terça-feira, 30 de março de 2021

Amarcord (Amarcord) 1973

Retrato da cidade natal de Fellini, Rimini, assim como ele a conheceu, nos anos 30. Mostra o quotidiano de diversos personagens da vila durante um ano, entre as travessuras da adolescência, um rigoroso inverno, a passagem de um transatlântico e a ascenção do fascismo.
"Amarcord" é um olhar peculiar de Federico Fellini sobre a sua infância, durante a década de 30. Mas, sendo um filme de Fellini, dificilmente é um olhar directo para o passado. Fellini evita a nostalgia de detalhes autobiográficos e troca-os por elementos cartoonescos e carnavalescos do surreal e do peculiar.  É menos sobre um passado específico do que sobre como alguém pode lembrar-se e entender esse passado, filtrado pelas experiências da vida. O tom geral do filme é de humor confuso misturado com uma sátira mordaz da vontade da vida provinciana se vergar ao fascismo.
O argumento, escrito pelo próprio Fellini e Tonino Guerra, com quem o realizador trabalhou várias vezes, está estruturado à volta de eventos individuais, em vez de ligações causa e efeito, que uniriam todos esses eventos numa narrativa coerente. Isso não quer dizer que o filme não tenha forma. Considerando a maior parte da produção do realizador durante a década de 70, até é dos seus filmes mais acessíveis.
Fellini já tinha ganho uma vez em Cannes com "La Dolce Vita". Uma vez que o filme já estava em circulação desde o final de 1973, e assim já estava ilegível para concorrer para qualquer prémio, acabou por ser o escolhido para abrir o festival, fora de competição. Venceria o Óscar de Melhor Filme em língua estrangeira no ano seguinte.   

segunda-feira, 29 de março de 2021

Reviver Cannes 1974

 Vamos agora fazer uma viagem no tempo, até ao ano de 1974. Hoje é dia 9 de Maio, e começa a 27ª edição do Festival de Cannes. 
Alguns factos importantes deste ano: a renúncia de Richard Nixon, a Revolução dos Cravos em Portugal, a Lei do Aborto em França, Helmut Schmidt torna-se chanceler da Alemanha, a grande crise do petróleo, eu nasci. No cinema, "The Sting", de George Roy Hill vence os Óscares, no dia 2 de Abril, um pouco mais de um mês antes do inicio do festival de Cannes. Uma nova geração de realizadores americanos, que mais tarde viria a ser conhecida por Movie Brats, estava a tomar conta de Hollywood. Esta geração, também chamada de Nova Hollywood, teria a sua presença bem vincada no festival deste ano, em Cannes. Outros filmes importantes deste ano: "The Towering Inferno", de John Guillermin, "Chinatown", de Roman Polanski, "Lacombe Lucien", de Louis Malle.
Já em 1974 o Festival de Cannes era um dos eventos mais portantes do mundo. Maurice Pialat fica muito desiludido pelo seu novo filme não ser exibido sequer no festival, "La Guele Ouverte". Robert Bresson fica furioso pelo seu "Lancelot du Lac" não ter sido escolhido para a selecção oficial, e diz que o Festival de Cannes está a levar o cinema para a mediocridade. Mas mesmo assim, o filme foi apresentado fora de competição, e Michel Piccoli foi o seu porta-voz: "O Sr. Robert Bresson, em acordo com os seus produtores e a Sociedade dos Realizadores Franceses, decidiu não apresentar, esta noite, "Lancelot do Lac". Por respeito aos membros do júri, e ao público, teve a gentileza de reconsiderar a sua decisão, mas parece fundamental mostrar a sua indignação com as condições em que se realiza o Festival de Cannes. O espírito que rege a seleção e a organização deste festival em geral, parece contrária à sua ideia do que é o cinema."
René Claire, o presidente do júri, mudou a tradição. Cannes este ano não será diplomaticamente correcto. Os prémios não serão mais entregues para agradar a todos, seria feita uma pequena revolução que seria muito bem recebida pela imprensa. Jovens realizadores americanos estariam em destaque nesta edição, alguns com menos de 30 anos. E de facto eles viriam a mudar a história do cinema.
Faziam ainda parte do Júri os seguintes elementos:
- Jean-Luc Dabadie (França)
- Kenne Fant (Suécia)
- Félix Labisse (França)
- Michel Soutter (Suiça)
- Mónica Vitti (Itália)
- Alexander Walker (Uk)
- Rostislav Yurenev (União Soviética)

