segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Cria Corvos (Cria Cuervos) 1976

 "Cria Corvos e eles te arrancarão os olho", diz o provérbio espanhol em que Carlos Saura se baseou para realizar este filme. Seguimos a perspectiva de uma criança para retratar os últimos dias da ditadura de Franco. A filha do meio de três irmãos, Ana de oito anos (um papel feito de propósito para Ana Torrent, igualmente a jovem protagonista de "O Espírito da Colmeia") que acreditava ter nas suas mãos um misterioso poder sobre a vida e a morte dos seus familiares. Assim, teria causado a morte do pai, um militar franquista depois do doloroso martírio da sua mãe. 
Carlos Saura não faz distinção entre passado presente e futuro (Geraldine Chaplin também interpreta Ana vinte anos depois, falando directamente para a câmara sobre toda a tristeza da sua infância), e, portanto, vivemos a narrativa com o próprio fluxo de consciência de Ana, com o presente a ser moldado para nossa compreensão da memória do passado.  
"Cria Corvos", a obra-prima política e psicológica de Carlos Saura foi filmada no Verão de 1975, quando o ditador Francisco Franco estava a morrer, e estreou a 26 de Janeiro de 1976, quarenta anos depois do inicio da Guerra Civil. Saura dificilmente poderia ter escolhido um momento mais importante para a sua meditação sobre história e memória. 
Nascido no seio de uma família burguesa, mas uma do lado perdedor da guerra, Saura estudou na escola do regime, e fez dez longas metragens alcançando uma posição única na altura da libertação com "Cria Corvos". Aclamado pela critica espanhola como o único cineasta no seu país a alcançar uma carreira plena neste período do franquismo, e por isso foi o realizador mais em destaque, do qual vimos todos os seus filmes até esta altura, e terminamos aqui este longo e fantástico ciclo, com um filme muito especial. Espero que tenham gostado, já que foi um ciclo muito especial.

Canciones Para Después de una Guerra (Canciones Para Después de una Guerra) 1976

"Canciones para Después de una Guerra" é um filme atípico, um híbrido entre o documental e o musical. Caracterizado pela quase total ausência de locuções, consiste numa colagem de imagens e música de quase duas horas que cobre vinte anos da história espanhola: do fim da Guerra Civil, em 1939, até ao final dos anos cinquenta. 
 Basilio Martín Patino tira partido de imagens de múltiplas fontes: documentários da No-Do, bandas desenhadas, recortes de jornais, fragmentos de filmes da época, fotografias... que vêm acompanhados de canções populares da época. O objectivo do filme é reflectir, quase de forma antropológica a dura realidade do pós-guerra. Na verdade, o filme cobre quase todos os aspectos da vida na época: o regime de Franco, o papel da mulher na sociedade, futebol, touradas, moda, religião, política internacional, educação e publicidade, e usa um processo de montagens extremas, utilizando técnicas de colorir gravações a preto e branco, transições com figuras geométricas, desenhos em quadros, para ajudar a transmitir a mensagem sublimar do filme. 
No inicio o regime de Franco aplaudiu o filme, tendo-lhe concebido o título de filme de interesse especial, mas as coisas rapidamente mudaram de tom e alguns sectores do regime começaram a ver uma afronta ao governo. Conta-se que o ministro Carrero Blanco, intrigado com os rumores, organizou uma sessão especial do filme, e que a sua esposa se levantou a meio da exibição e exclamou: "O filho da p*** que filmou isto devia estar em Carabanchel!!". Depois foi proibido, e todas as cópias destruídas, excepto uma escondida pelo realizador. Mais tarde, graças a essa cópia sobrevivente, voltaria a ser exibido nas salas, já depois do regime ter caído, embora alguns grupos de extrema direita organizassem manifestações contra a sua exibição.
Legendas em inglês.

