história. A personagem do título, Norma Rae, é uma amálgama das mulheres da pequena cidade, que arriscaram tudo por uma vida melhor. Depois de muitas actrizes terem recusado o papel (incluindo três que vieram a concorrer contra si na corrida aos Óscares desse ano), este acabaria por ficar, e muito bem, nas mãos de Sally Field.
Mais de três décadas depois, continua a ser um lembrete histórico sobre as condições de trabalho num passado bastante recente. Mas para lembrar também que os sindicatos, representados aqui por Reuben Warshawsky, continuam a arriscar a sua própria segurança para introduzir os conceitos de União aos trabalhadores hesitantes de todo o mundo. 
 

E agora a visão sobre este filme, do Bruno - convidado do M2TM:



Há filmes que usam a fantasia para nos fazer reflectir sobre a vida. Há outros que se confundem com a própria vida ao ponto de parecer um documentário. Este é um deles.

Norma Rae, mulher, trabalhadora têxtil, é a personagem principal que dá nome ao filme. Do nada, como se algo pudesse surgir do nada, um sindicalista chega à cidade decidido a organizar os trabalhadores da fábrica de algodão. Neste homem, Reuben Warshowsky, podemos vislumbrar o espectro de Tom Joad, de Vinhas da Ira, que não era nem mais nem menos do que um operário em construção que no final do filme parte em luta, desaparecendo no horizonte como quem se dissolve num colectivo de luta pelos explorados, os humildes, a classe trabalhadora. O espectro de Tom Joad vive onde quer que se lute e, em Norma Rae, reaparece corporizado no sindicalista Reuben Warshowsky, pois nada surge do nada e ninguém nasce revolucionário. Aprende-se.

O filme aborda imensos pontos importantes relativamente à vida dos trabalhadores, mas nem sempre explícito, e acredito que haja muitos que possam assistir a este filme sem notarem na sua riqueza como obra documental e formativa. Documental na descrição de situações como a segurança no trabalho, violência e submissão patriarcal e patronal, preconceito anti-comunista, uso do álcool para entorpecer as mágoas após a saída da fábrica, racismo...; formativa, no sentido em que oferece elementos de como se cria e se desenvolve a organização dos trabalhadores através de um sindicato. Não basta reconhecer que a união faz a força, é preciso muito mais.
  • é preciso muito trabalho, que resulta frequentemente em prejuízo próprio e familiar, coragem, sobretudo dos activistas;
  • é preciso reconhecer que esses activistas trabalham muitas vezes em grupos muito pequenos e com aparente falta de solidariedade dos demais;
  • é preciso perceber que a luta faz-se de avanços e recuos, tal como acontece no filme quando um arrojo dos trabalhadores tem como retaliação o aumento de horas dos turnos;
  • é preciso persistência, pois os resultados das lutas nem sempre são óbvios ou imediatos; 
  • é preciso ter atenção aos provocadores e a boatos que surgem com o objectivo dividir e confundir os trabalhadores;
E muito mais, mas fica para a atenção do espectador.

Contudo, há um elemento fundamental deste filme do Ciclo e, para vos ajudar a perceber do que falo, vos conto uma pequena história.

Um dia, na Festa do Avante, tive finalmente oportunidade de conhecer o Rui – só mais um anónimo chamado Rui. Uma amiga foi chamá-lo para que nos conhecêssemos. Ele estava muito ocupado, mas para podermos conversar um bocado interrompeu por 10 minutos a sua tarefa subversiva: descascar batatas. Foi então que na minha ainda muito insipiente militância reparei no óbvio: descascar batatas era um acto revolucionário! Depois, claro está, ficou por compreender o que faz uma acção tão comum do nosso dia-a-dia ganhar a qualidade de revolucionário. O filme de hoje ajuda a compreender: que coisa faz com que uma acção ganhe caracter revolucionário?

Nesta sociedade onde a substância tente a reduzir-se ao espectáculo e entretenimento, também no cinema se caí na tendência de se destacar as cenas mais espectaculares, tais como uma revolução, um massacre, um grande discurso ou um acto heróico, mas, o filme Norma Rae tem a virtude de enfatizar o cariz revolucionário das pequenas acções do dia-a-dia. Tal como o Rui, ou qualquer outro revolucionário digno desse nome, se vê como Norma Rae a realizar num conjunto imenso de tarefas rotineiras, burocráticas, aborrecidas, cansativas, mas necessárias. Não há nada de espectacular nisto.

Norma Rae, a heroína deste filme, confirma o conhecido adágio: a mulher que luta é a mais bonita.

por Bruno - Leitura Capital*

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