domingo, 30 de março de 2014

Próximos tempos

Razões de força maior mantiveram-me afastado do blog nas últimas semanas, e de futuro, não vou conseguir manter o mesmo ritmo que mantinha anteriormente. Assim, para conseguir continuar o blog, e ser minimamente interessante vou ter que mudar as regras. O novo formato vai ser o do "5 Noites, 5 Filmes", um tema por semana, 5 filmes postados de segunda a sexta. Os filmes serão postados por volta das 21:00 (hora portuguesa), por isso quem quiser o seu filmezito para o serão pode sempre passar por cá.
Os temas dos ciclos serão os mais variados possíveis, tal como tem sido até agora. Ciclos de realizadores, actores, movimentos, e tantos outros assuntos serão aqui abordados. Infelizmente não vou conseguir continuar este ciclo da Nouvelle Vague, para que não continue eternamente, mas fica prometido que ficará para outra altura.
Para que o regresso seja em força, o primeiro ciclo desta nova série (a começar daqui a uma semana), irá chamar-se "Os Spaghetti de Sergio Corbucci". Irão ser apresentados 5 spaghetti deste grande realizador.
Peço desculpa, mas vai ter de ser assim. Até daqui a uma semana.

domingo, 16 de março de 2014

Pausa.

Falta de tempo, e de ânimo vão levar-me a fazer uma pequena pausa de uma ou duas semanas, depois voltarei ao ciclo que está a ser exibido.
É provavel que depois deste ciclo da Nouvelle Vague as coisas mudem um pouco, e comece a fazer os ciclos no formato "5 Noites, 5 Filmes". Mas isso é uma coisa que ainda vou decidir.
Até já.

quarta-feira, 12 de março de 2014

La Carrière de Suzanne (La Carrière de Suzanne) 1963



Um jovem chamado Bertrand (Philippe Beuzen) que, tal como todos os estudantes universitários, pensa que se conhece muito melhor, do que realmente conhece. O seu melhor amigo é Guillaume (Christian Charrière), que é mais agressivo e extrovertido, e logo por isso tem mais sucesso com as mulheres.
Embora esteja plenamente consciente disso, Bertrand deixa-se manipular por Guillaume, especialmente nas tentativas de seduzir mulheres. Bertrand permite isto porque normalmente desaprova as raparigas que Guillaume seduz, e como idolatra o amigo nunca nenhuma mulher é boa para ele.
Na primeira cena do filme, os dois amigos conhecem Suzanne (Catherine Sée), uma jovem bastante simples que Bertrand logo descarta, ma a quem Guillaume logo lança o seu olhar. Mas logo depois de a conquistar Guillaume logo perde o interesse, e é construído um trângulo amoroso quando Suzanne começa a andar com Bertrand...
Como o segundo conto moral de Rohmer, "La carrière de Suzanne" intensifica e expande muitos dos temas estabelecidos pela curta-metragem anterior. Tal como nessa curta, também aqui esta obra foi filmada numa câmera de 16 mm granulada, pelas ruas de Paris, e englobava um punhado de actores desconhecidos nos principais papéis, cujo naturalismo é reflectido no estilo clássico invisível de Rohmer, que aperece aqui mais seguro, sem os floridos estéticos da curta anterior. Aqui, a história também engloba um protagonista masculino egocêntico que está dividido, embora, ao contrário da personagem de Barbet Schroeder, Bertrand está dividido de várias maneiras. Não só pelo seu simultâneo idoltrolamento e desgosto por
Guillaume, mas também pelo amor de Suzanne e Sophie (Diane Wilkinson), uma jovem mais tradicional que ele conhece.
O tema central da história está no facto de quão mal as pessoas podem tratar-se umas às outras, e somos testemunhas da exploração dos dois homens a Suzanne, em quase todos os sentidos, até no facto de lhe extorquirem dinheiro deixando-a pagar tudo. Há algo triste e patético em Suzanne, mas isso faz parte do argumento de Rohmer, para deixá-la saír vitoriosa no final, deixando os rapazes com a percepção que são muito mais infantis do que pensavam.