domingo, 30 de agosto de 2020

Furtivos (Furtivos) 1975

 A história de Ángel (Ovidi Montllor), um hábil caçador que vive com a mãe (Lola Gaos) na floresta. Numa viagem à cidade ele conhece Milagros (Alicia Sánchez), uma jovem que fugiu de um reformatório e namora com um perigoso delinquente.  Vai levá-la para a sua casa na floresta, e vai manter uma relação com a jovem que a mãe não vai gostar nada, por causa de ciúmes, do medo que a jovem possa roubar-lhe o filho, com os três a formarem um triângulo emocional e sexual voltado para a tragédia.
Quando se trata de fazer uma análise critica a "Furtivos", de José Luis Borau, torna-se difícil separar os domínios da história, da política e do simbolismo. Depois de uma briga entre os censores e a produtora o filme teve uma estreia agitada no Festival de San Sebastian, menos de três meses antes da morte do general Francisco Franco. Críticos de cinema chamaram este momento de "os anos da metáfora", um momento histórico em que o combate à censura polariza grande parte das energias dedicadas à criação cinematográfica de forma democrática e politicamente consciente. Como consequência, o estudo do filme tem sido moldado por analogias entre o enredo do filme e as politicas da época.
Analogias à parte, este filme é uma das melhores representações desta época de ouro do cinema espanhol. "Furtivos" é uma metáfora poética dos tempos sombrios que a Espanha viveu durante a ditadura, sem ser muito político. A mãe e o filho, vivendo na floresta, são eles próprios a representação da relação entre o povo e o governo da época. Imprescindível se quisermos entender o cinema espanhol e a cultura espanhola durante aqueles tempos difíceis em Franco estava a morrer. Mostra mais do que muitos outros filmes, sem ser muito óbvio.
Legendas em inglês.

sábado, 29 de agosto de 2020

A Prima Angelica (La Prima Angelica) 1974

Luis, morador em Barcelona, um homem solteiro de meia idade, viaja para Segovia depois da morte da sua mãe para tratar do enterro. A tia Pilar leva-o para a sua antiga casa, onde morou quando jovem. Lá, ele encontra a prima Angelica, que foi o seu primeiro amor, e hoje mora com o marido e a filha no mesmo lugar. As lembranças ressurgirão à medida que os seus sentimentos pela prima se confundem com os que tinha antigamente.
Um dos mais sensíveis e importantes filmes de Carlos Saura, filmado em 1974, um dos momentos mais transcendentais da história espanhola, devido ao desastre do franquismo. É um retrato maravilhoso dos efeitos da Guerra Civil espanhola numa família, e do amor que luís sente pela sua prima angélica. A infância, a adolescência de ambos, e o amor proibido, é visto no passado e no presente com uma grande nostalgia. 
Saura cria uma grande história de amor com um pano de fundo histórico, a guerra civil espanhola, e mostra ao público um jogo passional entre a realidade passada e a presente. Concorrendo para a Palma de Ouro em Cannes, acabou por ganhar o prémio do Juri, num ano em que a concorrência era pesada.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

El Sopar (El Sopar) 1974

 2 de Março de 1974, foi uma data chocante na história de Espanha. Nesse dia foi executado Salvador Puig Antic, um anarquista militante. Nesse mesmo dia, Pere Portabella reuniu cinco homens que tinham sido presos políticos, num jantar, e na mais absoluta clandestinidade, arriscando a sua pele apenas para filmá-los a falarem sobre as suas experiências na prisão, a greve de fome e a sua luta. 
A proposta deste filme é a abordagem à problemática do preso político em longos períodos de reclusão. Por motivos de segurança as filmagens ocorreram numa casa de campo distante de Barcelona, onde os prisioneiros Lola Ferreira, Narcís Julian, António Marin, Jordi Cunil e Ángel Abadque, que cumpriram condenações, partilharam as suas experiências com a imprensa. O jantar começa  a tratar criticamente a greve de fome, como uma forma extrema de luta, e termina quando a última intervenção de Lola Ferreira deixa os restantes intervenientes sem palavras. 
A resistência anti-Franco num documento fascinante e excepcional (anto no conteúdo como na forma de vanguarda) sobre o fim da ditadura e os acontecimentos anteriores à transição.
Legendas em inglês.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

