domingo, 30 de outubro de 2016

Capítulo 1 - Terror

 Depois do Anoitecer (Near Dark) 1987
Certa noite, Caleb Colton conhece a jovem e linda Mae, e juntos embarcam numa perigosa aventura. Os seus companheiros, Jesse, Severen, Damondback, Homer, formam um grupo de errantes noturnos que semeiam terror e morte nas suas investidas à procura de sangue. Seres tipicamente noturnos, esperam pela noite, quando os seus sentidos se tornam mais apurados. Mas, com a chegada do dia, a luz do Sol é lhes fatal.  Uma lufada de ar fresco para um sub-género que há muito se tinha tornado repetitivo e cansativo, o filme de vampiros. O que imediatamente separa "Near Dark" dos outros filmes de vampiros é o engenhoso desenvolvimento das personagens. Vemos e reconhecemos a necessidade dos vampiros em sobreviver, mas sabemos que ele são realmente maus, porque eles matam, e se divertem na forma como fazem novas vítimas. 
"Near Dark" era o segundo filme de Kathryn Bigelow, amiga e futura esposa de James Cameron. Nota-se aqui a influência do realizador, nomeadamente na escolha dos actores que interpretaram os vampiros (Paxton, Henriksen e Goldstein), todos eles saídos do filme anterior do realizador, "Aliens" (1986). Mas o maior trunfo do filme era o argumento, escrito a meias por Bigelow e Eric Red, uma grande promessa do cinema mais underground de Hollywood, e que no ano anterior tinha escrito o argumento do fantástico "The Hitcher - Terror na Auto-Estrada".

A Maldição dos Mortos-Vivos (The Serpent and the Rainbow) 1988
Em 1985, depois de uma investigação de sucesso no Amazonas, o dr. Dennis Alan de Harvard, é convidado pelo presidente de uma importante indústria farmacêutica de Boston, para viajar para o Haiti, para investigar o caso de um homem chamado Christophe, que morreu em 1988 e aparentemente voltou à vida. Andrew quer amostras da droga que foi usada em Christophe, com a intenção de produzir um anestésico poderoso.  Mas, alguém mais vai se intrometer no caminho.
Há três ou quatro sequências de alucinação/sonho que são um autêntico deleite visual em "The Serpent and the Rainbow". O filme está bem acima da média, embora a premissa da magia negra tenha muito potencial não explorado. 
O filme era adaptado de um livro de memórias do mesmo nome, de um verdadeiro botânico de Harvard chamado Wade Davis, que realmente foi ao Haiti para investigar uma droga zombie. Não foi fácil adaptar um livro científico sério numa longa metragem de terror. Davis considerou o filme "uma das piores adaptações da história do cinema", mas isso não é verdade, acabando por ser um dos filmes mais interessantes dentro deste modelo de zombies.   Wes Craven realiza e Bill Pullman é o protagonista, mas o filme é todo de Cathy Tyson.
  
Shocker - 100.000 Volts de Terror (Shocker) 1989
Numa pequena cidade do interior americano o jovem universitário Jonathan Parer (Peter Berg) vê num pesadelo a sua família ser chacinada por Horace Pinker (Mitch Pileggi), um técnico de TV. O crime acaba realmente por acontecer e Jonathan convence o seu pai adoptivo, o policia Don Parker (Michael Murphy), a prender Pinker. Depois de cometer outros crimes Pinker é preso e condenado à cadeira elétrica. Ao ser executado, entretanto, o assassino consegue fazer com que seu espírito sobreviva como energia, sendo capaz de tomar corpos humanos e deslocar-se por meio das ondas de TV.
Realizado por Wes Craven, à primeira vista é um filme muito similar a "Pesadelo em Elm Street", porque é baseado em torno das aventuras de um vicioso Serial Killer.  Craven criou aqui um novo Freddy Kruger, e desta vez em vez de invadir a meta-realidade dos sonhos, o maníaco Horace Pinker pode viajar através das televisões. Realizado logo no ano seguinte a "The Serpent and the Rainbow", vale sobretudo pela grande interpretação de Mitch Pileggi.

Critters - Seres do Espaço (Critters) 1986
Criaturas de outro planeta parecidas como bolas de pelos comem tudo o que encontram pela frente numa quinta localizada perto de uma pequena cidade no oeste americano. Elas são perseguidas por caçadores de recompensas intergaláticos contratados para exterminar essa ameaça...
Escrito por Domonic Muir e realizado por Stephen Herek, "Critters" provou que "Gremlins" seria uma grande fonte de inspiração para o cinema dos anos oitenta. Onde o filme de Joe Dante optou por uma explicação quase mística para os seus vilões, "Critters" toma o caminho mais fácil trazendo-os do espaço, partindo do ponto que eles são suficientemente inteligentes para guiar uma nave espacial, mas ainda são guiados pelos seus instintos mais básicos. O argumento é muito tímido a revelar as criaturas durante a primeira meia hora, apesar de qualquer pessoa já os ter vistos nos trailers e nos cartazes de apresentação do filme, e de todos conhecerem as feições dos monstros, parecidos com o Diabo da Tansmânia, dos Looney Tunes. Dee Wallace, de "E.T." e "O Uivo da Fera" protagoniza, dividindo o ecrã com M. Emmeth Walsh, um dos policias de "Blade Runner".
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Capítulo 1 - Terror

Cemitério Vivo (Pet Sematary) 1989
Para muitas famílias, mudar de casa significa recomeçar. Mas para os Creed pode estar a começar o fim. É que eles mudaram-se para próximo de um lugar que as crianças construíram com desilusões, o Cemitério Vivo. Trata-se de um estreito pedaço de terra, que oculta um misterioso sepulcro indígena com poderes de ressurreição. O mestre do terror, Stephen King, leva todos ao inferno, mas os Creed não tem passagem de volta. O guia turístico é o gentil Jud Crandall (Fred Gwynne), o vizinho simpático que conhece os segredos da vida, mas que já viu o suficiente para acreditar firmemente que às vezes a morte é bem melhor.
Era apenas a segunda obra de Mary Lambert, e a primeira que Stephen King adaptava directamente para o cinema um dos seus romances. Sendo o livro um best-seller, o filme acabou por se tornar também um êxito de bilheteira, mesmo tendo em conta o tom mórbido filmado por Lambert, e o componente dos slasher movies. Rendeu 57 milhões só nas bilheteiras americanas, tendo em conta o budget de 11,5 milhões, sendo de longe o filme de terror com melhores resultados nesse ano.
Não é das melhores nem mais importantes adaptações de Stephen King, mas é das mais bem sucedidas. Teve uma sequela 3 anos depois.

A Catedral (La Chiesa) 1989
Na Idade Média uma catedral é construída com o propósito de abrigar corpos de pessoas consideradas possúidas pelo Demónio. Séculos depois um jovem bibliotecário liberta o mal que está sobre a construção removendo uma pedra nas catacumbas. Ao redor, uma série de eventos macabros começa a acontecer, e o Padre Gus parece ser o único que não está possuído. Portanto, cabe a ele a tarefa de evitar o caos na cidade encontrando um segredo, na própria igreja, libertando a cidade dos demónios.
Produzido e com argumento de Dario Argento, e realizado por um dos seus protegidos, Michele Soavi, segue um pouco a história de "Demons" de Lamberto Bava, usando o mesmo dispositivo de uma presença maligna a enclausurar pessoas inocentes num prédio, com os mais pobres de espírito a serem afectados pela presença demoníaca. Um truque eficaz, muito bem explorado por Soavi, aqui um jovem de 32 anos ainda na sua segunda longa metragem, conseguindo uns momentos de choque bastante eficazes.

Os Olhos da Floresta (The Watcher n the Woods) 1980
O espírito de uma criança, assombra os filhos de um casal americano na sua nova residência, uma bela casa cercada por uma floresta na Inglaterra. As duas filhas do casal começam a ver coisas e ouvir vozes. A mais velha das meninas procura desvendar o desaparecimento de uma rapariga ocorrido há trinta anos.
Produzido pela Disney, numa das suas raras incursões ao território do terror, é baseado num livro de 1976 de Florence Engel Randall. O filme teve vários problemas de produção, tendo sido retirado da circulação logo depois de ter estreado, em 1980, tendo sido novamente lançado depois de uma nova montagem. A primeira versão foi realizada por John Hough, especialista em cinema de terror que já tinha realizado, por exemplo, "The Legend of Hell House".
Destaque especial para duas velhas glórias de Hollywood em final de carreira: Bette Davis e Carroll Baker.