Ao longo do próximo mês, vamos passar aqui em revista,  uma boa parte dos filmes que passaram em Cannes na edição deste ano. Da seleção oficial, das seleções paralelas, os filmes que foram exibidos fora de competição. Fiquem atentos, que vai valer a pena. No final, faremos as contas.

domingo, 28 de março de 2021

Junior Bonner, o Último Brigão (Junior Bonner) 1972

 Uma semana com Junior Bonner, um profissional dos rodeos falido, que regressa à sua cidade natal para a feira anual, e para visitar a família que abandonou alguns anos antes. O pai é um sonhador dissoluto determinado a encontrar ouro na Austrália. A mãe está resignada aos objectivos do pai. O irmão destrói o campo para ganhar dinheiro em imóveis. Enquanto o velho Oeste e os seus códigos dão lugar ao progresso, Junior Bonner é um solitário, lacónico, exactamente o que quer ser.
Primeira colaboração entre Sam Peckinpah e Steve McQueen, anterior ao blockbuster de acção "The Getaway" (1972), mostra o lado mais afectuoso destas duas personalidades do cinema. Junior Bonner é o típico protagonista de Peckinpah, um homem em descompasso com um mundo em rápida modernização, que não tem mais espaço para o seu sentido de honra. Um homem que ganha a vida a punir o seu corpo num desporto arcaico, num momento em que a maioria dos competidores já se reformou, morreu, ou mudou para algo menos perigoso. Peckinpah contrasta o espírito aventureiro incansável de Junior com o seu irmão Curly. Este é pragmático onde Bonner é romântico, grosseiro comparado com a integridade do primeiro, e crucialmente rico, quando Bonner anda sempre falido. 
Robert Preston e Ida Lupino são os pais de McQueen. Uma Lupino já com perto de 60 anos que regressava ao cinema, quando o seu palco principal nesta altura era a televisão. Era o seu último filme relevante, nos últimos anos quando regressava ao cinema era sempre em filmes de série B. Espero que tenham gostado deste ciclo.

sábado, 27 de março de 2021

Anjos Rebeldes (The Trouble With Angels) 1966

 A história de duas jovens, Mary Clancy (Hayley Mills) e Rachel Devery (June Harding), que são estudantes na Saint Francis Academy, um internato católico para meninas. A história estende-se por três anos, e segue as duas jovens e muitas das suas partidas, incluindo fazer disparar alarmes de incêndios, fumar cigarros na cave, entre outras coisas. À medida que as duas jovens amadurecem ganham um respeito maior pela professora e o compromisso e a devoção para serem freiras, o que leva a uma das jovens mudar de vida.
Depois de "While the City Sleeps" Ida Lupino dedicou-se mais à televisão, dois dois lados da câmara, em telefilmes e em séries. Foi nomeada para vários Emmys em séries como "Four Star Playhouse", "Mr. Adam and Eve", realizou e protagonizou episódios de séries como "The Fugitive", "The 5th Dimension", "Bonanza", e voltaria ao cinema em 1966, num filme para a Columbia produzido por William Frye, muito diferente dos trabalhos que tinha feito até então.
Apesar de ser baseado num livro, "The Trouble With Angels" era apresentado numa estrutura episódica, com muitos dos episódios a não servirem nenhum propósito útil para desenvolver alguma personagem, a não ser para mostrar o par de crianças travessas que as jovens eram. O filme apoia-se muito no talento de duas actrizes, Hayley Mills, então uma jovem em ascenção, e Rosalind Russell, uma grande estrela de Hollywood, aqui já em fase final de carreira, no papel da Madre Superiora.
Graças a uma grande campanha de marketing foi um sucesso considerável de bilheteira, para a Colombia. A campanha publicitária explorou imagens tiradas do poster de "Singing Nun", com uma risonha Rosalind Russell a andar de bicicleta de pernas esticadas, o que não acontece no filme. 