O Espírito da Colmeia (El Espíritu de la Colmena) 1973

Numa pequena aldeia espanhola por volta de 1940, na esteira da devastadora guerra civil do país, Ana, uma menina de seis anos de idade, vê um filme de Frankenstein numa exibição itinerante e fica com essa imagem gravada na memória. 
"O Espírito da Colmeia" pode ser lido em parte como um relato alegórico de um país que vive sob a sombra negra de um regime autoritário. Em contraste com os seus filhos, os adultos traumatizados parecem ter-se refugiado nas suas próprias preocupações: o pai (Fernando Fernán Goméz) é obcecado por abelhas, a mãe (Teresa Gimpera) escreve cartas a uma pessoa desconhecida. No entanto, evocando um mundo fantasmagórico e privilegiando a atmosfera sob a história, Victor Erice explora os medos e ansiedades de infância através dos olhos de uma muito jovem Ana Torrent. 
O filme é um exemplo impressionante dos benefícios criativos que podem advir das restrições orçamentais. A falta de fundos impediu Erice de fazer um filme de terror, como era a sua ideia original. Em vez disso, usou um clássico do cinema de terror como ponto de partida para este seu trabalho, infundindo-o com um temperamento gótico muito subtil. A ambiguidade moral que cerca o monstro é mais explorada e aprofundada à medida que o tempo passa, depois do encontro de Ana com o soldado ferido. 
Económico com palavras, o enredo elíptico é desenvolvido. em grande parte, visualmente, com a leveza do toque de Erice a evitar significados metafóricos óbvios. Um filme assombroso que consegue ligar elegantemente o trauma de um país inteiro com o trauma de uma menina confrontada com a morte.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Ana e os Lobos (Ana y os Lobos) 1972

Ana (Geraldine Chaplin) é uma jovem inglesa contratada para trabalhar como governanta numa mansão no campo, em Espanha. Mas a sua beleza aguça o desejo reprimido de três irmãos que vivem nessa casa : o místico Fernando (Fernando Fernán Gómez), que representa a Igreja Católica; José (José Maria Prada), o Exército e Juan (José Vivo), o sexo oprimido. Em silêncio, Ana nada faz para impedi-los e passivamente se submete aos desejos dos seus senhores, assim como o inocente povo espanhol durante o período franquista.
Carlos Saura não esconde a alegoria que está muito pouco escondida neste filme. Esta família representa claramente as forças espanholas controladas por Franco: a ditadura, a elite moralmente corrompida, e a igreja católica. Ana é a intrusa estrangeira, e as suas reações aos absurdos e crueldades aproximam a família, para uma postura defensiva que só agrava a situação. Ela também representa o papel das mulheres na Espanha franquista, que perderem muitas possibilidades de emprego e viverem muito tempo sob o domínio dos homens. 
Nomeado para a Palma de Ouro em Cannes, não é dos melhores filmes de Saura, mas ainda assim é uma obra muito acessível, mesmo para quem não está familiarizado com a ditadura em Espanha.

domingo, 23 de agosto de 2020

12 Anos de Thousand Movies

 É verdade! Faz hoje 12 anos que começou esta aventura dos "thousand movies", primeiro com o My One, depois com o My Two.

Já devem ser poucos desse lado, porque com o tempo foram surgindo outros entretinimentos, mas o que interessa realmente é fazermos aquilo em que acreditamos. 