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La boulangère de Monceau (La boulangère de Monceau) 1963



O primeiro filme dos seis contos morais de Rohmer, "La boulangère de Monceau", tem apenas 23 minutos de duração, e centra-se no dilema de um jovem homem (interpretado pelo futuro realizador Barbet Schroeder), forçado a escolher entre duas mulheres. O jovem, um estudante de direito, está apaixonado por Sylvie (Michele Girardon), uma rapariga que ele vê passar na rua todos os dias, e a quem pensa apresentar-se. Depois de um breve contacto a rapariga desaparece, o que o leva a procurá-la pelas ruas de Paris. A busca leva-o a uma padaria nas proximidades, onde ele conhece Jacqueline (Claudine Soubrier).
Este dilema - um homem a escolher entre duas mulheres - seria o tema central dos contos morais de Rohmer. O realizador já tinha escrito todas as histórias que compõem os contos morais quando gravou este filme, mas o modo como este filme destila o dilema central, faz parecer que ele estivesse a preparar um tema para ser dissecado mais pormenorizadamente no futuro.
Rohmer era um cineasta único, que, ao contrários dos outros associados à Nouvelle Vague, que se manteve absolutamente inalterado, tanto no estilo, como no material temático. Talvez porque ele fosse mais velho, e já tinha 40 anos quando o movimento começou. Já tinha por isso passado pela fase de raiva, que outros como Godard e Truffaut passaram.
A estrela do filme era Barbet Schroeder, um jovem produtor que no ano anterior formara a Les Films du Losange, em conjunto com Rohmer. Schroeder viria a produzir todos os seis contos morais de Rohmer, e mais tarde viria a tornar-se ele próprio um realizador de sucesso. Curiosamente, a narração deste filme é de Bertrand Tavernier. Um estudante de direito que igualmente se tornaria num realizador de sucesso.

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terça-feira, 11 de março de 2014

A Grande Pecadora (La Baie des Anges) 1963



Jean chega a Nice. Começa a interessar-se pelo jogo e encontra no casino uma jogadora, Jackie. Entre os dois nasce paixão e fascínio. São um pelo outro, ou ambos pelo jogo? Jean instrui-se emocionalmente. Jackie joga.
Jacques Demy sucede a sua primeira longa-metragem, "Lola", com este conto de amor e obsessão nas salas de jogo de Nice, um filme muito mais convencional para a época, mas ainda assim inequivocamente ligado à Nouvelle Vague. " La Baie des Anges" é um filme muito mais escuro, mais irónico, do que "Lola", mostrando-nos um lado mais sombrio da mente humana, um retrato implacável do comportamento impulsivo. Também é um filme sobre a corrupção - de como um homen decente é seduzido, primeiro pelo jogo, e depois por uma mulher mais velha e egocêntrica - e finalmente a redenção, para que haja ressonância com os filmes de Bresson.
Jeanne Moreau é uma escolha perfeita para o papel de femme fatale, que se transforma num retrato de obsessão que também é visto no filme de Truffaut, "Jules et Jim" - temos a mesma intensidade, uma espontaneidade perigosa, a sexualidade predatória e um sentido persistente de mistério. Ao lado dela, Claude Mann é um complemento ideal, um homem normal, jovem, presa fácil mas que parece saber o que é preciso para salvar Jackie, aparentemente condenada. Os dois actores trazem uma profundidade emocional, e uma poesia, que talvez façam falta no argumento. Poesia a que Michel Legrande acrescenta a música, e Jean Rabier uma bela fotografia a preto e branco. Todos estes ingredientes trabalham perfeitamente juntos, transmitindo estados alternados da euforia ao desânimo. O final do filme é cruelmente abrupto.

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segunda-feira, 10 de março de 2014

