terça-feira, 24 de dezembro de 2013
O Sangue (O Sangue) 1989
Talvez o mais abertamente bressoniano dos filmes de Pedro Costa (embora impregnado com as sombras de um filme de Jacques Tourneur), o primeiro filme de Costa, O Sangue, no entanto, traz a marca característica do que viriam a ser as suas preocupações mais familiares: pais ausentes, famílias substitutas, fantasmas inconciliáveis, o trauma e a violência do deslocamento, a dor (e isolamento) de saudade. A convergência temática é perspicaz revelada num episódio que ocorre perto do final do filme, quando o irmão mais velho Vicente (Pedro Hestnes), tendo sido mantido em cativeiro pelos associados nefastas do seu pai na véspera de Ano Novo numa tentativa para recolher a dívida não paga do pai dele, desperta na escuridão de um apartamento desconhecido para a visão de uma silhueta inquieta na varanda - a sombra projetada pela amante do seu pai ( Isabel de Castro).
Costa estabelece uma atmosfera sinistra, explode a violência na sequência de abertura do filme: o som prefigurando de uma porta batida e pés apressados que, posteriormente, revelam um shot frontal de Vicente numa estrada enlameada, como ele é , e de repente leva uma chapada do seu pai rebelde enquanto intencionalmente bloqueia o seu caminho, tentando impedi-lo de sair, implorando-lhe para mostrar consideração para com o filho mais novo Nino ( Nuno Ferreira ), que foi deixado sozinho em casa no meio da noite.
A história é a de Vicente (Pedro Hestnes) e do irmão mais novo Nino (Nuno Ferreira), e a estreita ligação com a jovem Clara (Inês de Medeiros), contada como uma fábula tágica. Gravemente doente, o pai (Canto e Castro), está consistentemente ausente, deixando os irmãos a se defenderem sozinhos, quando ele viaja para começar o tratamento. Na esteira da morte do pai, Vicente é deixado a cuidar da família e proteger o irmão da verdade. Mantendo os credores do pai longe da familia, luta com o tio (Luís Miguel Cintra) para manter a família unida, e os dois rapazes, eventualmente, acabam por poder ser separados.
Esta é uma peça marcante e um filme verdadeiramente transnacional, reunindo as facções, muitas vezes opostas do cinema mundial com desarmante facilidade para criar algo completamente original. Não diz nada sobre o que é ser Português, e reflete pouco dessa cultura. O único marcador de identidade é a língua em que eles falam. No entanto, esta não é nenhuma forma de crítica de Costa, nem nada que se pareça, não há traição da cultura, não vende para fora para se conformar e fazer o filme mais acessível, para um público mais amplo. Sangue é um filme mais preocupado com o universal, com o fazer e dizer sobre a vida, com as nossas conexões emocionais com o mundo e todos os cidadãos que a compõem. Raramente este mundo pareceu tão estranho, tão deslumbrante ou tão bonito.
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