Nada como recordar este vídeo do baú. Espero que esteja tudo bem desse lado, e obrigado a todos.

sábado, 22 de agosto de 2020

Tristana - Amor Perverso (Tristana) 1970

Pouco depois da morte da sua mãe, uma mulher jovem e inocente encontrará refugio na casa do seu guardião aristocrático de meia idade, que em breve a submeterá aos seus avanços sexuais. 
"Tristana", filmado já na fase final da carreira de Luis Buñuel, passa-se em Toledo, em Espanha, e é baseado num livro do Século 19 do escritor Benito Pérez Galdós. Buñuel tinha começado a trabalhar na adaptação do livro em 1962, depois dos censores espanhóis terem rejeitado um argumento que ele enviou. No entanto, ainda demorariam alguns anos para que ele pudesse começar a ver o projecto ganhar vida. Neste período, e como era contra a ditadura espanhola, continuou no México, onde passaria por um período de alta produtividade. 
Tornou-se num dos filmes mais elogiados do realizador, tendo sido nomeado para o Óscar de Melhor Filme em língua estrangeira, embora não seja tão chocante como outros filmes do realizador. Uma das partes mais memoráveis do filme é a jovem a ter pesadelos recorrentes sobre Don Lope, onde a sua cabeça decapitada substitui a corda de um sino da igreja que não pára de tocar. A religião é um tema óbvio no filme, e, curiosamente, Don Lope é uma personagem nada decente, apesar de partilhar alguns dos valores e opiniões do realizador. É ateu, evitado pela irmã profundamente religiosa, e despreza a burguesia, e a fora como ela trata os trabalhadores decentes. Como o próprio Don Lope pertence à classe média/alta, existem muitas contradições nesta personagem. 
Os ataques que Buñuel dirige à igreja católica através desta personagem deviam ter sido suficientes para revoltar os censores, mas a história, como um todo, onde a luxúria e a exploração são seguidas de amargura e malícia também devem ter revoltado bastante a igreja. Além disso, o filme também encena confrontos fascinantes entre a juventude e a velhice, e reflete uma frustração que provavelmente é sentida por pessoas com deficiência, simbolizado aqui por um menino surdo e mudo, e o eventual destino de Tristana. 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

El Bosque del Lobo (El Bosque del Lobo) 1970

Benito Freire, modesto viajante que tenta o melhor fazendo comércio de rua, de imagens sacras e ao longo do "Caminho de Santiago", no início do século XIX, é na verdade, um sofredor solitário e infeliz, com uma forma particular de epilepsia que o transforma em assassino feroz de jovens mulheres, desenha a sua peregrinação através dos bosques da Galiza. Apesar da confiança depositada nele pelas aldeias que ele frequenta, o desaparecimento alarmante de uma jovem donzela, e fortes indícios de que pesam sobre a sua pessoa, torna-se numa perseguição feroz que vai levar à sua captura inevitável.
 Baseado no romance "El bosque de Ancines" de Carlos Martínez-Barbeito, e inspirado na figura do lendário lobisomem 'Manuel Blanco Romasanta, o filme do realizador espanhol Pedro Olea é uma adaptação bastante modesta, que retrata as vicissitudes tristes de um psicótico assassino da Espanha do século XIX, tentando recuperar um ambiente de reconstrução que evoca o espírito do tempo entre superstições populares (o licantropismo) e o drama humano de um "ser" marcado pelo estigma de um mal desconhecido e terrível. 
 O resultado é uma colagem de sequências narrativas bastante estáticas. São de algum interesse certas cenas relacionadas com rituais fúnebres populares até há alguns anos atrás, no Mediterrâneo, incluindo o sul da Itália (o círculo triste de homens em volta corpo do jovem no início do filme, uma cena que tem um certa confiabilidade antropológica) e a evocação das lendas sobre a licantropia como uma forma de superstição ligada a uma interpretação obscura da epilepsia. 
 Legendas em inglês.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Cuadecuc, Vampir (Cuadecuc, Vampir) 1971