quinta-feira, 25 de março de 2021

Cidade nas Trevas (While the City Sleeps) 1956

A morte do magnata dos média, Amos Kyne, está a causar uma luta pelo poder entre os seus executivos. Entretanto, as mulheres de Nova Iorque tornam-se presa de um serial killer. O repórter Edward Mobley está na eminência de enfrentar uma missão quase impossível: capturar o assassino, para impedir que o império do magnata não caia nas mãos erradas, e salvar o seu romântico relacionamento.
Depois de duas décadas a fazer filmes nos Estados Unidos, Fritz Lang estava prestes a regressar ao seu país natal. A década de 50 era uma década difícil na produção cinematográfica. A televisão era um grande rival, e as oportunidades para Lang já não eram as mesmas, e eram mais espaçadas e por outro lado Lang tinha ganho a reputação de ser cruel com os actores. Em "While the City Sleeps" teve direito a um elenco de luxo, com alguns dos nomes mais conhecidos de Hollywood: Dana Andrews, Rhonda Fleming, George Sanders, Howard Duff, Thomas Mitchell, Vincent Price, e Ida Lupino, num papel mais secundário, uma vez mais contracenando com o seu marido. 
"While the City Sleeps" traz-nos um retrato cínico do império dos média, mais interessado em vendas do que no serviço público, que continua a ser um assunto corrente até aos dias de hoje, mesmo que as mudanças radicais na tecnologia de disseminação de informação tenha mudado de uma forma tão acentuada. Seria uma despedida em grande para Lang.


Women's Prison (Women's Prison) 1955

 Duas mulheres são enviadas para uma prisão de alta segurança. Uma é reincidente, e conhece todas as prisioneiras, assim como os guardas. A outra é uma pessoa decente, uma mulher que matou sem querer uma criança num acidente de viação. Uma jovem muito frágil que tem medo de ficar na prisão. Através destas duas mulheres vamos conhecer o dia a dia na prisão, que é governada por uma directora cruel, que não dá descanso a ninguém..
"Women´s Prison" poderia servir de modelo para 101 filmes que foram feitos sobre mulheres na prisão, sobretudo a partir da década de 70. Em 1955 o conceito ainda estava associado ao clássico da Warner "Caged", de 1950. Filme barato mas de entreteniment, ferve em lume brando durante uma hora e 10 minutos, para a inevitável explosão final. 
Realizado por Lewis Seiler, contava com uma esplendidamente vil Ida Lupino,  num papel feito à sua medida como dama do filme noir, aqui interpretando o papel de directora da prisão, que por não poder conviver com homens no mundo no exterior, prontamente descarrega as suas frustrações reprimidas nas presidiárias. Um bom elenco, que conta ainda com Jan Sterling, Phyllis Thaxter e Howard Duff.
Legendas em espanhol.

segunda-feira, 22 de março de 2021

Número da Morte (Private Hell 36) 1954

Dois policias encontram 300 mil dólares levados durante um roubo, mas um deles sugere que não devolvam uma parte. As coisas ficam ainda piores quando um chantagista entra em cena e um deles se envolve romanticamente com Lili Marlowe, uma cantora ávida por dinheiro.
A força e a capacidade de identificação que Ida Lupino trás para os seus personagens é sempre emocionte de ver, e não é diferente em "Private Hell 36", filme de 1954 realizado por don Siegel.  O seu desempenho é muito parecido com o apresentado em "Road House"(1948). Nas mãos de Lipino, Lilli, uma cantora de um bar, não é uma vamp nem uma "femme fatale", é uma mulher que se ergueu num ambiente difícil, e se esforça para colocar a comida na mesa.
Lupino, além de ser a estrela, também escreveu o argumento com o seu ex-marido Collier Young, e este seria mesmo o último filme para a produtora The Filmmakers que os dois fundaram juntos. A contracenar com a actriz estava Howard Duff, com quem ela entretanto se tinha casado na vida real, e ainda um elenco de luxo: Steve Cochran, Dean Jagger e Dorothy Malone. 