Fogo Fátuo (Le Feu Follet) 1963



Alain Leroy (Maurice Ronet) está a ter um tratamento num hospital privado por causa de um problema com o álcool. Embora ele ande constantemente angustiado com a vida, deixa o hospital e tenta encontrar alguns velhos amigos. Nenhum deles lhe será útil, aumentando ainda mais a angústia de Alain.
Louis Malle era frequentemente associado à Nouvelle Vague, muito por causa da idade que começou a fazer filmes (na casa dos vinte), e do período em que os começou a fazer (finais dos anos 50), mas era sempre um outsider dentro do movimento. Ao contrário de Godard, Truffaut e outros, nunca escreveu para os "Cahiers du Cinema", e veio de uma familia industrial rica, o que fez dele uma parte da burguesia estabelecida, contra a qual os membros da Nouvelle Vague eram contra. E também porque os seus filmes não pareciam nada os da Nouvelle Vague, eram claramente obras mais narrativas, e não tinham a estética dos outros filmes do movimento. De certa forma, eram polidos demais para ser da Nouvelle Vague.
Mas isto não pode ser dito de "Le Feu Follet", uma obra que muitos consideram ser o melhor filme de Malle, e, talvez não por acaso, o que está mais alinhado com a estética da Nouvelle Vague. Filmado quase como um documentário, de câmera ao ombro pelas ruas de Paris (que se tornam elas próprias uma personagem), tem uma narrativa solta, construída em torno de uma tema central, que nos dá as suas cenas de uma forma desconexa, de modo a construír um propósito. Inicialmente pensado para ser um filme a cores, Malle acabou por filmá-lo a preto e branco, criando um ambiente mais depojado, mais directo, que corresponde a uma maior crueza para o assunto a que está relacionado. Trata-se, como os melhores filmes da Nouvelle Vague, de um estudo de personagem, um homem que planeia matar-se porque só através da morte ele imagina conseguir voltar a ligar-se aos amigos que o rodeiam. Embora isso possa parecer um infortúnio, e é, mas um infortúnio requintado, de nos cortar o coração, que nos atrai para o mundo da personagem, e nos ajuda a compreender a sua morte eminente, assim como todos nós tememos a sua chegada.
Feito por razões extremamente pessoais, a história, desenhada a partir de uma novela de Pierre Drieu la Rochelle, estava ligada à própria turbulência interior de Malle, e funcionava como uma espécie de catarse, ajudando-o a exorcizar os seus próprios demónios. Ele sempre disse que fez o filme inteiramente para si próprio, e tinha ficado contente se nunca ninguém o tivesse visto.

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O Signo do Leão (Le Signe du Lion) 1959



Pierre Wesselrin é um americano de 40 anos que vive em Paris, que faz da sua vida burlar os seus amigos e conhecidos ricos. Um dia recebe um telegrama a dizer que uma tia rica morreu, então faz uma grande festa, usando dinheiro emprestado, é claro, e convida todos os seus amigos. Depois de descobrir que a tia o deserdou, é expulso do apartamento. Todos os seus amigos estão agora de férias do verão, ou a trabalhar fora de Paris, e ele é obrigado a percorrer as ruas de Paris como um vagabundo.
Filme de estreia de Eric Rohmer, é muito diferente dos que ele seria posteriormente conhecido. O realizador que brevemente seria aclamado pelos seus exames da moralidade e do amor, com os protagonistas constantemente conversando, estreou com um filme que continha apenas leves traços do seu futuro estilo. O protagonista não está propenso a auto avaliar-se numa investigação filosófica como seriam os futuros protagonistas de Rohmer. Pierre é um homem tempestuoso e turbulento, um homem com uma vida difícil, sempre no limiar da pobreza, contando com a generosidade dos amigos sempre que os problemas vêm à tona.
Esteticamente é muito diferente dos trabalhos posteriores de Rohmer. É um retrato duro e realista das ruas de Paris, que parece descendente do trabalho de um dos ídolos de Rohmer, Jean Renoir, particularmente o herói oprimido que é uma variante mais melancólica em "Boudu". Grande parte do filme é passada a seguir Pierre pelas ruas de Paris, tentando encontrar amigos, mudando-se de uma hotel para outro, perdendo todos os seus bens gradualmente, e ficando desesperado à medida que o tempo passa. Para um realizador que mais tarde voltaria a sua atenção para as classes média e alta, Rohmer tem olhar afiado para a pobreza e privação. As sequências sem diálogo pelas ruas de Paris são facilmente perceptíveis. São angustiante e são únicas na carreira de Rohmer, a música que define o ambiente é totalmente o oposto aos trabalhos posteriores de Rohmer, assim como a quase total falta de diálogo também é um contraste gritante.
Este primeiro filme de Rohmer é interessante como uma variação, um sinal do que poderia ter sido a sua carreira quando ele ainda trabalhava sob a influência de Renoir. O que está mais presente, é a forte atenção do realizador para o detalhe, a sensação da construção de personagens pelos cenários e pelos gestos, e, sobretudo, o profundo amor pelas pessoas, com todas as suas fraquezas e problemas.