Uma combinação onírica de estilos como: documental, narrativo, experimental e ensaio, é um dos principais filmes do cinema espanhol contemporâneo. Filmado durante o set do filme de terror de Jesus Franco, "Conde Drácula" (1970), e com a estrela desse filme Christopher Lee, é uma astuta alegoria política sobre o General Franco e uma gentil homenagem aos primeiros filmes do mítico vampiro, particularmente aos de Dreyer e Murnau, além de ser uma obra de subtil beleza e grande riqueza. 
 Foi feito à volta das filmagens do filme de Jesus Franco. Um making-off vanguardista é talvez a melhor descrição, porque Pere Portabella utiliza material de dentro e em volta de outra produção, com o objectivo de recontar a história no seu estilo inimitável. Portabella pode ser descrito como um realizador experimental, esteve fora do mainstream durante a ditadura por necessidade política, e pode parecer estranho ele ter pegado num trabalho mais comercial, como este de Jesus Franco (que também teve os seus problemas com os censores, mas eu optei por deixar o cinema de terror de fora deste ciclo), mas a redefinição de objectivos e a reimaginação de Portabella cria algo, genuinamente, do outro mundo. 
Portabella elimina com eficácia qualquer indício do excesso característico de Franco. Em vez das cores ele filma a preto e branco e em 16 mm, por vezes com um contraste tão pronunciado que as imagens parecem esculturas em relevo, e nenhum som diegético é usado até à sequencia final, quando Christopher Lee lê a morte do conde Drácula do próprio livro de Bram Stoker. A banda sonora, de Carles Santos, um colaborador habitual de Portabella, é criada com sons e ruídos dispares.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

O Jardim das Delícias (El Jardín de las Delicia) 1970

Depois de sofrer um grave acidente de carro, o famoso empresário Antonio Cano fica temporariamente paralisado e com sequelas na sua memória. Para ajudá-lo na recuperação, a sua família começa a encenar acontecimentos da sua trajetória de vida - um teatro baseado em factos reais que começa a surtir bons efeitos para o paciente.
Carlos Saura dirigiu "El Jardin de las Delícias" em 1970, apenas cinco anos antes da tão esperada morte de Francisco Franco. Estes últimos anos do regime de Franco foram marcados por uma crise profunda que se refletiu no declínio físico do próprio ditador. Tal como o protagonista, António, o franquismo estava incomunicável, congelado no tempo e a sua estrutura estava desactualizada. Da mesma forma que os familiares de António continuaram a depender dele, os membros do regime de Franco continuaram a apoiar o ditador durante o seu declínio físico e mental, a fim de aproveitar as suas prerrogativas e garantir o seu próprio futuro. A incerteza do futuro do país rondava a sociedade espanhola, um sentimento que Saura explorou com sucesso neste filme. 
Embora a ditadura estivesse a chegar ao fim, os censores continuaram a exercer um contro estrito sobre a produção cultural, obrigando os realizadores da oposição a desenvolverem narrativas metafóricas para articular o seu descontentamento com o regime, se os filmes fossem mais explicitos não teriam sobrevivido aos cortes dos censores. Foi neste contexto que Saura fez uma crítica alegórica ao final da ditadura de Franco, com uma linha teórica que possibilita múltiplas leituras do filme.
Legendas em inglês.


sábado, 15 de agosto de 2020

O Cinema Espanhol no Tempo de Franco - Os Últimos Anos do Franquismo

 Além dos factores políticos e culturais, certos apectos económicos são cruciais para a compreensão dos últimos anos do Franquismo e a sua política cinematográfica. Por exemplo, um dos maiores escândalos de fraude financeira deste período, o "escândalo Matesa", teve um impacto directo no cinema e nos subsidios para o cinema. De acordo com a política anterior de Garcia Escudero, o Banco de Crédito Industrial concedia 15 por cento dos subsídios do governo, que foram depois bloqueados depois desse escândalo. O estado congelava assim todos os subsídios destinados à produção cinematográfica. A crise económica mundial dos anos 70 teve ainda um impacto mais negativo na produção espanhola. Como resultado desses problemas a industria cinematográfica entrou num período de grave crise, mais percetível entre os anos de 1969 e 1977. Tal como no resto do mundo industrializado, a televisão e o vídeo tornaram-se concorrentes de peso para o cinema, incluindo ainda mais para o declínio deste. A censura também regressava ferozmente, principalmente para realizadores críticos do regime, como Carlos Saura ou Basilio Martin Patino. 