sábado, 20 de março de 2021

Arrojada Aventura (The Hitch-Hiker) 1953

Roy Collins (Edmond O'Brien) e Gilbert Bowen (Frank Lovejoy) partem para pescar nas montanhas da Califórnia, mas acabam por mudar de planos e decidem ir ao México. No caminho, oferecem boleia a um estranho, sem imaginar tratar-se de Emmett Myers (William Talman), um perigoso bandido procurado nos EUA e conhecido como "o viajante assassino".
"The Hitch-Hiker" foi um dos poucos filmes realizados por uma mulher nos anos 50, e geralmente é considerado o único noir realizado por uma mulher, embora não obedeça directamente a todas as regras do género. Ida Lupino não era apenas uma actriz, mas também a única realizadora no velho sistema de Hollywood, onde fez vários filmes de grande impacto, a maioria deles sobre temas que os outros realizadores tinham medo de lidar. Com "The Hitch-Hiker" era diferente, enfatizava não apenas a crueldade de Emmett mas também os laços de amizade entre os dois reféns do vilão. 
Visualmente ela faz com que o deserto aberto pareça tão ameaçador e tão perigoso como qualquer rua sombria da cidade. Se os noirs urbanos costumam sugerir que as ameaças podem estar escondidas em qualquer lugar, este filme faz o oposto. A ameaça está no banco de trás de carro, e não há forma de se esconderem. 
Filmado em grande parte no deserto da Califórnia, que passava como México, foi feito com um orçamento bastante reduzido, em apenas um mês, com um tempo de duração muito curto. E assim Lupino criou com sucesso todo um mundo de violência e pavor dentro das habituais restrições.

sexta-feira, 19 de março de 2021

Beware, My Lovely (Beware, My Lovely) 1952

Helen Gordon (Ida Lupino) é uma extravagante viúva que contrata Howard Wilton (Robert Ryan) para empregado, mas acaba por se arrepender, pois Ryan é um psicopata que, apesar de parecer uma pessoa normal, tem ataques de loucura seguido de amnésia.
Um thriller obscuro em que Ida Lupino volta a encontrar Robert Ryan, um ano depois de "On Dangerous Ground", desta vez pelas mãos de Harry Horner, um jovem realizador que não fez mais de 7 longas metragens. 
Lupino está particularmente bem neste filme, levando a sua personagem de simpática e compreensiva a medrosa, desesperada e resignada, com uma interpretação de bravura. Mas quem rouba o espetáculo é Robert Ryan. Neste filme ele é o vilão perfeito, um papel que dominou ao longo da sua carreira. Mesmo quando interpretava um dos heróis, era sempre o tipo errado de herói. No final dos anos sessenta ele fez duas personagens marcantes em "The Dirty Dozen" e "Wild Bunch". Como não fazia parte dos 12 nem da quadrilha ele simbolizava a figura da autoridade. Mas como se vivia o tempo dos anti-heróis, ele acabava por se tornar o vilão por padrão. 
Segundo consta Lupino dirigiu algumas cenas deste filme, quando a esposa de Horner estava hospitalizada.