Jardim do Mal (The Lair of the White Worm) 1988
Ao fazer escavações nas terras de um convento, o arqueólogo Angus Flint encontra uma estranha caveira que lembra a cabeça de um dinossauro, e um mosaico romano. Há uma lenda local sobre uma antiga serpente morta na caverna de Stone Rigg. Paganismo e cristianismo entram em conflito, porque segundo a lenda essa cobra monstruosa pode transformar-se em mulher.
Campy, erótico, gory, por vezes intencionalmente engraçado, filme sobre vampiros, aqui sob a forma de uma mulher serpente adorada por um velho culto religioso. O britânico Ken Russell injecta na história as suas típicas alucinações e sonhos surreais. O filme é vagamente baseado no último trabalho conhecido de Bram Stoker, antes de morrer. Embora não tão conhecida como "Drácula", a história ainda tinha um número considerável de fãs.
Interpretado por um Hugh Grant muito jovem, alguns anos antes de se tornar famoso, e duas beldades: Amanda Donohoe e Catherine Oxenberg.
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sábado, 29 de outubro de 2016

Capítulo 1 - Terror

Vamos começar esta viagem ao mundo do VHS pelo género de Terror, que ao mesmo tempo irá ser a nossa forma de festejar o Halloween. O terror foi ganhando popularidade com o passar dos anos, e se durante muito tempo era um género tabu, hoje em dia é dos mais procurados. Principalmente a partir dos anos 80 tivemos um boom considerável, em parte por causa da evolução dos efeitos especiais. Graças a isso muitas obras deste género tornaram-se mainstream durante esta década: "O Uivo da Fera", "Companhia dos Lobos", "A Mosca", "Gremlins", "Um Lobisomem Americano em Londres", "The Evil Dead", "Pesadelo em Elm Street", "The Shining", "Poltergeist", entre outros.
Vamos então fazer uma viagem por este género, não pelos filmes de primeira linha, mas pelos outros que vêm logo a seguir. Estes foram alguns dos filmes presentes na prateleira de terror.

A SEITA DO MAL (The Believers) 1987
Ao investigar o brutal assassinato de dois jovens, um detetive perde o equilíbrio mental. O psicólogo da polícia descobre que a insanidade do colega está diretamente relacionada com um culto religioso especializado em sacrifícios humanos.
O filme fala sobre a religião de Santeria, uma fé que teve a sua origem no comércios de escravos, quando os nativos africanos foram transportados à força para as Caraíbas e foram e foram convertidos aos catolicismo. A fim de manter as suas crenças nativas, misturam conceitos da sua religião com os principios de Roma. Estima-se que 35000 pessoas pratiquem Santeria nos Estados Unidos. 
Baseado no livro "The Religion" de Nicholas Conde, e adaptado por Mark Frost (antes de se envolver em "Twin Peaks"), foi um dos melhores filmes sobre o oculto realizados nos anos 80. Realizado pelo britânico John Schlesinger, que aos poucos tentava regressar à boa forma do seu inicio de carreira, este acabaria por ser o seu melhor filmes pós-1980, a par com "Pacific Heights", que veremos mais para a frente. Martin Sheen é o protagonista.

 ARACNOFOBIA (Arachnophobia) 1990
Toda a gente tem medo de alguma coisa...mas a fobia do Dr. Ross era muito estranha. Quando ele se muda com a família para uma cidade do interior, aquilo que o apavorava transforma-se numa crescente ameaça para todos os moradores do lugar. As aranhas estão prestes a destruir a cidade inteira. A única hipótese de salvar todo mundo é superar este medo infantil - mas pode ser tarde demais...
Atrás deste projecto estava a Amblin Entertainment, e logo a equipa de produção de alguns dos maiores êxitos dos anos 80, "ET", "Poltergeist", "Indiana Jones e o Templo Perdido", "Goonies", "Regresso ao Futuro", logo as expectativas eram bastante elevadas. Frank Marshall era um dos cabeças do estúdio, junto com Steven Spielberg e Kathleen Kennedy, salta pela primeira vez para atrás das câmaras, e pode-se dizer que fez um bom trabalho. Estava-se no auge da popularidade da Amblin, e tinha-se que aproveitar o momento.
É um filme um pouco reminiscente de "Gremlins". A pequena cidade a ser invadida por criaturas. O facto de serem aranhas, dá um tom um pouco mais realista ao filme, e os efeitos especiais são do melhor da altura. Destaque para a curta interpretação de John Goodman, apesar do protagonista ser Jeff Daniels.

 A FELINA (Cat People) 1982
Natassia Kinski é Irene, uma bela jovem que ao descobrir o seu primeiro amor, apercebe-se que uma explosiva experiência trazer-lhe-á trágicas consequências. Esta poderosa paixão ultrapassa todo o caos à sua volta, incluindo as bizarras exigências do seu próprio irmão (Malcolm McDowell) uma vez que a puxa para um destino bizarro.
"Cat People" era um remake do filme do mesmo nome realizado por Jacques Tourneur. Em plenos aos oitenta, com a pouca facilidade em descobrir cinema, o filme original era uma obra completamente obscura, ao passo que hoje é muito mais conhecido. Era um projecto de Paul Schrader, um argumentista ligado aos Movie Brats (Coppola, De Palma, etc), e que tinha já no seu historial argumentos tão importantes como "Yakuza", "Taxi Driver", ""Obsession", "Rolling Thunder", e que procurava um lugar ao sol no campo da realização, sendo este já o seu quarto filme. E pode-se dizer que até aqui a sua carreira corria muito bem.
Como cinema fica bastantes furos abaixo do original, mas é um óptimo projecto de promoção à actriz Natassia Kinski, uma das maiores sex symbol dos anos 80.

O DESVENDAR DE UM MISTÉRIO (The Changeling) 1980
Desde a trágica morte da sua família, o compositor John Russell abandonou Nova York e agora vive numa casa solitária na esperança de continuar compondo e encontrar a paz. Enquanto aprecia o silêncio e a solidão de sua nova residência, começa a ver constantemente o corpo de um rapaz. Nas suas andanças pela casa, descobre uma entrada secreta para um antigo quarto de criança que permanecia esquecido. Nele John encontra uma cadeira de rodas e uma caixinha de música e tem o pressentimento de que alguma coisa terrível aconteceu naquele quarto. 
 Um dos bons filmes sobre casas assombradas que se fez no período entre final dos anos setenta, e principio dos anos oitenta. Passou um pouco ao lado de uma carreira de sucesso, talvez por ter sido uma produção canadiana, mas o elenco de velhas estrelas é do melhor que se podia encontrar: George C. Scott, Trish Van Devere, Melvin Douglas e Jean Marsh. É bastante superior a "The Amityville Horror" de Stuart Rosenberg, mas inferior a "The Shining" de Kubrick, do mesmo ano. A realização é de Peter Medak.
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O Tempo do VHS