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domingo, 9 de março de 2014

Duas Horas da Vida de Uma Mulher (Cléo de 5 à 7) 1962



Este filme mostra-nos Cléo, uma cantora francesa que tem medo de receber o resultado de um teste do médico. Ela acredita que tem cancro, e irá morrer da doença. Seguimo-la durante duas horas da sua vida, enquanto cruza as ruas de Paris. No final, ela conhece um soldado que irá para a guerra da Argélia no dia seguinte.
Cléo é reminiscente dos protagonistas de Agnès Varda, Le Pointe Courte, o primeiro filme da realizadora, os amantes problemáticos alheios a tudo a não ser aos seus próprios problemas. Mas Cléo é uma personagem muito mais apelativa, ela é inteligente e imprevisível, o que torna o filme muito mais acessível. O desempenho de Corinne Marchant é subtil e cativante, induzindo em Cléo um misto de tristeza e arrependimento, um medo desesperado da morte que ela tenta esconder com jogos e distrações.
O estilo de Varda continuamente tenta chamar a atenção pelos modos mais disruptivos, o cartão de visita da Nouvelle Vague, mas ao contrário de Godard, cujas disjunções foram inicialmente motivadas pela economia e conveniência, em Varda é tudo mais proposital. Ficamos com a sensação de que nos filmes de Godard desta altura os floreios estilísticos estão lá para a sua própria protecção, aqui são motivados pela necessidade da história.
Até certa altura, Varda continuamente ajusta e critica a posição da sua própria protagonista, assumindo uma prespectiva mais democrática.  Ao longo do filme, legendas aparecem ocasionalmente para narrar o avanço do tempo, das 5 às 7. Embora estas legendas sejam muitas vezes precedidas do nome de Cléo, são também dedicadas a outras personagens, que tomam posse momentânea da narrativa, oferecendo pequenos vislumbres das suas próprias vidas, e preocupações quando interagem com Cléo. Muitas vezes, estes personagens vão mesmo expressar os seus pensamentos na narração.

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sábado, 8 de março de 2014

Viver a Sua Vida (Vivre sa vie: Film en Douze Tableaux) 1962



O quarto filme de Jean-Luc Godard é ao mesmo tempo uma mistura dos elementos dos seus filmes anteriores (o existencialismo áspero a preto e branco de "À Bout de Souflle", o pano de fundo politizado de "Le Petit Soldat", e a centralização feminina de "Un Femme est une Femme), e, ao mesmo tempo, um indicador directo para onde o cinema de Godard iria na próxima década, mais especificamente em relação a uma maior reflexão, marca socialmente consciente do cinema político que era mais do que um ensaio narrativo. "Vivre sa vie" está estruturado em doze  “tableaux” que traçam a decadência de uma jovem mulher aspirante a actriz, até prostituta. Godard já a algum tempo que era fascinado pela prostituição, não só por causa das suas implicações sociais e morais, mas também pela sua separação filosófica da mente e do corpo, algo que ele iria explorar melhor mais tarde.
A protagonista de "Vivre sa Vie" é Nana K.(Anna Karina, musa de Godard e na altura sua esposa, na terceira de sete colaborações entre ambos) para quem somos introduzidos pela primeira vez quando ela está de costas para a câmera, enquanto ela fala com o seu ex-marido Paul (André S. Labarthe). Esteticamente esta cena de abertura estabelece a relutância proposicional de Godard em jogar pelas regras clássicas do cinema tradicional, privilegiando o som directo, muito preciso, os takes longos, e mantendo a protagonista de costas para a câmera durante muito tempo. Tematicamente, enfatiza o forte senso de autonomia, ela é uma mulher que planeia viver a sua vida pela sua própria vontade, que a faz ser tão poderosamente trágica tendo em conta o rumo que a sua vida toma.
A  partir daí o filme segue Nana enquanto ela luta economicamente, deixando de fazer face às despesas, a trabalhar numa loja de discos ( a certa altura ela é expulsa do apartamento) e eventualmente juntando-se a um chulo chamado Raoul (Sady Rebbot), que a mostra a uma vida de prostituição.
Maravilhosamente filmado num preto e branco pelo director de fotografia Raoul Coutard, que trabalhou com Godard em 15 filmes, mantém um imediatismo estético, e a gravação em exteriores, enfatizando o aspecto documental da história sem sacrificar a fluição da narrativa.
Godard está claramente apaixonado por Anna Karina, e a sua câmera trata-a com grande reverência, os seus close ups foram comparados com os de algumas estrelas do cinema mudo, como Louise Brooks ou Lillian Gish, ou mesmo Maria Falconetti em "A Paixão de Joana D'Arc", que a nossa protagonista vê numa sala de cinema. De certa forma, "Vivre sa Vie" contém o melhor de Godard, tanto intelectual como emocional, e claramente sinalizou uma nova direcção numa das mais importantes carreiras da história do cinema.