Imdb   

quarta-feira, 17 de março de 2021

Cega Paixão (On Dangerous Ground) 1951

Amargurado pelos anos de contacto direto com a escória da sociedade, um duro detetive de polícia (Robert Ryan) é designado para investigar a morte de uma jovem fora da cidade. Logo conhece o pai da vítima, e fica com o desejo de vingança. Acaba por se envolver com uma jovem cega (Ida Lupino), que pode ser a irmã do assassino. 
Nicholas Ray nunca foi o tipo de realizador que facilitasse, nem que isso o ajudasse no box-office, por isso a imagem do polícia intransigente em "On Dangerous Ground" acaba por não ser uma surpresa. Contudo, as audiências no início dos anos cinquenta não estavam preparadas para esta história, que incluía um detective sádico a tentar apanhar um assassino que podia ser um doente mental. Mesmo um final quase milagroso não salvou o filme do desastre bilheteiras, levando a RKO a perder 450 mil dólares na altura da estreia, que para aqueles tempos era uma soma bem considerável. 
A história de um polícia que procura um assassino deficiente mental e se apaixona pela sua irmã, foi submetida à RKO como um possível futuro projecto de Ray, contudo os leitores do estúdio consideraram que este projecto seria inadequado para ser filmado. É aqui que entra o produtor John Houseman, que queria terminar o contrato com a RKO e afastar-se do seu errático dono, Howard Hughes. Houseman conseguiu garantir os direitos do livro quando Ryan mostrou interesse no papel de protagonista, e, já com três talentos associados ao projecto, a RKO decidiu dar luz verde para se iniciarem as filmagens. Houseman descreveu o tempo que esteve a trabalhar para a RKO como o pior e mais negro momento da sua carreira, trabalhando numa atmosfera desagradável e improdutiva, que não podia ter sido mais distante dos dias que trabalhou com Orson Welles e o The Mercury Theater. Felizmente Houseman e Nicholas Ray deram-se bem nos vários filmes em que trabalharam juntos. O valioso membro anónimo em "On Dangerous Ground" era o argumentista A.I. Bezzerides, que adaptou o livro de Gerard Butler em colaboração com Ray.

terça-feira, 16 de março de 2021

Brevemente:

 Depois de Reviver Cannes 1980 e Reviver Cannes 1982, vamos reviver aqui no blog mais uma edição de um festival de Cannes. Qual será?

segunda-feira, 15 de março de 2021

O Preço da Fama (Hard, Fast and Beautiful!) 1951

Quando a jovem Florence Farley demonstra ter um potencial talento para o ténis, a mãe Millie e o ex-campeão Fletcher Locke percebem que podem tirar proveito do seu sucesso. Quanto mais sucesso Florence consegue, mais se vê dividida entre aqueles que a amam ou agradar a ambiciosa mãe e seguir carreira no desporto.
Ida Lupino a filmar os bastidores do desporto feminino. "Hard, Fast and Beautiful" previu a era moderna dos desportos femininos importantes, e de pais motivados que não parariam por nada para ajudar os seus filhos a alcançar o ouro. De novo com Sally Forrest, a protagonista de "Never Fear", e desta vez com nome de peso no elenco: Claire Tervor, que nesta altura já tinha ganho um Óscar, e já tinha feito os seus filmes mais importantes.  
Apesar de já ter sido feito com um orçamento um pouco superior aos anteriores teve menos sucesso com a critica. Por um lado era sobre um tema menos sensacional / socialmente consciente do que os três primeiros, que lidavam com temas como a gravidez indesejada, a poliomielite ou a violação, por outro lado era o seu primeiro filme que não era directamente escrito por si e pelo marido. O argumento era de Martha Wilkerson, em parte baseado num livro de John R. Tunis.

domingo, 14 de março de 2021

Ultraje (Outrage) 1950

Ann Walton, uma jovem feliz e sem grandes preocupações, é atacada por um violador ao voltar do trabalho. Fica tão traumatizada que foge do lar e do noivo. Muda de identidade e tenta reconstruir a vida na Califórnia. Mas depois do assédio de um colega, é assaltada pelas recordações da sua tragédia pessoal...
Akira Kurosawa teve todos os créditos sobre filmes que lidam com violações graças a "Rashomon", mas este pequeno filme de Ida Lupino é muito mais focado no assunto, principalmente com as suas consequências dolorosas. Tem alguns problemas, em parte por causa do seu orçamento reduzido, mas é um bom filme por mérito próprio que merece ser muito mais reconhecido, debruçando-se sobre a vítima, em vez de tratá-la como uma ferramenta. Era importante romper e abrir algum discurso legítimo sobre um assunto sério que tinha sido completamente ignorado no cinema americano.
Os filmes seguintes de Lupino já seriam filmes mais cuidados, mas este ainda tem um orçamento bastante reduzido, e um elenco de desconhecidos, com Mala Powers no papel da protagonista, uma jovem em inicio de carreira, ao lado de outros actores também desconhecidos: Tod Andrews e Robert Clark. O argumento seria escrito entre Lupino, Collier Young, na altura o seu marido, e Malvin Wald.