Para vos falar um pouco do que vai ser este ciclo vamos ter de fazer uma viagem no tempo, até meados dos anos 80, inicio da minha cinefilia, e, provavelmente, também da cinefilia de muitos de vós. 
Nesta altura não havia internet. Não havia a facilidade de encontrar filmes como encontramos agora. Então como é que fazíamos? Por um lado tínhamos a televisão, com uma programação muito mais decente do que encontramos hoje em dia. Só havia dois canais, mas a variedade era enorme. Como não havia rivalidade entre canais, o serviço público era bastante bom, havendo espaço para o cinema de entretenimento, mais virado para o primeiro canal, e espaço para o cinema de autor, com diversas rubricas na 2 como por exemplo o "Cinco Noites, Cinco Filmes". Havia o cinema nas salas, também elas com espaços muito mais variados do que existem agora. Havia o cin
ema de bairro, o cinema de rua, mas não é disso que iremos falar neste ciclo.
 A partir da década de 80 começou a ser comercializado um novo aparelho electrónico, o video gravador. Este aparelho tinha em primeiro lugar uma função, gravar programas da televisão. Programas esses que depois poderiam ser reproduzidos mais tarde, e quantas vezes quiséssemos. Depois descobriu-se um novo potencial para o aparelho, o aluguer de videocassetes, os objectos onde ficavam gravados os programas. Desta forma, era possível para as pessoas verem os filmes estreados recentemente na sua própria casa, mediante o pagamento de um aluguer que era inferior a um bilhete de cinema. 
De certa forma o mercado videográfico português acabou por assemelhar-se ao do cinema, com a concentração de empresas e representações das grandes companhias americanas (as majors), e o afastamento para a periferia de empresas que não conseguiam ter grande poder negocial, para conseguir vencer no mercado internacional.
O mercado videográfico evoluiu rapidamente, em 1988 havia cerca de 2000 filmes no mercado de aluguer, seis anos depois esse número já ultrapassava os sete mil, incluindo a adição de um novo filão, a venda directa. Os filmes que se podiam encontrar eram sobretudo as obras mais comerciais, e o cinema clássico americano. O cinema de autor era bastante raro. Em 1993 podiam ser encontrados apenas três filmes de Ingmar Bergman, um de Truffaut, cinco de Godard, seis de Kurosawa, três de Pasolini, dois de Resnais, com bastantes autores a não terem sequer presença no mercado nacional. Para falar a verdade, quem frequentava um clube de vídeo, pelo menos naquele tempo, não procurava filmes que o fizessem pensar muito, mas sim objectos de fácil entretenimento.
Este ciclo tem o objectivo de querer fazer recordar esses tempos do aluguer das VHS, as videocassetes. Entrar naquele estabelecimento, e deparar-nos com diversas prateleiras, com dezenas e dezenas de filmes. O momento de escolher o filme para ver não era fácil. De um lado tínhamos a prateleira das novidades, que estavam quase sempre vazias, já que eram sempre os mais procurados. Os restantes filmes estavam divididos por secções. Acção e Aventura, Comédia, Drama, Terror, Policial, e até os Pornográficos, que se encontravam sempre com a capa ao contrário. Era um pouco vergonhoso pesquisar esta última secção, principalmente se estavam mais clientes do Clube do Vídeo na sala, por isso deixávamos para aqueles tempos mortos em que nos encontrávamos sozinhos (pelo menos acontecia isso comigo, já que era um miúdo de 15 anos).
Este vai ser um ciclo longo, terá mais de 100 filmes que serão postados ao longo do mês de Novembro. Como a quantidade é enorme, serão postados 4 a 5 filmes por dia, em posts menores do que é habitual. Não iremos ter aqui os grandes êxitos de bilheteira daquele tempo, nem este ciclo pretende ser um "best of" do que melhor se encontrava no mercado videográfico. Vai ser apenas uma selecção pessoal, feita por mim, com um pouco de tudo, principalmente pérolas perdidas no tempo.
Este ciclo será dividido por capítulos. Cada capítulo será dedicado a um género (Acção e Aventura, Drama, Comédia, etc), e terá de 7 a 15 filmes. Como estamos na altura do Halloween, o primeiro capítulo será dedicado ao cinema de terror, já a partir de amanhã. 
Por agora é tudo, espero que seja do vosso agrado. Até já.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Nick's Movie - Um Acto de Amor (Lightning Over Water) 1980

O realizador americano Nicholas Ray, encontra-se às portas da morte e tem como última vontade a realização de um filme sobre a odisseia de um pintor moribundo que viaja até à China em busca da cura para a sua doença. Em seu auxílio vai o amigo Wim Wenders, que se debatia com a finalização de outro projecto pessoal, Hammett. Juntos, discutem a forma de pôr as suas ideias em prática, mas cedo se apercebem que o estado de saúde de Ray não lhes permitirá muita margem de manobra.
"O que Ray e Wenders tramam em Lightning Over Water é impressionante, visceral e provavelmente inigualável. Se o fascínio do cineasta alemão pela morte do Cinema tomaria-lhe a obra anos mais tarde, sua melhor e mais consistente observação sobre o tema continua aqui, neste pequeno exercício conceitual em que ambos exploram os limites da mídia como forma de registrar os últimos momentos em vida de Nick, pouco antes de ser abatido pelo câncer que lhe fragilizava há anos – a morte literal não é da própria arte, mas de um de seus mais importantes fundamentadores, cabe então à dupla radicalizar estética e narrativa para provocar a ruptura do classicismo tão de perto sonhado em deixar para trás.
Há muito pouco de parâmetro artístico se comparado O Filme de Nick a qualquer outro filme feito até então. O emblemático esquema de filmagens intercaladas, diegéticas e extra-diegéticas, em película ou vídeo, naturalmente metalingüísticas ou plenamente ensaiadas, como se surgissem como um novo em meio ao processo maquiavélico de manipulação, utiliza muito das experimentações de Welles em seu feroz Verdades e Mentiras. Wenders e Ray deixam claro jamais se importarem com o quanto de verídico restará ao corte final – Ray sequer participou da edição, por motivos óbvios – e nem mesmo isso é necessário para transformá-lo em um melhor ou pior filme. Se vemos Ray esbravejar enquanto acorda ou participar de um sonho de Wenders como figura mística, é natural que tudo faça parte da visceralidade conceitual, do choque.
E é choque duplo, esta ode pessoal – fica difícil, na realidade, separar o que é de Wenders e o que é de Ray, ao passo que Ray é o próprio filme – ao diretor de tão importantes filmes como No Silêncio da Noite, Johnny Guitar ou Sangue Sobre a Neve. Ao mesmo passo em que acompanha-se uma impressionante coleção de registros de ideais, pensamentos e, no fundo, um verdadeiro acerto de contas de Ray, uma figura marcada pelo mau-trato do tempo – sua aparência, em certos momentos, é assustadora, desgastada, cansada, apática, e sempre salientada pela câmera abusivamente, muito próxima ao pensamento de envelhecimento, de morte, que, afinal, era seu interesse – vive-se um processo de constante readaptação à linguagem, de cuja origem é um mistério.
 É verdadeiramente impossível separar a verdade da encenação em Nick’s Film, mas tampouco importa. O câncer de Ray é verdadeiro, e suficiente. Seus gestos, olhares, voz envelhecida, feição destruída pela doença, mas sem jamais largar o cigarro – a pose clássica de Ray, encarando os atores segurando o pito, é cena marcante do filme dentro do filme, enquanto ele mesmo tenta dar prosseguimento a testes de elenco para o filme que, segundo o material restante, pretendia fazer – são o próprio filme. Tudo está ali, em um plano, um gesto ou olhar. Ao afirmar, durante uma exibição de The Lusty Man, que jamais trabalhava com roteiro pronto, que seus finais ditavam o começo, logo dava a dica do que realmente move o filme. Ele sabia estar à beira da morte o tempo todo, tanto é que este foi o fato que lhe mobilizou a chamar Wenders para o projeto. Sabia como terminaria, e assim pensava o resto. Se pode parecer um abuso de Wenders permitir tão maldosas imagens após a morte do Mestre, esquece-se a moral. Fica clara a necessidade em se preservar os desejos de Ray, tanto quanto é visível que a alma do projeto era simplesmente ele. 
Se, ao final, a experiência é desgastante, passando-se quase que por um processo de anti-filme – O Filme de Nick é lento, esquisito e provavelmente muito pouco pensado narrativamente -, temos certeza de que tudo era proposital. Pensa-se o Cinema de outro jeito, vive-se outro momento, uma única experiência. É muito menos um filme do que Cinema e sua intersecção com a vida, com o efêmero, pura e simplesmente. Wenders faria logo em seguida o genial O Estado das Coisas, dessa vez com Samuel Fuller – se O Filme de Nick é a morte, O Estado das Coisas só pode ser o funeral. Poderia ter parado por aí. Já havia discursado– e muito – sobre o fim dessas coisas, e o fruto da insistência fora bem maior do que o imaginado. Afinal, de tanto falar sobre a morte do Cinema, Wenders acabaria matando o seu próprio. “Cut”, Wenders. Jamais esqueça a hora de cortar – até na morte, Nick Ray ensina."
Texto de Daniel Dalpizzolo, retirado daqui

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Sonhos Húmidos (Wet Dreams) 1974

"Wet Dreams" é uma compilação de curtas metragens sobre sexo, com segmentos dirigidos por Max Fischer, Lasse Braun, Dusan Makavejev, entre outros, incluindo uma surpreendente curta dirigida pelo americano Nicholas Ray. Apesar das origens do filme e a sua produção aparentemente estar perdida no tempo, a internet atribui o filme a um homem holandês rico, descrito como excêntrico. Mark Betz diz que o filme foi produzido pelo International Film Festival Rotterdam, enquanto John David Slocum considera que Max Fischer produziu o filme inteiramente sozinho, teoria essa que seria repetida em 2005, pela Vanity Fair. Quando ao grande envolvimento de Fischer não há margens para dúvidas, e o holandês excêntrico sem nome parece ter sido uma pessoa real, mas nenhum deles parece ter agido em nome do International Film Festival Rotterdam. Apesar de todas as suas pretensões artísticas, "Wet Dreams" parece ser apenas mais um soft porn típico dos anos setenta, embora com uma equipa bastante invulgar. Fischer, junto com outros realizador de uma destas curtas, Dusan Makavejev, fariam um filme de culto sobre o sexo neste mesmo ano, "Sweet Movie".
"The Janitor", o segmento realizado por Nicholas Ray, aparece no final de "Wet Dreams", e é um dos dois segmentos sem sexo explícito ou nudez elevada, descrições deste segmento como "porno" são enganosas e perversas. Ray interpreta um duplo papel como sacerdote de um culto religioso, e como zelador. Filmado num implacável close-up onde a descrição "in your face" seria mais do que uma metáfora, "The Janitor" destina-se, sem dúvida, a ser autobiográfico. 
Legendas em inglês.