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A Guerra dos Botões (La Guerre des Boutons) 1962



Nesta suave comédia anti-guerra, uma classe de jovens estudantes divide-se em duas facções que começam a lutar entre si, com a parte vencedora a poder reclamar os botões das roupas dos perdedores. Um dia, uma das facções arquitecta um golpe estatégico, entrando na batalha nús, o que não deixa nada aos inimigos para roubar.No entanto, depois de uma vitória impressionante, um dos vencedores passa para o outro lado, ajudando-os e traçando um ataque que deixa os recentes campeões derrotados...
"La Guerre des Boutons" é um dos filmes mais importantes sobre a infância, do cinema francês. Foi feito no auge da da guerra entre a França e a Argélia, o que também pode ter contribuído para os problemas que o realizador, Yves Robert, teve em encontrar financiamento para o filme. No final, ele teve de montar a sua própria companhia de produção com a sua esposa, Danièle Delorme. Nenhuma distribuidora local iria tocar no filme, então Robert teve de se virar para os americanos - a Warner Bros aceitou o desafio mas sem grande entusiasmo. Ninguém poderia prever o sucesso do filme, muito menos o realizador, e este tornar-se-ía um grande sucesso de bilheteira, levando quase 10 milhões de espectadores às salas de cinema. Também foi muito bem recebido pela crítica, tendo ganho o prestigiante Prix Jean Vigo em 1962. Já estabelecido como actor, seria o primeiro sucesso de Yves Robert como realizador, que depois ainda faria mais algumas notáveis obras.
É baseado num romance clássico com o mesmo nome de Louis Pergaud, que foi pela primeira vez publicado em 1912, três anos antes do seu autor, um pacifista convicto, ser morto em acção na Primeira Guerra Mundial. Tem uma mensagem anti-guerra facilmente perceptível, a loucura extrema da guerra vista através do prisma da inocência na infância, que também era visto no filme de René Clement, Jeux interdits (1952). Mas este filme é mais do que um ataque à inumanidade do homem, e engola outros temas interessantes, a guerra de classes, o abismo entre gerações, os traumas de infância, e a procura de identidade. É talvez aqui que este filme se aproxime da Nouvelle Vague, porque de resto não é uma típica obra deste movimento. É um bónus para este ciclo.  

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sexta-feira, 7 de março de 2014

L'Oeil du Malin (L'Oeil du Malin) 1962



André Mercier, um jornalista conhecido como Albin Mercier, é um escritor amargurado e fracassado. Enviado para cobrir um evento na Alemanha, ele conhece Andreas Hartman, outro escritor que, por sua vez, não é um fracassado. Andreas é casado com Hélène, uma bonita francesa. Nercier sente-se atraído por Hélène, e ao aperceber-se da felicidade do casal, decide quebrá-la. Tirando vantagem da ausência de Mercier, numa viagem de negócios, decide seduzi-la, mas as coisas não correm conforme planeado.
"L'Oeil du malin" é o filme de Claude Chabrol onde os temas hitckcockianos são mais facilmente perceptíveis. O personagem central (interpretado por Jacques Charrier) é um psicopata paranoico, com tendências voyeuristas, um Norman Bates em tudo menos no nome. A heroína (Stéphane Audran, uma regular de Chabrol) é uma loira atraente e inatingível, objecto do desejo que inevitavelmente estará no lugar de uma Janet Leigh, e depois temos o outro vértice do triângulo (um excelente Walter Reyer), que é o recorrente "wrong man" dos filmes de Hitchcock, o inocente que leva com as culpas, vítima das circunstâncias. A câmera voyeurista e a adequada montagem constroem o suspense e criam uma aura de sufocar quase tão eficazmente como o próprio Hitchcock.
Apesar deste filme ser fortemente reminiscente dos últimos trabalhos de Hitchcock, Chabrol consegue impôr o seu próprio estilo e personalidade, nomeadamente na sua antipatia pela falsa burguesia, assim como na leve ironia e o humor negro que viriam a caracterizar o seu trabalho futuro. Chabrol leva à premissa familiar um thriller inteligente, e inverte-o para os seus próprios fins. Não é o paraíso destruído por uma incursão do mal que ele nos mostra, mas sim um paraído atolado de maldade que destrói um pobre inocente.
Legendas em inglês.