quinta-feira, 11 de março de 2021

Never Fear (Never Fear) 1950

Carol Williams (Sally Forrest) e Guy Richards (Keefe Brasselle) são dois jovens aspirantes a dançarinos, e loucamente apaixonados. Precisamente no momento em que o seu número parece vir a ter sucesso, ela fica com febre. É poliomielite, uma doença que vai precisar de meses de recuperação. 
O filme seguinte de Ida Lupino, primeiro em que recebeu créditos de realizadora, era muito pessoal. Aos 16 anos, a própria Lupino sofreu de uma doença que paralisou a sua mão direita, durante um dos maiores surtos de pólio na Califórnia. Aida faltavam alguns anos para a vacina contra a doença, e esta foi uma das formas que a realizadora consciencializar sobre esta doença. "Never Fear" é um drama tenso e envolvente, mesmo que não se saiba a história de fundo sobre a envolvência de Lupino com a doença. Foi filmado no Kabat-Kaiser em Santa Mónica, no meio de pacientes reais.
Ida Lupino escreveu o filme a meias com o seu marido na altura, Collier Young, na primeira colaboração entre ambos. Uma vez mais com um orçamento bastante reduzido, contava ainda com a mesma dupla de actores do filme anterior: Sally Forrest e Keefe Brasselle.


terça-feira, 9 de março de 2021

A Mulher Perseguida (Woman in Hiding) 1950

O pretendente rejeitado de Deborah Chandler, Selden Clark, administra a fábrica do seu pai, que morre num acidente. Será que caíu ou foi empurrado? Mas o charmoso Selden consegue conquistá-la e caar com ela. Na lua de mel, a ex-namorada de Clark intervém, e consegue abrir os olhos a Deborah. Clark quer matá-la, e ficar com toda a fortuna para ele.
Um pequeno thriller onde a premissa parece mais do que familiar para os espectador, já que o mesmo enredo foi reciclado quase literalmente em "Sleeping With the Enemy" com Julia Roberts, mas os resultados neste "Woman in Hiding" são muito melhores, também devido a uma grande prestação de Ida Lupino no papel principal, que embora não seja das suas mais reconhecidas, tem um papel bastante sólido.
Realizado por Michael Gordon, é notável pela narração em voz "off" do protagonista "morto", vários meses antes de "Sunset Boulevard". Não é exactamente o mesmo cenário, nem tem a mesma qualidade, mas é um filme bastante interessante.

segunda-feira, 8 de março de 2021

Not Wanted (Not Wanted) 1949

Sally Kelton é infeliz em casa e na cidade monótona onde vive, até que conhece o músico itenerante Steve Ryan. Apaixona-se por ele, mas para Steve é apenas mais uma aventura até que vá para outra cidade. Quando ele parte, Sally resolve ir atrás dele, até que descobre que está grávida, numa sociedade que não aceita mães solteiras. 
O primeiro filme realizado por Ida Lupino não tem o seu nome nos créditos finais como realizadora. Começou por ser um drama social co-escrito por Lupino e Paul Jarrico, e com Elmer Clifton na cadeira de realizador. Durante a rodagem do filme Clifton teve um ataque de coração, e foi Lupino quem passou para a cadeira de realizadora. Clifton veio mesmo a falecer pouco depois do filme estrear. É dificil distinguir entre o trabalho de Clifton e o trabalho de Lupino, mas independentemente disso, o estilo visual sobressai para desvendar o colapso psicológico de uma mãe solteira. 
Lupino consegue sondar as profundezas psicológicas com o mínimo de recursos, e um elenco de actores desconhecidos, onde se destacava Sally Forrest, que a acompanharia a realizadora em alguns dos seus futuros filmes, assim como Keefe Brasselle e Leo Penn. O filme foi rodado à pressa, em grande parte nas ruas e em cenários reaproveitados. Era para se ter chamado de "Unwed Mothers" ("mães solteiras"), mas a realizadora achou melhor mudar o nome para não ver o seu filme censurado. 