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quarta-feira, 26 de outubro de 2016

We Can't Go Home Again (We Can't Go Home Again) 1973

"...Do seu exílio, do seu refúgio, no início dos anos setenta, é o único cineasta da sua geração a dar testemunho in vivo daquilo que os jovens e o cinema se estão a tornar. E não porque, à falta de melhor, se tivesse dedicado tardiamente a alguma “experiência”, mas porque faz parte daqueles cineastas que não podem ser senão contemporâneos. Daí que Godard o amasse tanto. Daí que, na nossa imaginação, Ray não envelhecesse, tal qual como o cinema. We Can’t Go Home Again é, simplesmente, um outro filme de Ray datado de 1973. Mais um filme sobre a juventude, a do pós-68, generosa e fala-barato, drogada e pragmática, violenta e sentimental. Mais um filme sobre a educação, o grande tema de Ray, desta vez com o cineasta em cena, representando aquilo que é: um nome, uma glória passada, um professor de cinema que, nos seus tempos, fez Rebel without a Cause. Mais um filme sobre os pais que o não são, que fazem negaças ao édipo, que encenam a própria morte, que apertam nós que não se poderão nunca mais cortar. Ray, cineasta górdio: no fim do filme, enforca-se diante dos alunos aterrados, de noite, numa garagem. A voz off do enforcado murmura a um jovem algo como: “Take care of each other”. Como não pensar então em They Live by Night? Mais um filme sobre a impossibilidade do retorno, sobre a fuga para a frente, sobre a falta de um lar. Porque o filme é único: nele, um cineasta desintegra e recompõe aquilo que era a própria matéria do seu filme… O écran está povoado de imagens mais pequenas que vibram, coexistem, misturam-se. Gritos e confissões flutuam sobre um fundo negro mas este fundo negro é, por vezes, a sombra de uma casa, com um telhado, tal como as crianças as desenham. Já não uma casa para personagens mas, sim, uma casa para as imagens “que já não têm casa”: o cinema. Já não podemos voltar para casa… "
Texto de Serge Daney, Cahiers du Cinéma, nº310, Abril 1980
FILME SEM LEGENDAS

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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

55 Dias em Pequim (55 Days at Peking) 1963

Uma comovente história de amor e lealdade, quando um pequeno grupo de estrangeiros se vê encurralado no interior da Cidade Proibida de Pequim, cercados por milhares de fanáticos chineses, durante a revolta dos Boxers. A coragem e liderança de um major do exército americano (Charlton Heston) e do Embaixador inglês (David Niven) são a única esperança, enquanto uma bela Condessa russa (Ava Gardner) tem de escolher entre a liberdade e os seus compromissos.
Os rebeldes (Boxers) eram anti colonialismo, anti cristãos e até mesmo anti ocidentais, e o seu ódio às forças impertinentes que tentavam tomar conta do país aumentava para níveis de rancor, violência, assassinatos cruéis, forçando a Aliança a reforçar a sua posição fora da cidade imperial. O governo chinês foi apanhado numa posição difícil em que o seu apoio desigual aos Boxers assegurava que país não fosse dividido pela aliança. O comandante Ronglu tentou agir como um tampão, para impedir o apoio total aos Boxers, e tentar influenciar contrariamente a influência do príncipe Qing, que podia levar a uma guerra.
Foi o ultimo filme visto pelo presidente John F. Kennedy na Casa Branca (a 10 de Novembro de 1963), e era também o adeus de Nicholas Ray a Hollywood, sendo substituído durante as filmagens pelo seu assistente, Andrew Marton. O argumento era adaptado do livro "55 Days At Peking", de S. Edwards, a seis mãos, por Robert Hamer, Philip Yordan, e Bernard Gordon. Esta aventura animada, mas muito comprida, é passada em 1900, em Peking, durante a revolução dos Boxers. Esta representação histórica tem a tarefa pouco invejável de tentar desculpar o imperialismo estrangeiro na China, como uma espécie de direito de deus reservado para os americanos e os europeus. O filme é por vezes brilhante, no seu scope épico (filmado em Super Technirama 70), mas o produtor Samuel Bronston retalhou-o na sua remontagem.
 Para além do trio de protagonistas, Ray tinha também uma constelação de estrelas a trabalhar com ele: Flora Robson, John Ireland, Harry Andrews, Leo Genn, Paul Lukas, entre outros.

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domingo, 23 de outubro de 2016

O Rei dos Reis (King of Kings) 1961

A história da vida de Jesus Cristo desde o nascimento em Belém até à sua crucificação e subsequente ressurreição. Filmado em relativamente grande escala, inclui todos os grandes eventos referidos no Novo Testamento, o seu baptismo por João, os milagres (aleijados a andar, cegos a ver), e por aí adiante. O filme começa com a invasão romana a Pompeia em 65 B.C., a nomeação do Rei Herodes pelos romanos e finalmente a coroação de Herodes Antipas depois de matar o seu pai. A revolta liderada por Barrabás também faz parte do filme.
Durante um breve período de tempo, entre meados dos anos cinquenta, e meados dos anos sessenta, o sub-género Épico bíblico teve um grande boom no cinema de Hollywood, ao contrário de qualquer outro período de tempo. Principalmente por causa do desejo da indústria em travar uma batalha contra a televisão, e trazer mais pessoas para os cinemas, os produtores tentaram pegar nas histórias fundamentalmente mais conhecidas, e contá-las a uma escala mais grandiosa possível. 
Samuel Bronstone era romeno, tentou primeiro uma carreira na indústria cinematográfica nos anos 40, quando foi trabalhar para uma unidade francesa da MGM. Tendo conseguido trabalho como produtor independente, a sua produção foi relativamente medíocre até ao final dos anos 50. Nessa altura tornou-se pioneiro nas filmagens em exteriores em grande escala, produzidas em Espanha, reduzindo bastante os custos. Foi aqui que a MGM o convidou para a refilmagem de um classico de Cecil B. DeMille, de 1927, sobre a vida de Cristo. Seguir-se iam uma série de filmes de grande espectáculo, também produzidos por si: "El Cid" (1961), "55 Days at Peking" (1963) e "Circus World" (1964).
O argumentista escolhido era um nome familiar, Philip Yordan, conhecido pelo argumento de obras como "Broken Lance" (1954), "Johnny Guitar" (1954) e "The Harder They Fall" (1956). Já a escolha para realizador foi algo surpreendente: Nicholas Ray, com quem trabalhou também em "55 Days at Peking". Ray estava mais associado a filmes sobre contos íntimos de homens isolados, mas tinha uma enorme facilidade em trabalhar com Widescreen, e a sua compreensão da narrativa também ajudou a o escolher para trás das câmaras. 
O último grande obstáculo foi a escolha do protagonista, e Bronstone virou-se para Jeffrey Hunter, o ex-líder juvenil cuja boa aparência tinha sido utilizada em filmes como "The Searchers" (1956) e "The Last Hurrah" (1958). O restante elenco incluía uma série de actores conhecidos em Hollywood, como Robert Ryan, Rip Torn, Harry Guardino, Hurd Hatfield, Viveca Lindfords, entre outros. 
Misturando sentimentos entre o público e os críticos, o filme superou os $6,5 milhões nas bilheteiras, um número respeitável mas aquém do esperado. Visto como um todo, é um dos melhores filmes de entretimento saídos de Hollywood neste período de tempo, visualmente atraente e impressionante, beneficiando também da experiência da sua vasta equipa técnica, que incluía nomes como Miklos Rozsa na banda sonora e Franz Planer na fotografia. E não esquecer a narração, que não foi creditada, mas é da autoria de Orson Welles e escrita por Ray Bradbury. 