Durante este complexo período, Carlos Saura, Basilio Martins Patino, Victor Erice, e José Luis Borau foram considerados as vozes mais fortes de oposição ao regime, os seus filmes exploravam o impacto ideológico do franquismo, e retratavam mundos ideológicos opressores que eram vistos como simbolos de estruturas ditatoriais. Exploravam as implicações da longa ditadura franquista e a sua relação com a sociedade espanhola. O cinema destes homens era bem aceite pelo público intelectual, pelos jovens universitários e pela classe média do período de transição. Durante os últimos cinco anos da ditadura Saura realizou alguns dos seus filmes antifranquistas mais poderosos, como "El Jardin de las Delicias", "Ana y os Lobos", "La Prima Angelica" e "Cria Cuervos". O famoso filme de Erice "O Espirito da Colmeia" é uma crítica em camadas, e poderosa, sobre a ditadura, tecida por densas alusões textuais e o uso criativo do género terror. "Furtivos" de José Luis Borau, é uma exploração convincente de violência autoritarismo e poder. "Canciones para Después de una Guerra" de Basilio Martin Patino questiona a memória histórica através do uso criativo de imagens de arquivo e formas culturais populares do período. Estes são alguns filmes que poderão ver no último capitulo deste ciclo. Mas haverá mais. Já a partir de amanhã.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Os Desafios (Los Desafios) 1969

Três diferentes histórias com o objetivo de expressar como uma situação que parece normal acabe numa explosão de violência: um pai, actor de renome e dono de uma luxuosa mansão, que teme perder a filha para um soldado americano; um marido adúltero, dono de uma extensa propriedade onde cria touros bravos, sente-se enganado ao descobrir que a esposa também lhe foi infiel; um jovem viajante americano por terras espanholas, decide que a sua viagem e a dos seus companheiros não deve continuar. 
 Colocando um excelente Dean Semlier no centro de cada história independente, este trabalho conjunto de José Luis Egea, Victor Erice e Claudio Guerin, com uma mãozinha de Rafael Azcona no argumento, constrói brilhantemente uma série de temas subjacentes fascinantes, com o dinheiro a ser mostrado como o denotador que dispara todos os personagens para dentro do seu final sombrio. Com o dinheiro sujo, os argumentistas também fazem da dominação masculina um tema central, com cada acto de violência a ser motivado porque cada um dos homens se sente desesperado para manter o "seu lugar", e também com um profundo desejo de exibir a sua veia agressiva de macho, em relação ás mulheres. 
Antes de ser mundialmente reconhecido por filmes como "O Espírito da Colmeia", ou "O Sul", Victor Erice realizou este trabalho, em colaboração com José Luis Egea, e Claudio Guerin, com cada um deles a realizar um episódio. Imperdível. 
Legendas em inglês.