domingo, 7 de março de 2021

Oiro Maldito (Lust for Gold) 149

Jacob "Dutch" Waltz (Glenn Ford) quer recuperar os 20 milhões de dólares que estão escondidos numa antiga mina abandonada. Ao mostrar que não se importa com a lenda de que uma maldição cai sobre todas as pessoas que entram nessa região, ele dá início a uma viagem para descobrir onde está o ouro. A febre do ouro provocada pela mina perdida do Arizona chama a atenção de Júlia Thomas (Ida Lupino), que tenta seduzir o estrangeiro. As verdadeiras intenções de Júlia irão trazer muitos conflitos, que combinarão amor e perigo.
"Lust for Gold" abre com uma pequena nota do Governador do Arizona, declarando que o que estão prestes a ver é uma história verdadeira, baseada na história...e na lenda. Acredita-se que a história tenha sido muito embelezada depois da morte em 1891 do Jacob Waltz da vida real, interpretado por Glenn Ford no filme. 
O filme era baseado no livro "Thunder Gods Gold", de Barry Storm, que é o personagem no principio e fim do filme, interpretado por William Prince, e começou por ser realizado por George Marshall, que acabou por saír por entrar em conflito com o produtor S. Sylvan Simon, acabando este por assumir o resto do filme. Ida Lupino, apesar de ser creditada como protagonista ao lado de Glenn Ford, só é vista passada meia hora de filme, e vale um destaque a interpretação de Gig Young, no papel do marido ciumento.

sábado, 6 de março de 2021

Com o Amor Nasceu o Ódio (Road House) 1948

O proprietário de uma casa de espectáculos numa pequena cidade do interior, Jefty, contrata em segredo a cantora Lily Stevens, contra a opinião do seu gerente Pete Morgan. Jefty sente-se atraído por Lily, que, por sua vez, exercita um certo fascínio sobre o resistente Pete. Quando Pete finalmente se apaixona por ela e ela recusa o pedido de casamento de Jefty, a situação irá atingir um nível totalmente inesperado.
"Road House" era um filme para Ida Lupino brilhar. A sua estranha forma de atração causa uma briga entre amigos, uma "femme fatale" indirecta. Uma personagem central feminina fortemente desenvolvida, em pleno auge do "film noir", que é o motor que impulsiona todo o drama e conflito. 
Realizado por Jean Negulesco, a trabalhar pela segunda vez com Lupino, é o último de uma série de cinco noirs realizados pelo realizador romeno, sendo também o melhor desses cinco filmes. É um filme memorável graças a uma interpretação corajosa de Ida Lupino, como uma cantora de cabaret cínica que encontra o amor. O filme tem um momento que ficou famoso, com a actriz a cantar "One for My Baby", com acompanhamento de piano solo de blues, onde toda a sua sensualidade é palpável e provocante. 
Richard Widmark também tem uma presença forte, como Jefty, apenas no seu terceiro papel, e depois de ter conseguido uma nomeação para o Óscar na estreia, com "Kiss of Death", de Henry Hathaway, outro Noir, território onde ele se estava a tornar especialista. No elenco destacam-se ainda Cornel Wilde e Celeste Holm. 
 