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Sombras Brancas (The Savage Innocents) 1960

Inuk é um esquimó que, ofendido por um padre, comete um assassinato. Perseguido pela polícia,  aventura-se pelo inóspito norte canadiano em busca de refúgio.
Para uma mais moderna audiência "The Savage Innocents" pode apresentar vários problemas. Para começar temos um animal que é morto na tela, e nestes tempos pré-CGI ele é morto de verdade. Na sequência de abertura vemos um urso polar a nadar nas águas geladas, antes de ser atingido por dois arpões e começar a sangrar para o mar. Num documentário sobre o povo Inuit bem podíamos esperar por isso, mas numa longa metragem de ficção somos apanhados de surpresa.
Depois há o casting. Apesar da história ser sobre o povo Inuit, ou povo esquimó como eram também conhecidos, há poucos deles no filme. O personagem principal é interpretado por um actor nascido no México (Anthony Quinn), e a sua restante família é interpretada por uma mistura de actores chineses e japoneses. São quase tão credíveis como Marlon Brando o era a fazer de japonês em "Teahouse of the August Moon". A vida dos esquimós é romantizada como o tinha sido por Robert Flaherty no seu filme de 1922, "Nanook of the North", e observada a partir de uma perspectiva então moderna (1959). Até o título do filme trai este ponto de vista, sugerindo que os esquimós são "selvagens inocentes": "inocentes" porque não entendem os caminhos da então sociedade civilizada, "selvagens" porque não aderem ás suas restrições morais e comportamentais. 
O filme era distribuído por um estúdio de Hollywood, a Paramont, numa altura que não havia actores de origem étnica a trabalhar no cinema mainstream, obrigando os estúdios a escolher regularmente actores brancos para estes papéis. Anthony Quinn interpretou uma grande quantidade destes papéis ao longo da sua carreira, italiano em "La Strada", pintor francês em "Lust for Life", líder tribal árabe em "Lawrence of Arabia", e foi nomeado para o Óscar como protagonista em "Zorba, the Greek". E não nos podemos esquecer que o primeiro filme feito por um realizador esquimó, e com um elenco esquimó, só aparecia em 2001, chamando-se "Atanarjuat, The Fast Runner". "The Savage Innocents" mostra os esquimós no seu estilo de vida numa forma surpreendentemente positiva. Inclui elementos que seriam considerados pela chamada sociedade civilizada de primitivos, e apresenta-nos o povo esquimó nas suas acções diárias. 
Foi mais um filme de Ray a ser criticado na altura da estreia, e a ser recuperado anos mais tarde, sendo dos seus filmes menos conhecidos. Peter O´Toole é um dos perseguidores de Anthony Quinn, estreia-se aqui no cinema, nas longas metragens.

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sábado, 22 de outubro de 2016

A Rapariga Daquela Noite (Party Girl) 1958

Em "Party Girl" (1958), uma mistura invulgar de film noir com musical, Robert Taylor interpreta um advogado vagamente baseado na vida de Dixie Davis, o advogado do mafioso Dutch Schultz, que mais tarde se tornou informante da polícia. No filme, Taylor torna-se rico ao libertar o gangster interpretado por Lee J. Cobb, de uma acusação de assassinato e violação. Ele gosta de se aproveitar da sua perna aleijada para conquistar a simpatia do júri. Também tem um casamento infeliz com uma mulher que ele próprio repela. Conhece uma showgirl interpretada por Cyd Charisse, e apaixona-se.
Para a MGM produzir "Party Girl" era, principalmente uma forma de justificar os altos salários de Taylor e Charisse, as duas últimas estrelas de contracto no estúdio. Depois deste filme, as duas estrelas ficaram libertas do estúdio (embora Taylor voltasse a filmar mais dois filmes isolados. O argumento da história de gangsters era muito comum na altura, mas a inclusão de dois números musicais e a memorável imaginação visual de Nicholas Ray, levaram o filme para outro nível.
Taylor tinha agora 47 anos, e já fazia 24 que estava na MGM (apenas Lewis Stone ficou lá por mais tempo, 29). Tinha começado a carreira como protagonista em papéis românticos, mas na década de 50 amadureceu bastante como actor. Já Cyd Charisse, a quem Fred Astaire uma vez chamou de "beautiful dynamite," era uma vitima do timing. Uma dançarina impressionante e talentosa em muitos musicais da MGM, tinha o problema destes agora começarem a ficar fora de moda.
Nicholas Ray tinha grande facilidade em combinar sequências de acção violentas com outras de profunda ternura, facto que se tornou numa das suas imagens de marca, e isso está bastante em evidência em "Party Girl", que no entanto não foi uma boa experiência para o realizador. Ray teve problemas com os produtores independentes dos seus dois últimos filmes, "Bitter Victory" e "Wind Across the Everglades", e estava a marcar território para conseguir regressar a outro grande filme de estúdio. Tinha a vantagem de ter vivido em Chicago durante os anos da proibição, estando por isso mais apto a capturar o sentimento e a música da época. Mas quando entrou no projecto reparou que o argumento já estava terminado, e não lhe seria possível fazer grandes alterações. Para além disso a MGM disse não a se usar música da época porque isso poderia limitar as audiências do filme. Mesmo assim o filme ainda tem muitos toques de Nicholas Ray, e apesar de não ser dos seus melhores filmes, ainda é uma obra muito interessante deste realizador. 

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A Floresta Interdita ( Wind Across the Everglades) 1958

Um invulgar eco-melodrama que promove a ecologia e a conservação. É passado no primitivo sul da Flórida, Everglades, e na sonolenta cidade de Miami na década de 1890. Fala-nos sobre a Audubon Society, e a sua luta para deter um grupo de caçadores furtivos que presente massacrar a vida selvagem. São liderados por Cottonmouth (Burl Ives), cujo lema é "matar ou ser morto", e vivem nas suas casas bem perto da natureza. Quantas mais aves matarem, mais lucram.
Entretanto chega à cidade Murdoch (Christopher Plummer), um professor que é proibido de exercer a sua profissão por arrancar a pluma de uma ave que enfeitava o chapéu de uma mulher que descia o comboio. Era moda este tipo de enfeites, mas Murdoch achava que era um absurdo matar aves pelo simples prazer da vaidade humana. Cottonmouth e Murdoch vão entrar em choque. 
Nicholas Ray dirige magnificamente, captando as vibrações aventureiras da época, o ambiente hipnótico por trás do folclore da área e os protestos dos caçadores contra a sociedade civilizada (mostrando-os mais próximos da natureza do que de mundo civilizado de Miami). Através do trabalho de câmara de Joseph Brun, mostra-nos uma matriz de cores arrebatadora de exteriores filmados no sul da Flórida. 
O argumento desta aventura lírica é da autoria de Budd Schulberg, o mesmo que escreveu "On the Waterfront" (com o qual tinha um Óscar poucos anos antes), com o seu irmão Stuart a ser o produtor. Consta-se que os dois irmão tiveram grandes desentendimentos artísticos com Ray, despedindo-o antes do filme estar terminado, e excluindo-o da montagem final. Foi Budd que acabou por filmar as últimas cenas, mas não foi creditado. Esta acontecimento deu pano para mangas, e foi até discutido em três livros, mas acaba por ser mais um filme de Nicholas Ray.
Estranho era o elenco contratado por Nicholas Ray. Incluía a stripper Gypsy Rose Lee, o lutador Tony "Two Ton" Galento, (talvez por influência dos irmãos Schulberg), o ex-jockey Sammy Renick, o palhaço de circo Emmett Kelly, o escritor MacKinlay Kantor, e Peter Falk no seu primeiro papel.

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Legendas em espanhol.
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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Cruel Victória (Bitter Victory) 1957