A Colmeia (La Madriguera) 1969

Um casal tem uma vida boa e tranquila, resultado do seu trabalho e investimento. Sem razão aparente, eles isolam-se em casa e deixam de ter qualquer contato com o mundo exterior. Começam, então, a colocar em causa a sanidade e a vida conjugal entre os dois.
Um filme que não é apenas um dos grandes resultados da união criativa e conjugal entre Carlos Saura e Geralfine Chaplin, como também um dos raros casos em que o ambiente, neste caso a casa, assume o papel principal. A enorme casa de concreto, abstrata e pré-minimalista, transforma-se durante toda a execução do filme, abrindo o caminho para a paranóia das duas personagens principais. As imagens que Saura produz são enigmáticas, surrealistas, e de uma forma estranhamente terapêutica. É provavelmente um dos filmes mais interessantes e contemporâneos do realizador, embora não seja muito reconhecido.
Estreado no festival de Berlim de 1969, era a segunda colaboração de Saura com o produtor Elías Querejeta e o argumentista Rafael Azcona, embora Chaplin também tenha dado uma mão no argumento. Esta colaboração entre Saura, Querejeta e Azcona estender-se-ia ao longo da década seguinte, em filmes mais conhecidos, como "O Jardim das Delícias" (1970), "Ana e os Lobos" (1973) ou "A Prima Angélica" (1974) todos eles cobertos por um simbolismo em que as memórias, os regressos à infância, ou as relações familiares não só definiam as personagens como também permitiam uma leitura crítica do passado e do presente, num país em que a ditadura moribunda dava os seus últimos golpes.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

El Extraño Caso del Doctor Fausto (El Extraño Caso del Doctor Fausto) 1969

 
Dr. Fausto é  um estudioso de grande sucesso, embora esteja insatisfeito com a sua vida, a posto de estar disposto a fazer um pacto com o próprio Diabo se necessário, é observado por estranhas criaturas do espaço sideral. De repente, uma estranha e bela mulher aparece na sua vida, mas o seu comportamento anormal fará com que o mundo do Dr. Fausto deslize, lenta e inexoravelmente, para a loucura. 

Vagamente baseado no Dr. Fausto de Goethe, é a segunda longa metragem realizada por Gonzalo Suarez, quando ainda era membro da Escola de Barcelona, Era costume os realizadores deste movimento colaborarem nos filmes uns dos outros, e Suarez já tinha colaborado no argumento de "Fata/Morgana", de Vicente Aranda. É de longe o seu filme mais experimental e bizarro, com um narrador a contar-nos a história como se fosse uma história para dormir, apoiado por um coro que consiste em vozes estridentes. 

Algures entre o barroco psicadélico e a exuberância da pop art, "El Ectraño Caso del Doctor Fausto" respira "Escola de Barcelona" por todo lado, embora em certos momentos também possa recordar a Nouvelle Vague, ou menos o "Édipo Rey" (1967), de Pasolini É um puro exercício experimental, q quintessência do cinema não narrativo, mas também uma sucessão de elementos recorrentes no universo criativo do seu realizador. 

Legendas em inglês.


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terça-feira, 11 de agosto de 2020

Em Três, Um É Demais (Stress-es tres-tres) 1968

Filme sólido sobre ciúmes, paixões, uma suposta traição, intrigas sexuais e uma interpretação extraordinária do elenco principal. Um empresário chamado Fernando (Fernando Cebrian) dirige para a costa de Almeria com a sua inconstante esposa Teresa (Geraldine Chaplin, então casada com Carlos Saura) e o melhor amigo Antonio (Juan Luis Galiardo). O paranóico Fernando pensa que está a ser enganado e que os outros dois estão começando um caso de amor. Enquanto os dois se vão envolvendo ao longo do fim de semana, Fernando continua com a fixação nos ciúmes e fica cada vez mais paranóico. 
Como o título sugere, temos um triângulo emocional bastante estranho. Grande parte da acção passa-se num carro, atravessando a árida paisagem espanhola a caminho de uma praia deserta. A lealdade muda, as identidades confundem-se, e, no final, é francamente impossível dizer quem fez (ou não) o quê a quem. 
Para tornar o filme ainda mais estranho, Carlos Saura rodou-o no mais totalmente realista dos estilos. Música minimalista, e um trabalho de câmara sólido a preto e branco, que nos faz sentir que estamos a assistir a um documentário, e isso torna a ambiguidade da acção ainda mais bizarra e perturbadora.
Não é dos trabalhos mais conhecidos de Saura, mas vale bem a pena.