quinta-feira, 4 de março de 2021

O Vale das Sombras (Deep Valley) 1947

Ida Lupino é Libby é uma jovem da montanha que quase não fala devido à hostilidade do ambiente em geral e uma vida doméstica repressiva que vive no dia a dia. Uma verdadeira inocente que se apaixona perdidamente por Barry Burnett (Dane Clark) um membro de um grupo de prisioneiro que anda a construir uma estrada nas redondezas. Os dois amantes conseguem fugir para as montanhas, mas a policia segue no encalce deles.
Assim com em "High Sierra" (1941), Ida Lupino desfruta de um breve momento de êxtase com um homem em fuga, neste drama altamente emocional da Warner Bros. Apesar de Dana Clark não ser nenhum Humphrey Bogart, não se pode negar que tem bastantes semelhanças com "High Sierra". Embora a sua personagem tenha sido mal escrita, foi feito para ser um filme veiculo para Lupino, e ela ainda consegue brilhar em todo o seu esplendor. 
Realizado pelo imigrante romeno Jean Negulesco, que estava a dar os primeiros passos na realização de longas metragens em Hollywood, e que no seu próximo filmes alcançaria o reconhecimento ao ser nomeado para o Óscar de melhor realizador, com "Johnny Belinda", mas a concorrência era dura, perdendo para John Huston. Negulesco voltaria a trabalhar com Lupino em "Road House", que também veremos neste ciclo.
Legendas em espanhol.




 

quarta-feira, 3 de março de 2021

Ambição (The Hard Way) 1943

A ambiciosa Helen Sherman (Ida Lupino) convence a sua talentosa irmã mais nova Katherine (Joan Leslie) a casar-se com Albert Runkel (Jack Carson) para poderem sair da suja cidade industrial onde vivem.
Filmes sobre a ascenção e queda no show bussiness já foram contados muitas vezes na história do cinema e, embora "The Hard Way" não traga nada de novo, é maravilhosamente sombrio e envolvente, e apresenta um quarteto de luxo de interpretações. O papel principal esteve para ser entregue a Bette Davis, que mais tarde se arrependeu de o recusar, mas acabou por ir parar a Ida Lupino, óptima como a desesperada Helen, que atropela qualquer um que atrapalhe a ascenção da irmã à fama.
Realizado por Vincent Sherman, em fase inicial de carreira, trabalha pela primeira vez com Lupino, numa obra que lhe garantiu o prémio de Melhor Actriz para os New York Film Critcs Circle Award, e falhava por pouco uma nomeação ao Óscar que era tão desejada, e seria merecida. 
Um filme obscuro, e um excelente conto psicológico sobre ambição e ciúmes, e prova que muita ambição pode arruinar várias vidas, incluindo a própria.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Maré Cheia (Moontide) 1942

Um marinheiro mal-humorado e bêbado, Bobo acorda de ressaca em San Pablo, sem ter certeza se cometeu ou não um assassinio. Depois encontra a felicidade quando evita o suicídio da jovem Anna. No entanto,  o velho amigo Tiny fica com cíumes e deseja que Anna vá embora. O crime ainda não esclarecido pode ser o ingrediente que ele necessita para colocar seu plano em ação.
Primeiro de dois filmes que Jean Gabin fez nos Estados Unidos. Gabin foi um dos muitos da indústria cinematográfica europeia que fugiram para Hollywood para fugirem do flagelo Nazi. O problema é que Holywood não sabia o que fazer com ele. Uma mega star na sua França natal, mas relativamente desconhecido em terras americanas. A TCF colocou-o a trabalhar com Fritz Lang, um realizador também europeu que já vinha a trabalhar em Hollywood há alguns anos, mas as diferenças entre os dois eram muitas, e Lang acabou por sair fora da produção ao fim de duas semanas. Quem o substituiu foi Archie Mayo, que ficou com os créditos finais. 
Alguns defeitos são apontados ao filme, desde o nome estúpido do protagonista, a algumas cenas bizarras, mas mesmo assim o filme foi nomeado para o Óscar de Melhor Fotografia a preto e branco, e vale, sobretudo, pelo fantástico trabalho dos quatro principais actores. Os restantes três são Ida Lupino, no papel da jovem suicida, e ainda Thomas Mitchell e Claude Rains. Gabin voltaria a França logo depois da guerra acabar.