Durante a II Guerra Mundial, um covarde e indeciso oficial das forças aliadas recebe sem merecer uma condecoração por bravura em combate. Mas o facto da indicação ter partido de um charmoso e destemido capitão que no passado foi amante da sua mulher transforma a honraria em fonte de ódio e desejo de vingança.
“Havia o teatro (Griffith), a poesia (Murnau), a pintura (Rossellini), a dança (Eisenstein), a música (Renoir). Mas agora, existe o cinema. E o cinema é Nicholas Ray. 
 Por que razão ficamos gelados perante as fotografias de Bitter Victory, embora saibamos que são as fotografias do mais belo dos filmes? Por que não exprimem nada. E por boas razões. Enquanto que uma fotografia apenas é suficiente para simbolizar Broken Blossoms, uma apenas de Charles Chaplin em A King in New York, uma apenas de Rita Hayworth em The Lady from Shanghai, uma apenas, até, de Ingrid Bergman em Eléna, a fotografia de Curd Jurgens, perdido no deserto de Tripoli, ou de Richard Burton ridiculamente vestido com um albornoz branco, já não tem qualquer relação com Curd Jurgens ou Richard Burton no ecrã. Um abismo que é todo um mundo. Qual deles? O do cinema moderno. 
E é neste sentido que Bitter Victory é um filme anormal. Já não nos interessamos pelos objectos, mas por aquilo que existe entre os objectos, e que se torna, por sua vez, em objecto. Nicholas Ray obriga-nos a ver como real aquilo que nem sequer víamos como irreal, ou que nem víamos. Bitter Victory parece-se com aqueles desenhos que pedimos às crianças para encontrar, à primeira vista, o caçador entre um aglomerado de linhas sem significado. 
Não se deve dizer: atrás de um raide de um comando britânico no quartel-geral de Rommel, dissimula-se o símbolo da nossa época, pois não existe nem atrás nem à frente. Bitter Victory é aquilo que é. Não existe, de uma parte, a realidade, que é o conflito entre o tenente Keith e o capitão Brand, e de outra parte, a ficção, que é o conflito da coragem e da cobardia, do medo e da lucidez, da moral e da liberdade, do que sei e que sei. Não. Não se trata mais da realidade nem da ficção, nem de uma que ultrapassa outra. Trata-se de outra coisa. De quê? Das estrelas, talvez, e dos homens que gostam de olhar para as estrelas e sonhar. 
Magnificamente montado, Bitter Victory é superiormente interpretado por Curd Jugens e Richard Burton. É a segunda vez, de pois de Et Dieu… créa la femme, que acreditamos na personagem Curd Jurgens. Quanto a Richard Burton, que soube tirar partido de todos os seus filmes precedentes, bons ou maus, é, dirigido por Nicholas Ray, absolutamente sensacional. Será ele uma espécie de Wilhelm Meister de 1958? Pouco importa. Não seria suficiente dizer que Bitter Victory é o mais goethiano dos filmes. De que serviria refazer Goethe, ou refazer o que quer que seja, Dom Quixote ou Bouvard et Pécuchet, J’accuse ou Voyage au bout de la nuit, visto que já foram feitos? O que é o amor, o medo, o desprezo, o perigo, a aventura, o desespero, a amargura, a vitória? Que importância tem isso quando se olha para a estrelas? 
Nunca as personagens de um filme nos tinham parecido tão próximas, e ao mesmo tempo, tão distantes. Perante as ruas desertas de Bengazi, as dunas de areia, pensamos, de repente, e por um segundo, noutra coisa, nos snack-bars dos Campos Elíseos, numa rapariga que amámos, em tudo e em qualquer coisa, na mentira, na cobardia das mulheres, na frivolidade dos homens, nos jogos de máquinas a moedas, pois Bitter Victory não é o reflexo da vida, é a vida em si feita em filme, vista detrás do espelho onde o cinema a capta. É, ao mesmo tempo, o mais directo e o mais secreto dos filmes, o mais educado e o mais grosseiro. Não é cinema, é melhor que o cinema. 
Como falar de um filme como este? De que serve dizer que o encontro entre Richard Burton e Ruth Roman, debaixo do olhar de Curd Jurgens, está montado com enorme brio? Poderá ter sido uma cena em que fechámos os olhos. Pois Bitter Victory, como o sol, faz-nos fechar os olhos. A verdade cega.” 
*Texto de Jean-Luc Godard,  tradução retirada daqui

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quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A Justiça de Jesse James (The True Story of Jesse James) 1957

Os últimos dezoito anos na vida de Jesse James, mostrando a sua vida caseira no Missouri, a sua vida com os Quantrill raiders, a sua carreira de banditismo com o irmão Frank e os irmãos Younger, e ainda a sua tentativa de levar uma vida pacífica depois duma tentativa desastrada de roubar um banco em Northfield, Minn.
"The True Story of Jesse James" (1957) tem uma história quase tão interessante como a do próprio Jesse James. Nicholas Ray foi contratualmente obrigado a fazer um filme para a 20th Century Fox, que tinha sido recentemente nomeada a preferida pelos distribuidores e pelos donos dos cinemas. Entre os seus principais projectos estava um remake de um grande êxito de 1939, de Henry King, "Jesse James", com Henry Fonda e Tyrone Power. Que os donos dos cinemas queriam remakes não era surpresa, sobretudo se fossem sucesso garantido, e o que fazia da Fox uma produtora diferente das outras é que ela sabia ouvir o público. Quando a Fox deu luz verde para seguir com o projecto de Jesse James, o produtor Buddy Adler foi logo ter com Nicholas Ray, para o garantir como realizador.
Ray não era um realizador para grandes públicos, mas a idéia, ou pelo menos assim parece, é que ele era um óptimo realizador para trabalhar em filmes sobre jovens rebeldes à procura de problemas (ver "They Live by Night" ou "Rebel Without a Cause") e de facto, depois de rejeitar inicialmente, ficou animado com a hipótese de ter Elvis Presley como protagonista. Mas em vez disso, a Fox acabou por dar-lhe dois actores do seu contracto, Robert Wagner e Jeffrey Hunter, como os irmãos James. Wagner acabou por interpretar um Jesse James mais criativo, mais egocêntrico, e cheio de glamour. Provavelmente Presley, ainda em inicio de carreira, nunca conseguiria criar uma personagem tão egoísta e presunçosa como Wagner o fez, a acabar por interpretar melhor um Jesse James do que se esperava.
"The True Story of Jesse James" parece maravilhoso filmado em Cinemascope, com algumas cenas de acção do filme de 1939 expandidas para Cinemascope e inseridas em pontos-chave, mas a história de Jesse James é contada em vinhetas, em vez de um todo coeso. Ainda assim, como em qualquer filme de Nicholas Ray, há muito a contar, e apenas a história em si já é suficiente para manter o interesse do espectador.

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terça-feira, 18 de outubro de 2016

Atrás do Espelho (Bigger than Life) 1956

Ed Avery (James Mason) é um professor e homem de família que tem vindo a sofrer de dores agudas, e até mesmo desmaios, a quem é diagnosticada uma inflamação rara nas artérias. Informado pelo médico que provavelmente tem apenas meses de vida, Ed concorda fazer um tratamento experimental, que consiste em levar doses de cortisona. Faz uma recuperação notável, e regressa para casa para junto da sua mulher, e filho. Mas ele tem de continuar a tomar os comprimidos de cortisona, para evitar que a inflamação volte. Mas a cura milagrosa torna-se um pesadelo, quando Ed começa a abusar dos comprimidos, causando-lhe mudanças de humor cada vez mais selvagens...
De todos os grandes filmes de Nicholas Ray nenhum teve uma carga dramática tão intensa, nem tão visceralmente chocante como "Bigger than Life". Um thriller de suspense disfarçado de melodrama Sirkiano com tons de terror gótico, serve tanto como um aviso para os tempos de progresso da medicina, em particular o uso de drogas não testadas, tanto como comentário negativo ao "american way of life". O filme era inspirado num caso verdadeiro, denunciado por Berton Roueché (Ten Feet Tall) numa edição de 1955 do New Yorker, e tornou-se no projecto de estimação de James Mason, que co-escreveu o argumento, produziu e ainda interpretou, naquele que deve ter sido o papel mais desafiante da sua carreira. Por causa do seu tema altamente controverso "Bigger Than Life" acabou por ser um flop nas bilheteiras, mas transformou-se num sucesso noutros quadrantes (Jean-Luc Godard classificou-o como um dos 10 melhores filmes feitos até então) e hoje é considerado um dos melhores filmes do realizador. É uma espécie de film noir mais pessimista do que qualquer outro noir que Ray tinha feito, incluindo "In a Lonely Place" (1950).
Apesar do filme começar como um melodrama convencional de Hollywood dos anos 50, com o seu retrato acolhedor de uma família moderna a gozar dos confortos de uma sociedade consumidora, as suas motivações obscuras podem facilmente ser perceptíveis nos primeiros sinais de um crescente cancro que ameaça tornar-se em algo bastante preocupante. O protagonista tem uma certa ambiguidade em relação à doença, primeiro pela facilidade com que ele informa a mulher que tem um segundo trabalho, e depressa o seu casamento se torna menos seguro do que ele esperava, com suspeições de infidelidade a surgirem na vida do casal. Estas são as pequenas sementes da dúvida que vão explodir numa escalante crise à medida que o drama lentamente vai revelando uma transformação no comportamento de Ed. 
Mason já era bastante conhecido por interpretar papéis de personagens sádicas e mal ajustadas, como em "The Man in Grey" (1943) ou "The Upterned Glass" (1947), mas aqui está particularmente ameaçador. É um prazer vê-lo transforma-se de um homem de boa natureza num potencial homicida maniaco, numa grande experiência de cinema.