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quinta-feira, 6 de março de 2014

O Duelo na Ilha (Le Combat Dans L'île) 1962



O filho de um industrial francês, Clément, é um extremista da direita, que pertence a uma organização secreta que usa todos os meios, inclusivé a violência, para atingir os seus fins. A sua esposa, Anne, uma ex-actriz alemã que deixou a carreira para se dedicar apenas à vida de esposa, sabe um pouco das suas actividades extremistas, e sabe que ele seria capaz de matar, em caso de necessidade. Muitas vezes ele trata-a mal, especialmente quando não estão em público, onde ela mantém a fachada de estrela aposentada. Independentemente disso ela é obrigada a manter-se casada. Depois dele e um colega assassinarem uma figura comunista, num crime que corre mal, Clément e Ann escondem-se em casa de um amigo de juventude dele, que não sabe nada das atitudes extremistas de Clément.
O primeiro filme de Alain Cavalier é uma combinação surpreendentemente eficaz de thriller político, comentário social, melodrama romântico, e estilismo da Nouvelle Vague. Podem-se ver influências de Bresson por todo o lado, embora ele nunca tivesse escolhido estrelas como Trintignant ou Romy Schneider. Ambos os actores aparecem aqui em pico de forma, com Romy a aproveitar a oportunidade de fazer um papel diferente de Sissy, que ela estava habituada. A relação amor/medo entre os dois, com Henry Serre a formar o terceiro vértice do triângulo, é desenhada com muita habilidade e subtileza, muitas vezes contada através de detalhes fragmentados.
Há um trabalho de exteriores evocativo da Paris dos anos sessenta, e uma bela fotografia (de Pierre Lhomme) do retiro rural para onde Anne e Clément se refugiam. O tema da extrema direita dá ao filme uma continua relevância social. É uma das pérolas escondidas da Nouvelle Vague, que merece sem dúvida ser descoberta.
Legendas em inglês.

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quarta-feira, 5 de março de 2014

Jules e Jim (Jules et Jim) 1962



Em Paris, antes da Primeira Guerra Mundial, dois amigos, Jules (austríaco) e Jim (francês), apaixonam-se pela mesma mulher, Catherine. Mas Catherine ama e casa com Jules. Depois da guerra, quando se encontram de novo, ela começa a amar Jim. Esta é a história de três pessoas apaixonadas, e como o amor nunca irá afectar a amizade, e como a relação deles sobrevive ao longo dos anos.
Jules et Jim abre com uma narrativa desenvolta, música carnavalesca, e uma rápida montagem de imagens para passar para uma rápida descrição de um narrador, de como as personagens do título se encontraram e ficaram amigos. É uma situação um pouco apressada, quase desorientadora, mas é a prova do desejo de François Truffaut nos contar as informações de fundo, e passar para a história que nos interessa. Este início também faz contraste com o final, que é mais lento, mais silencioso, evocando um desejo de repensar tudo o que foi feito até então.
Apesar do título do filme ser sobre Jules (Oskar Werner) e Jim (Henri Serre), é realmente sobre Catherine (Jeanne Moreau) que recai a história, e é ela que nos fica mais na memória no final do filme. Uma personagem desafiadora, que quebra todas as regras, e se recusa a ter uma descrição simples (ela tanto é uma mãe amorosa como é propensa a causar sarilhos). Mesmo depois de casar com Jules, e de ser amante de Jim, ela recusa-se a fugir de perto deles, envolvendo-se em comportamentos prejudiciais, apesar de amar os dois.
Baseado na novela autobiográfica de Henri-Pierre Roché, publicada em 1953 quando já tinha 74 anos de idade, é um dos filmes mais importantes da Nouvelle Vague, retratando tão bem as inovações formais do movimento, com as preocupações temáticas. Embora não fosse tão contraditório às convenções de Hollywood como "O Acossado" de Godard, ou o segundo filme de Truffaut, "Tirez Sur le Pianiste", "Jules et Jim" frequentemente quebra as regras formais, enquanto constrói uma relação emocional entre os personagens. A fotografia de Raoul Coutard é brilhante, misturando shots suaves com um trabalho de câmara de mão muito bem conseguido.
"Jules e Jim" foi um dos filmes mais populares dos anos sessenta, e o público viu nele os seus próprios desejos e medos refletidos. Quando Catherine numa sequência salta para o rio quando sente que Jules e Jim não lhe estão a prestar atenção suficiente, é uma imagem perfeita do seu espírito livre, e ao mesmo tempo, prefigura o gesto que vai acabar o filme. 

