Durante a primeira semana de Junho vou estar de férias, e não vou estar por cá, por isso não haverá filmes.
Aproveito assim para fazer uma actualização na programação, porque resolvi acrescentar mais alguns ciclos.
9 Junho - Nagisa Oshima
16 Junho - Os Westerns Psicológicos de Anthony Mann e James Stewart
23 Junho - The Yakuza Pappers
30 Junho - Nélson Pereira dos Santos
7 Julho - Piratas e Corsários
14 Julho - Terror Japonês dos Anos 60
21 Jullo - Ozploitation
28 Julho - Ingmar Bergman - Parte 1
4 Agosto - Lisboa
11 Agosto - Ray Harryhausen
18 Agosto - Terror Gótico Italiano
sexta-feira, 30 de maio de 2014
O Caso Mattei (Il Caso Mattei) 1972
Enrico Mattei ajudou a mudar o futuro de Itália, primeiro como combatente da liberdade contra os Nazis, depois como investidor em gás metano, através de uma empresa pública, e, finalmente, como chefe da E.N.I., um organismo do estado formado para o desenvolvimento de recursos petrolíferos. A 27 de Outubro de 1962 ele morreu, quando o seu avião particular caíu, um minuto antes ele devia estar a aterrar no aeroporto de Milão. Oficialmente ele morreu num acidente de avião, mas outros jornalistas exploram outras razões plausíveis para a sua morte.
O mistério da vida e da morte de Mattei, e a investigação que sucedeu à sua morte, é o tema deste thriller político de Francesco Rossi, vencedor da Palma de Ouro no festival de Cannes, a meias com outro filme que já vimos neste ciclo: "A Classe Operária Vai ao Paraíso". Rossi já estava habituado a lidar com personagens controversas, como era o caso de "Salvatore Juliano", e já desde o início dos anos 60 que vinha a produzir obras dentro do cinema político.
O filme é uma inovação híbrida do documentário e de ficção, representado o conceito de Rossi do que é cinema de investigação. A estrutura em flashback mostra influência de filmes como "Citizen Kane", ou Salvatore Giuliano", um filme anterior de Rossi. O realizador mantém-se fiel ás suas raízes neo-realistas com filmagens em exteriores, e actores não profissionais. O filme é intercalado com imagens do realizador tentando encontrar o seu amigo, o jornalista investigador Mauro de Mauro, que desapareceu enquanto fazia pesquisas para o filme. Diz-se que foi morto pela Máfia siciliana, mal tal como o caso de Enrico Mattei, este também nunca foi resolvido.
Um destaque especial para o actor Gian Maria Volonté, protagonista do filme, e que a esta altura já era figura de proa dentro deste cinema político italiano, já que aparecia como protagonista de alguns dos mais importantes filmes desta série. Para além dos que já vimos esta semana, ele também protagonizava "Uomini Contro", de Rossi, "Sbatti il Mostro in Prima Pagina", de Bellocchio, "Lucky Luciano", de Rossi, "Io ho Paura", de Damiano, "Todo Modo", de Petri, entre outros.
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quinta-feira, 29 de maio de 2014
Confissões de um Comissário de Polícia ao Procurador da República (Confessione di un Commissario di Polizia al Procuratore della Repubblica) 1971
A corrupção da Máfia no sistema é o foco deste filme, mais especificamente em como dois oficiais do governo tão díspares escolhem lidar com ela. Ambas as filosofias individuais e a abordagem ao problema são bastante diferentes, levando os homens a entrar em conflito em vez de trabalharem juntos.
A capital da Sicília, Palermo, é o cenário. O responsável pelo comando da polícia é o Capitão Bonavia (Martin Balsam), um polícia veterano, cuja atitude imperturbável esconde um inimigo implacável para o crime organizado, personificado por D'Ambrosio (Luciano Catenacchi), o chefe máximo da Máfia local. D'Ambrosio está bem colocado na indústria de construção em Palermo, e como tal tem amigos muito bem colocados na comunidade empresarial e no governo da cidade. Ao longo dos anos Bonavia prendeu-o várias vezes, para o ver liberto logo a seguir, por falta de provas. Entretanto chega o novo procurador da republica, Traini (Franco Nero). Os dois oficiais da justiça desconfiam um do outro, já que os tentáculos da Máfia chegam a todo lado. Será que vão conseguir trabalhar juntos?
Superficialmente, "Confessione di un Commissario di Polizia al Procuratore Della Repubblica" é um típico drama sobre o mundo do crime, igual a tantos outros saídos na década de 70, chamados "Poliziotteschi", cheio de negócios sujos, e intensas lutas entre policias e ladrões, mas o filme tem alguns toques invulgares, para o colocarmos alguns furos acima da média. Franco Nero, que não era dos actores mais expressivos da sua geração, tem aqui um dos seus papéis mais determinantes, e Martin Balsam traz algum vigor ao seu papel de um capitão da polícia, que pode ter pisado a lei em nome da justiça. Balsam e Nero fazem convincente jogo de confiança/desconfiança, e formam uma dupla perfeita ao longo do filme.
Damiano Damiani era um realizador que já vinha a fazer filmes politicos a algum tempo, sempre disfarçados de outros sub-géneros. Tomamos como exemplo "A Bullet for the General", um Zapata Western, que eram spaghetti westerns com um fundo político, neste caso a revolução mexicana. Aqui temos um "Poliziotteschi" disfarçado, mas tão bem disfarçado que nem nos apercebemos para colocar esta etiqueta no filme, colocando-se entre os melhores filmes do mundo do crime daquela época.