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domingo, 16 de outubro de 2016

Sangue Cigano (Hot Blood) 1956

Stefano Torino (Cornel Wilde) não quer nada a ver com o clã cigano da sua família, mas o seu irmão Marco pensa de outra forma. Marco arranja-lhe um casamento com uma jovem cigana de Chicago, Annie Caldash (Jane Russell). Stefano, ou Steve, como ele agora gosta de ser chamado, mas Annie convence-o de que não pretende mesmo casar com ele, apenas quer fugir assim que Marco pagar ao seu pai os $2000 que prometeu. Steve decide prosseguir com a farsa, mas é surpreendido quando descobre que Annie quer mesmo casar com ele.
Todos aqueles que desejavam que Nicholas Ray nunca voltasse os olhos para o cinema a cores, e principalmente para aquele género que era o mais saturado de todos, o Musical, tiveram aqui a sua resposta, e não foi muito boa. Ray vinha do sucesso de "Rebel Without a Cause", que lhe permitia, por vezes mesmo em apuros, prosseguir com os seus caprichos criativos sem oposição. E neste caso ele virou-se para um projecto sobre os Romani, mais popularmente conhecidos pelo termo depreciativo de ciganos, com a maior parte da pesquisa do material a ser filmado a ser da autoria da sua primeira esposa, Jean Evans, de quem ele se tinha divorciado em 1940. "Hot Blood" começava como uma espécie de etnografia, que também podia ser vista numa outra obra de Ray "The Lusty Men", sobre os cavaleiros dos ródeos.
Jane Russell era a razão deste filme existir. Desde "The Outlaw" (1943) que Russell era a deusa sexual pré-Marilyn Monroe, e "Hot Blood" era o seu quinto filme em apenas 13 meses. Já tinha gostado de trabalhar com Ray em "Macao", quando ele tomara o lugar de Sternberg depois deste ser despedido. Para ela este talvez fosse um bom filme. Para Wilde não muito, mas para Ray era definitivamente um mau filme. Ainda por cima estava ensanduichado entre dois dos melhores filmes do realizador, "Rebel Without a Cause" e "Bigger than Life". Já acontecera o mesmo com "Run For Cover", também produzido entre duas das maiores obras do realizador, acabando assim por não ter grande visibilidade.
Ray estava visivelmente cansado da produção de "Rebel Without a Cause", e nem ficou para a montagem final do filme. Ainda assim é uma curiosidade, que foi vista com outros olhos pela crítica francesa dos Cahiers do Cinema.

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sábado, 15 de outubro de 2016

Fúria de Viver (Rebel Without a Cause) 1955

"Este filme tem sido demasiadas vezes apoucado, como sendo como sendo o melhor dos três filmes protagonizados por James Dean durante a sua vida tragicamente curta. Na verdade, "Fúria de Viver" ainda é de longe o melhor filmes dos anos cinquenta sobre o então novo fenómeno da delinquência juvenil. É também uma obra findamental de Nicholas Ray, um realizador talentosíssimo e original, que infelizmente, continua a ser tão subestimado como trabalhava em Hollywood.
"Vocês estão a dar cabo de mim", grita Jim Stark (James Dean) para os pais que estão a discutir, dando voz à angustia e alienação sentidas por tantos protagonistas de Ray. O realizador já vinha abordando o problema da solidão dos marginalizados da América desde o seu primeiro filme "Os Filhos da Noite" (1949), mostrando-se particularmente compreensivo com os jovens vulneráveis que se voltam para uma geração mais velha, nem mais sábia nem mais feliz, à procura de orientação. Jim sente-se incompreendido pela família, pelos professores, pelos policiais e pela maioria dos seus coetâneos. A constante busca de emoções fortes é tão irresponsável (embora menos condenável, tendo conta a idade) como a recusa dos adultos a confrontarem-se com dilemas morais, juntamente com outras almas perdidas, Judy (Natalie Wood) e Plato (Sal Mineo), Jim tenta estabelecer a sua própria família alternativa, baseada na compreensão mútua. Não admira, pois, que o trio, aproximado pela morte absurda e desnecessária de um amigo que o tédio leva a testar a bravura no alto de uma falésia "brincando às galinhas" e unido por noções idealistas de "sinceridade", viva numa bela mansão em ruínas, nas colinas de Los Angeles, bem longe das outras pessoas.
A resposta de Ray à questão de como retratar o idealismo romântico dos seus jovens sonhadores é admirável e deliciosamente física. Inicialmente pressupunha-se que o filme seria a preto-e-branco, mas Ray convence a Warner a deixá-lo rodar a cor. Os tons muitas vezes expressionistas e as composições tipicamente carregadas Cinemascope evocam a natureza febril da adolescência. Ray utiliza a arquitetura e o cenário, em particular a diferença entre o espaço público e privado, para aumentar a nossa compreensão das emoções das personagens.  A escuridão dentro de um planetário transforma-se num espaço para estar entre amigos, onde buscar refúgio, sonhar e até contemplar o lugar do indivíduo no cosmos. Mais tarde, o terraço cá fora é transformado, por uma posição elevadíssima da câmara, numa arena iluminada pelo sol onde uma luta à faca estilo tourada é encenada com gestos apropriadamente histriónicos. Ray sabe que, sobretudo quando jovens, encaramos a nossa vida como um drama. O seu impecável sentido de cor, composição, montagem, iluminação e desempenho aumenta a importância da acção.
Um dos motivos porque ele e Dean foram feitos um para o outro não foi apenas o estilo do actor, mas o seu corpo inteiro, que deu vida dramática à agitação interior. Ver o Jim de Dean é ver uma personagem nascer e crescer diante dos nossos olhos. Isto, é claro, condiz com o tema de "Fúria de Viver", mas também complementa a realização de Ray, na medida em que a sua extrema fisicidade exprime a fúria interior.É, pois, lamentável que os projectos em que Ray e Dean planeavam trabalhar juntos nunca se tenham concretizado. Tiveram de se ficar por um grande filme."
Texto de Geoff Andrew para o livro "1001 Filmes para ver antes de morrer".

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quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O Fugitivo (Run For Cover) 1955

Quando Matt Dow (Cagney) e Davey Bishop (Derek) se conhecem rapidamente se tornam amigos, mas os eventos parecem estar contra eles quando são confundidos com dois assaltantes de comboios que assaltam um comboio que se dirigia para a cidade de Madison. Perseguidos por uma legião de Madison, de onde Bishop é natural, são obrigados a limpar o seu nome, acabando por se juntar ao lado certo da lei, na cidade. Mas, há muitos segredos para serem descobertos nesta cidade...
Nicholas Ray traz-nos um filme meditativo, sobre a temática das famílias substitutas, conflitos de gerações, justiça popular, corrupção dos jovens, todos eles motivos tratados pelo realizador delicadamente. Há um sopro de "High Noon" na forma como Matt Dow inevitavelmente terá de ficar sozinho, e também porque terá de lutar contra a agitação popular contra as injustiças e lidar com as decepções.
Filme menor de Nicholas Ray, um pouco por força de ter sido produzido no meio dos seus dois filmes mais importantes, "Johnny Guitar" (1954), e "Rebel Without a Cause" (1955). Era um dos poucos westerns interpretados por James Cagney, cuja figura é sempre mais associada aos filmes de gangsters. Era também uma tentativa de valorizar a carreira de John Derek, então uma estrela em ascenção. Tinha-se estreado num filme de Ray, "Knock on Any Door", e desde então vinha a participar em obras notáveis, como "All the King's Men" (1949) mas nunca passaria de uma promessa do cinema americano.
Ainda assim é um western bastante curioso.

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Legendas
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terça-feira, 11 de outubro de 2016