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segunda-feira, 3 de março de 2014

Uma Mulher é Uma Mulher (Une Femme est une Femme) 1961



Angela, uma stripteaser francesa quer desesperadamente ter um bébé. Quando o seu relutante namorado sugere o seu melhor amigo Alfred para a engravidar, e ela aceita, as relação entre os dois fica complicada.
A Nouvelle Vague estava em euforia quando Jean-Luc Godard fez este seu enorme e inteligente terceiro filme, "Une femme est une femme". Com um orçamento bem maior do que o habitual construiu uma extravagancia em widescreen que surgia como recompensa para o sucesso inesperado de "O Acossado", ou o escândalo político de "Le Petit Soldad", que só estrearia 3 anos depois, banido pelo seu ponto de vista sobre a Guerra da Argélia. Uma co-produção franco-italiana, filmada a cores e em Cinemascope e interpretada pela quase esposa do realizador, Ana Karina, que contracenava aqui com Jean-Claude Brialy e Jean-Paul Belmondo, e seria aquilo que Godard chamaria o seu primeiro "verdadeiro filme".
Os dois primeiros filmes de Godard eram obras excêntricas e duras mas "Une femme est une femme" seria algo diferente. Numa entrevista durante as filmagens, Godard declarou que este triângulo era uma boa oportunidade para fazer uma comédia "à la Lubitsch", e de facto, o personagem de Belmondo chama-se Alfred Lubitsch.
Apesar de ser por vezes descrito como um musical, e mesmo tendo alguns momentos com as personagens a cantar e a dançar, o filme é algo diferente. O realizador chamou-lhe vários nomes: "a ideia de um musical", "nostalgia pelo musical", ou, mais provocativamente, "um musical neo realista". Pela primeira vez Godard estava a fazer um filme sobre a sua própria criação. Filmado no final de 1960, durante cinco semanas, muito detalhadamente, mas sem argumento. Escrevia o argumento no dia a dia, enquanto os actores se maquilhavam, e considerou este ser o seu filme mais improvisado até então. 
O filme recebeu críticas mistas na altura do seu lançamento, e continua a dividir os criticos até aos dias de hoje. A insistência de Godard (que em breve se tornaria uma das suas marcas principais) em usar trechos de músicas aleatórias, para depois cortar num silêncio repentino foi considerado aborrecido, enquanto para outros era o mais acessível filme dos seus filmes, e o mais perversamente simpático. Um bilhete de amor para o cinema e para todas as suas possibilidades. 

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domingo, 2 de março de 2014

Paris Nous Appartient (Paris Nous Appartient) 1961



Anne Goupil é uma estudante de literatura na Paris de 1957. O irmão mais velho, Pierre, leva-a para a festa de um amigo, onde entre os convidados encontramos Philip Kaufman, um americano expatriado em fuga do Macarthismo, e Gerard Lenz, o director de um teatro que chega com uma mulher misteriosa, Terry. A conversa na festa é sobre o aparente suicídio do amigo Juan, um activista espanhol que tinha acabado recentemente uma relação com Terry. Philip avisa Anne de que as forças que acabaram com Juan em breve farão o mesmo com Gerard, que está a tentar ensaiar uma peça de Shakespeare, "Péricles", e onde Anne irá entrar...
O filme de estreia de Jacques Rivette, o voluntariamente mais excêntrico dos primeiros realizadores da Nouvelle Vague poderia muito bem ser descrito como a exégese desse tema. Rivette era conhecido por ser um realizador sem pressa (o seu filme de 1971, "Out 1", tem 13 horas), e apenas ocasionalmente se dedicava ao trabalho de montar um filme, e a prova é que ele começou a trabalhar neste em 1957, terminando em 1960. Apesar de ser mais amador do que outras célebres primeiras obras da Nouvelle Vague, é um dos mais maduros intelectualmente e filosoficamente filmes deste período inicial do movimento. O espectro de uma conspiração mundial e apocalipse iminente assombram as personagens centrais, por causa do falecimento de um emigrante espanhol. Poucos filmes têm sido tão efecticos a evocar um período na história, e com um orçamento tão pequeno. 
As ruas de Paris são as mesmas vistas em "À bout de Soufflé" de Godard, e por volta da mesma altura, mas na verdade, também poderia ser a Berlin de Dr. Mabuse. Rivette vincula explicitamente a sua paranoia no filme por Lang, ao mostrar um pedaço de "Metropolis" num clube de cinéfilos. Apesar de não ser muito popular entre as primeiras obras dos seus compatriotas, e muito esquemático ao lado de variações posteriores de Rivette sobre o mesmo tema, este filme é um marco no lançamento da Nouvelle Vague (Truffaut ajudou a financiá-lo, Godard, Chabrol e Demy aparecem por breves instantes)

