segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
Agosto (Agosto) 1988
Enquanto Portugal continua envolvido na Guerra em África, Carlos, um violoncelista, passa as férias de Verão na praia com um casal amigo, Alda e Dário. O mundo parece-lhes distante, o que os leva, aos três, a experimentar os ritos da amizade e solidão.
"Agosto" é o oposto das chamadas fitas de Verão, como as paixões que lá se contam estão nos antípodas dos amores de praia. No ramo subtil e luminoso de Rohmer, nasceu um fruto pesado e escuro de Antonioni - contudo, é manifesto que este trabalho não vive da receita mas da intuição do autor que nas imagens se traduz pela procura do vibrátil como substituto do latente.
A excelente fotografia de Acácio de Almeida dá textura a esta aposta. Ela é quase mimética da ofuscação de Carlos, voyeur hipersensível que se deixa encadear pelas projecções da sua própria solidão. Na base do triângulo passional, a relação de Dario e Alda, tão vulgar que o torpor pode parecer um poço de mistério.
Se há pecado a censurar a Jorge Silva Melo, será talvez o excesso de requinte com que sacrifica a caótica expressão da vitalidade das suas personagens - todas elas "jovens" - em favor da cruel ambiguidade dos afectos - embora as margens do enredo se tinjam com as cores fortes do sangue, do sexo e da loucura e, para além dessas, se erga o cerco fantasmático de um fascismo e de uma guerra.
A tensão e a tristeza na maneira de abordar a amizade masculina - trata-se de um abeiramento porque a mulher funciona como amortecedor da tal queda em si que Camus descreveu - faz deste filme um caso raro de contenção e despudor. E, como quem não quer a coisa, Silva MeIo coloca-nos nos braços a questão de uma força anímica e inconsciente poder reger melhor a vida do que o diabo a pinta. Na balança, que é aqui o signo solar, pesa-se o estéril e o fértil.
Pedro Hestnes desempenha um dos seus papéis mais memoráveis, e Pedro Costa é assistente de realização, um ano antes de fazer "O Sangue".
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