Johnny Guitar (Johnny Guitar) 1954

Na década de cinquenta o western sofreu uma grande revitalização na forma como era apresentado ao público. Tudo era aproveitado para trazer novas visões, como uma nova interpretação do film noir, em "The Furies" (1950), ou o thriller psicológico em "High Noon" (1952). "Johnny Guitar" (1954), de Nicholas Ray, era uma experiência arrojada a cores, inversão de papéis, cenários estilizados, e emoções operáticas, que resultaram numa obra prima poucas vezes repetida. Funcionando, de certa forma, como um ataque anti-McCarthy sobre a psicologia das massas, o filme conta-nos a história de Vienna (Joan Crawford), a dona de um saloon que está pronta para receber de braços abertos a chegada do caminho de ferro, à sua pequena cidade fronteiriça. Um grupo de membros da comunidade, liderados pela enraivecida Emma Small (Mercedes McCambridge), opõe-se à idéia, e pretende expulsar Vienna da cidade.  Para sua protecção, Vienna contrata um ex-pistoleiro, Johnny Guitar (Sterling Hayden), que ela não vê desde que terminaram a sua tumultuosa relação, cinco anos atrás. Quando Johnny chega, as emoções são fortes, agravadas pelo relacionamento de Vienna com Dancin' Kid (Scott Brady), um fora da lei cujas culpas são parcialmente atribuídas à dona do saloon.
Produzido pelo Republic Studios, "Johnny Guitar" foi o primeiro projecto de Ray depois de deixar a RKO, onde estava já com um contrato de sete anos. O filme fazia parte de um pacote que incluía Roy Chanslor, um ex-jornalista que se tinha tornado argumentista, e que tinha escrito esta história de propósito para Joan Crawford. Na altura, o Republic era considerado o mais prestigiado dos estúdios pequenos, e o contrato com Ray dava-lhe uma grande quantidade de liberdade criativa, apesar do orçamento do filme ser bastante reduzido. Uma das primeiras coisas que Ray fez, foi contratar Philip Yordan para reescrever completamente o argumento. 
Muitos dos actores secundários eram veteranos de outros westerns, como Ward Bond, John Carradine, Royal Dano, Ernest Borgnine e Sheb Wooley, mas Sterling Hayden era uma escolha invulgar para o papel central do filme, porque ele nem sabia andar a cavalo, tocar guitarra, ou sequer disparar uma arma. Isso também não interessava, já que o confronto final seria entre as duas mulheres, Vienna e Emma.
Tal como as suas personagens na tela, Joan Crawford e Mercedes McCambridge foram também ferozes rivais na rodagem do filme. Crawford, cuja inveja profissional das actrizes mais novas era bem conhecida, iniciou a contenda quando observou o realizador e o resto do cast a aplaudir uma cena que McCambridge tinha acabado de filmar. Daí para a frente a relação entre as duas seria muito má. Crawford, como estrela principal do filme, exigiu grandes mudanças no argumento, favorecendo-a, é claro. A maior revisão foi um problema em relação ao sexo. Em vez do foco central ser nas personagens de Johnny Guitar e o Dancin' Kid, passaria a ser em relação a Vienna e Emma, que passariam a ser personagens mais tradicionalmente masculinas. Verdade seja dita, se estas mudanças não tivessem tido lugar, o filme não seria tão valorizado como é hoje.
Nicholas Ray estava muito infeliz durante a rodagem do filme, e as criticas medianas recebidas durante a estreia também não ajudaram. No entanto, "Johnny Guitar" foi muito admirado na Europa. Adorado por Francois Truffaut, que o proclamou "the beauty and the beast of westerns, e com o tempo tornou-se num filme de culto, e numa das obras mais duradouras de Ray.

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Andrócles e o Leão (Androcles and the Lion) 1952

Androcles é um cristão que segue os ensinamentos da sua religião, mesmo quando ela se aplica ao tratamento dos animais. Ao ver um leão em dor, remove um grande espinho da pata do animal, criando uma amizade para a vida. Um dia Androcles e uma série de outros cristãos são presos e condenados à morte na arena, para serem comidos pelos leões. Será que o seu amigo leão se vai lembrar dele e ajudá-lo?
O escritor George Bernard Shaw estava hesitante em deixar os seus livros serem transformados em filmes. Tinha ficado impressionado com as imagens em movimento, e por vezes deixava-se ser filmado em curtas-metragens onde podia revelar as suas teorias sociais. Shaw foi, provavelmente, a primeira grande figura literária a deixar várias bobines de entrevistas no cinema. Mas ele estava ciente das liberdades tomadas de obras literárias que se transformaram em filme - principalmente peças. Shakespeare nunca foi bem adaptado ao cinema até à década de 30, e algumas peças tinham de ser cortadas por preocupações relativas ao tempo. Shaw não confiava as suas obras nestas mãos. 
Shaw cruzou caminho com o produtor Gabriel Pascal, e viu nele a pessoa ideal para produzir os seus filmes. Embora Pascal tenha admitido ter pouco dinheiro, mostrou a sua devoção às idéias de Shaw, ficando com um contrato para produzir todas as obras do escritor. De 1938 a 1950 Pascal só produziu três filmes, mas eles foram "Pigmaleão" de Anthony Asquith e Leslie Howard (vencedor de um Óscar, e nomeado para mais três), "Major Barbara" (1941) e "César e Cleopatra" (1945), ambos realizados por si. Os três foram filmes memoráveis no seu tempo, todos adaptados da obra de George Bernard Shaw.
Em 1950 Shaw morreu, e Pascal ainda produzia mais um filme baseado na obra do escritor: "Androcles e o Leão". Produzido pela RKO, era o mais curto de todos, provavelmente devido às normas de produção e ao controlo do chefe da RKO, Howard Hughes. O elenco era único, muitos dos papéis eram interpretados por actores bem conhecidos, Robert Newton, Alan Mowbray, Reginald Gardiner, Elsa Lanchester, Gene Lockhart, Victor Mature, Jean Simmons, e Maurice Evans. Estranhamente o papel de protagonista iria parar às mãos de Alan Young, depois das filmagens terem sido iniciadas por Harpo Marx, o irmão mudo dos Marx. Esta substituição deixou um grande buraco na história, e deixou muitas dúvidas: se Harpo iria interpretar este papel no seu estilo inicial (pantomima), ou se iria ser o seu primeiro papel fora do habitual. Como era habitual nas produções de Hughes também houve dança de realizadores. Nicholas Ray trabalhou no projecto durante algum tempo, mas acabaria por saír, com os créditos de realizador a irem parar a um dos argumentistas, Chester Erskine. Na realidade, não se sabe bem quem fez o quê aqui, mas Ray passou por cá.

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domingo, 9 de outubro de 2016

Idílio Selvagem (The Lusty Men) 1952

"“The Lusty Men” começa com um dos mais belos momentos de nostalgia, momento mítico do velho oeste e do cinema clássico norte-americano, desse homem mítico e sem rumo que vagueia pela mesma mítica América dos westerns e dos noirs que tudo dizem e tudo mostram, esse homem tão mítico e tão próprio de Ray como de Ford que por um instante ou por um impulso ou só por “não ter mais pernas para andar” (e quem já viu “The Lusty Men” sabe que estas “pernas” tudo dizem) visita a casa onde passou a infância para recordar ou apenas para sonhar com aquilo que nunca teve, outra das coisas tão míticas de Ray e tão longes de Ford, a ausência do lar. Coisa tão distante de Nicholas Ray e tão próxima de Ford, o lar, o oposto a tudo o que sempre Ray procurou, o vaguear, a inadaptação e a falta de rumo e dum sentido na vida. É desse momento tão mítico e nostálgico quanto lírico que nasce todo o sentido de “The Lusty Men”, essa coisa de homem errante nessa América selvagem dos rodeos, nesse oeste daquele tempo que abandonou os pistoleiros e os fora-da-lei para abraçar os bravos e os cowboys que enfrentam os touros e os potros e os dominam por alguns segundos, é disso tudo que se fazem os bravos nessa América tão bruta quanto fascinante donde brotam os mais perigosos jogos da vida, é disso que irrompe Jeff McCloud o tal que visita a casa onde nasceu, o tal que encontra o que em tempos foi uma pistola ainda escondida onde a deixou, o tal que por momentos visita aquilo de que sempre se afastou, o lar. 
E se falava das “pernas” mais atrás é porque cedo se percebe que McCloud se retirou desse mundo dos rodeos, dessa coisa fria e brutal que tudo rouba e tudo desvia do caminho que os inicia, coisa de costelas partidas e de pernas fodidas que tudo impossibilitam e tudo fazem perder. É também cedo que se percebe que Wes Merritt, o aprendiz, vai repetir o mesmo trajecto de Jeff, caminhos errantes de quem se perde nesse mundo viciante do dinheiro rápido (e a certa altura Louise a mulher de Wes diz para Jeff: “o que rápido vem rápido se vai”), nessa coisa viciante que lhes faz ferver o sangue e que os faz sentir vivos e desejosos de enfrentar o medo, que os faz esquecer os sonhos e os propósitos de estar naquele meio. É pelo rancho que outrora foi dos McClouds que Wes se lança às arenas e aos touros e aos potros, coisa de sonhador que já Jeff o fora (e sabemo-lo pela sua confissão na tal visita inicial), sonhos do casal que até ali economizava o que podia para ter o que sempre desejaram, coisa que Jeff sabia no que resultaria porque já o viveu, porque ele sabe que o tal dinheiro rápido se desvanece nos vícios adquiridos, porque mesmo com uma mulher a querer controlar tudo se destrói e tudo se vai pelo álcool ou pelo jogo ou pelas mulheres, porque ele sabe que enfrentar o perigo vicia e fá-los sentir mais vivos e heróicos. É por causa do lar que tudo começa e tudo brota, o mesmo lar que Jeff sonhou um dia voltar, é pelo lar que eles se lançam aos touros, mas ele sabe-o bem que o caminho é tortuoso e errante e que todo o homem tomba. E é precisamente por Louise que Jeff vai ficando e ficando e aguentando o declínio de Wes, é por ela que ele se vai espelhando nele e é por ela que se lança uma última vez à arena e aos touros…"
Texto de Álvaro Martins, daqui.

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