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Crónica de um Verão (Chronique d'un été (Paris 1960)) 1961



Personagens da vida real discutem temas sobre a sociedade,  a felicidade nas classes trabalhadoras entre outros assuntos, e com esses testemunhos os dois realizadores criam momentos ficcionais com base nas suas entrevistas. Depois, discutem sobre as imagens criadas com as suas próprias palavras, e concluem se o filme obteve o nível de realidade pretendido.
Jean Rouch cujos filmes anteriores foram gravados em África, e Edgar Morin, um académico e escritor, andavam a experimentar um novo tipo de documentário sobre a sua própria sociedade que revelaria a vida mais íntima das pessoas. A partir de uma questão muito simples - "Are you happy, sir?" - "Chronique d'un été (Paris 1960)" mergulha cada vez mais na vida dos seus personagens. Estes incluem Marceline, uma sobrevivente do holocausto, Angelo, que trabalha em turnos exaustivos numa fábrica da Renault, Landry, um estudante da Costa do Marfim, e Marilù, uma jovem, bonita, e profundamente deprimida emigrante italiana. À medida que o filme avança, as cenas de abertura dão lugar a revelações íntimas e argumentos políticos muito disputados.
Uma verdadeira marca na história do cinema documental, Rouch e Morin foram dos primeiros realizadores a usar equipamento de sincronização de som de 16 mm, manual. Eles também estiveram na origem do termo "cinema verité" para explicar a sua abordagem, embora na prática, colocando pessoas em situações e provocando respostas, difira do que mais tarde viria a ser chamado de "cinema verité". O uso da paisagem urbana e a fotografia inovadora (o director de fotografia Raoul Coutard estava entre a equipa que produziu o filme), eram profundamente influenciadas pela Nouvelle Vague, e a subsequente pratica documental. A estrutura auto-reflexiva do filme, na qual Rouch e Morin exibem o filme para os intervenientes, para eles criticarem o que vêm, assim como as suas próprias reacções à critica, ainda são, incrivelmente, contemporâneos. 

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Lola (Lola) 1961



Em Nantes, um jovem aborrecido com a vida, Roland, tem a hipótese de conhecer uma mulher que com quem cruzou em jovem: Lola, agora dançarina de cabaret. Ela também é uma dedicada mãe solteira, que nutre uma esperança que o pai da criança, que a abandonou durante a gravidez, regresse. Roland percebe que está apaixonado por Lola, e assim ganha um novo alento para a sua vida. Mas o que será que ela sente?
Primeiro filme de Jacques Demy, abre com uma referência a Max Ophüls, por causa do seu filme "Lola Montes". Tendo sido lançado em 1955, "Lola Montes" era uma espécie de Santo Graal para os realizadores/críticos da Nouvelle Vague, e em especial para Demy. Foi uma oportunidade para divinizar este realizador no grande ecrã, e celebrar a sua vida e o seu trabalho. E assim Demy dedica-lhe "Lola", além de prestar tributo a uma outra famosa Lola do cinema: Marlene Dietrich de "The Blue Angel" (1030). A Lola de Demy (Anouk Aimée), é uma dançarina que se parece como uma Jacqueline Kennedy, e age como uma Marilyn Monroe, também é uma destruidora de corações, mas muito menos perigosa que Dietrich. 
"Lola" é um filme que evidencia o amor pelo cinema em cada frame. Que nos faz desejar viver dentro dele. A qualquer momento pode saír uma música, uma rapariga glamourosa pode tropeçar na nossa vida. O espírito de Ophüls é sentido por todo o filme, nos takes longos e graciosos (brilhantemente executados pelo director de fotografia Raoul Coutard), e nas colisões casuais das personagens do elenco, mas o filme é também uma inigualável viagem pelo cinema americano, os épicos de aventuras, os musicais, os gangsters, e os grandes romances de Hollywood. 
Há uma beleza estranha em "Lola", que o diferencia dos outros filmes de Demy, e o torna num dos seus mais requintados e pungentes filmes. A história é sobre o apego às lembranças, e aos ideais românticos, e finalmente, como a alegria de uma pessoa pode partir o coração a outra. Mas nem sequer sentimos que Demy nos esteja a passar alguma mensagem cheia de significado, mas apenas deixando que as personagens e as situações falem por si. 

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