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terça-feira, 4 de agosto de 2020

Cada Vez Que.. Estoy Enamorada Creo que es Para Siempre (Cada Vez Que..) 1968

Uma história divertida de amor, a preto e branco. passada no mundo da moda da Barcelona dos anos 60. Uma modelo bonita, mas comprometida, apaixona-se por alguém de fora. Interroga-o sobre o amor, num diálogo interminável e original, durante o qual eles se aproximam cada vez mais. As respostas dele surpreendem-na de uma forma positiva, pois concordam que todas as limitações e ideias sociais sobre o amor são um equívoco humano. 
Filme emblemático da chamada Escola de Barcelona, que além de narrar as aventuras e desventuras dos seus protagonistas, também nos oferece um fresco sobre a Espanha dos anos sessenta, através do rock, da moda, e de um estilo visual claramente em dívida com a Nouvelle Vague.
Segunda longa metragem de Carlos Durán, um dos nomes mais importantes da Escola de Barcelona, que até então só tinha trabalhado como assistente em outros filmes deste movimento. Dois deles já passamos aqui neste ciclo, "Fata / Morgana" (1966) e "Dante no és Unicamente Severo" (1967).
Legendas em inglês.

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Oscuros Sueños de Agosto (Oscuros Sueños de Agosto) 1968

Isabel (Viveca Lindfors) sai de Caracas, onde mora, até a Espanha para dar entrada num famoso hospital psiquiátrico, onde pretende tratar uma depressão. Aproveitando que a sua mãe está na cidade, Ana (Sonia Bruno) decide acompanhá-la por um mês durante o tratamento. Lá, ela conhece Mario (Julián Mateos), que está em tratamento por alcoolismo. Criam um estranho e complicado relacionamento ao longo do tempo.
Da austera e abnegada Tia Tula, passamos para o papel da mulher moderna e trabalhadora de minissaia, Ana. Miguel Picazo, aqui na sua segunda obra, mostra-nos dois tipos opostos de mulheres, nos seus dois primeiros filmes, mas ambas são vítimas da mesma insatisfação na vida. Ana tem um namorado formal, mas descobrirá a paixão quando conhece Mário, um homem com problemas de alcool. No microcosmos deste sanatório de luxo, povoado por seres sofredores, apesar dos cuidados sofisticados do seu director, Ana recupera a relação afetuosa com a mãe. 
Com um argumento escrito por Manuel López Yubero e Victor Erice, Picazo faz o mesmo discurso ousado quatro anos depois da sua brilhante estreia. Vai mais longe quando se trata de retratar as consequências pessoais causadas pela falta de sinceridade nas relações humanas.
Legendas em inglês.

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domingo, 2 de agosto de 2020

Nocturno 29 (Nocturno 29) 1968

O filme começa onde "No contéis con los dedos", a curta anterior de Pere Portabella nos deixou. De frente para uma tela em branco. Aprofunda-se na futura estrutura dos filmes do realizador, que não avança através de uma estrutura linear, mas por uma sucessão de quadros panorâmicos e semi-autónomos, quase sempre inesperados. Uma série de situações, embora aparentemente não relacionadas, giram em torno de um desenvolvimento temático que dá corpo e unidade à história. Evocações a Antonioni, Buñuel ou Bergman podem ser encontrados no filme, cruelmente anti-burguesia. 
 Primeira longa-metragem de Portabella, co-escrita pelo poeta Joan Brossa, tornou-se numa das mais influentes obras da chamada "Escola de Barcelona", uma vaga de cinema vanguardista que teve lugar naquela cidade, e tal como os restantes filmes deste movimento, circulou apenas num circuito underground. Evitando ao máximo o diálogo, o realizador constrói uma não narrativa, em fragmentos que revelam a vida quotidiana de um casal adúltero, intercalado com um fluxo enigmático de imagens independentes. 
 O título do filme, "Nocturno 29", refere-se aos 29 anos negros da ditadura de Franco, 29 anos negros durava a ditadura até esta data.

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