O norte americano Martin Balsam tinha acabado de participar em "O Pequeno Grande Homem", de Arthur Penn, e entraria numa série de filmes italianos na década de 70, alguns dos quais policiais.
Seria um dos primeiros filmes italianos a colocar a Máfia no centro de toda a corrupção. Este filme ainda produziu duas pseudo-sequelas, ambas realizadas por Damiano, e com Franco Nero no mesmo tipo de papel, mas ambas menos importantes.
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quarta-feira, 28 de maio de 2014
A Classe Operária Vai para o Paraíso (La Classe Operaia va in Paradiso) 1971
Lulù é muito trabalhador. Por causa disso é amado pelos patrões, e odiado por alguns colegas de trabalho. Os sindicatos decidem revoltar-se contra os patrões. Lulù não concorda, até cortar um dedo, por acidente. Agora, depois de confrontado com as condições de trabalho dos empregados, ele concorda com os sindicados e participa numa greve. É despedido imediatamente, e abandonado pela sua amante, e também por outros trabalhadores seus amigos. Só lhe resta o sindicato.
Drama social vencedor da Palma de Ouro em 1972 (ex-áqueo com "O Caso Mattei", que também veremos neste ciclo), que por acaso era a segunda Palma de Ouro para Elio Petri, em apenas três anos. Uma vez mais com a colaboração no argumento de Ugo Pirro, e com Gian Maria Volonté como protagonista. Há poucas dúvidas de que as convicções do realizador-argumentista são comunistas, projetando uma visão cínica do trabalhador, que ao mesmo tempo é fascinante e preocupante.
Petri, em Cannes, chamou ao seu filme de "propaganda para a classe trabalhadora", mas os seus activistas são fracos defensivamente quando confrontados com um Lulù desempregado, e os sindicalistas parecem estar a agir por conta própria.
O conceito do filme pode não ser totalmente original, já que "Coup Pour Coup", um filme francês de 1971, também mostra um caso de injustiça industrial. Mas, "La Classe Operaia va in Paradiso" é uma declaração de propaganda mais forte, e o mais importante, formou um movimento mais rápido e humano, muitas vezes perturbador. O filme tornou-se numa das obras-chave do cinema político.
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terça-feira, 27 de maio de 2014
Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (Indagine su un Cittadino al di Sopra di Ogni Sospetto) 1970
O arrogante inspector da policia de homicídios (Gian Maria Volonté), corta a garganta da sua sexy namorada (Florinda Bolkan), enquanto faz amor, e, propositadamente, vai deixando pistas que conduzirão os investigadores a ele, apesar de se considerar um cidadão acima de qualquer suspeita. Acabado de ser promovido a novo chefe da polícia, será que o bem sucedido polícia consegue escapar do que crime que cometeu enquanto o realizador da extrema-esquerda Elio Petri nos conta uma história em que o poder corrompe?
Elio Petri era um ativista da esquerda bastante dedicado (e membro do partido comunista italiano), cuja carreira era brilhante para o conjunto de apenas 11 longas-metragens que realizou, mas é dificil de ser julgado porque as suas obras dificilmente eram vistas fora de Itália. O seu filme mais acessivel fora do país é uma sátira de ficção científica chamada "The 10th Victim" (1965), com Marcello Mastroianni e Ursula Andress, um conto sombrio que se transforma numa comédia lúdica.
Este filme de Petri era uma das dissecações mais incisivas sobre a patologia do poder, alguma vez passada para filme, e foi extremamente controverso na altura em que foi lançado, num período bastante volátil depois das convulsões sociais dos anos 60. Ainda com o filme em produção e já os produtores estavam preocupados com as repercussões das autoridades, e antecipando problemas com os censores. Mas, em tempos tão turbulentos, nem mesmo as forças da ordem têm força para levar para a frente a sua autoridade, contra um filme que estava a adquirir uma enorme popularidade, e elogios por todo o lado. Os censores permitiram que o filme fosse mostrado apesar do pedido de várias autoridades para ser proibido, por difamar a polícia.
O filme é dominado pela interpretação hipnotizante de Gian Maria Volonté, o polícia, a quem nunca é dado um nome. Um militante da esquerda, Volonté, que começou a sua carreira nos western spaghetti e se tornou na maior estrela do cinema político italiano no início dos anos 70, era um actor de extraordinária presença. Raramente fora do ecrã, ele atravessa todo o filme elegantemente vestido, carismático, num filme simultaneamente belo e repelente, numa mistura inebriante de Marx, Freud, Wilhelm Reich, e Brecht, com um pouco de Dashiell Hammett.
É um dos filmes italianos mais premiados dos anos 70. Em Cannes ganhou a Palma de Ouro, o Grande Prémio do Júri e o FIPRESCI Prize. Em 1971 ganhou o Óscar de Melhor Filme em Lingua Estrangeira, e em 1972 ainda conseguiu ser nomeado para o Óscar de Melhor Argumento.
Uma palavra especial para a banda sonora de Ennio Morricone. Uma das minhas preferidas.
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segunda-feira, 26 de maio de 2014
A Batalha de Argel (La battaglia di Algeri) 1966
Um filme comissionado pelo governo argelino, que mostra a revolução argelina dos dois lados. A Legião Francesa tinha deixado o Vietname derrotada, e tinha algo a provar. Os argelinos procuram a independência, e dá-se o choque. Os franceses usam a tortura, e os argelinos respondem com o uso de bombas tradicionais. O filme traz um olhar desagradável sobre a guerra, e todos nela envolvidos.
Marco de Gillo Pontecorvo sobre o anticolonialismo, é provavelmente o mais famoso filme sem verdadeiros imitadores ("Z" e outros thrillers políticos são bem diferentes), em grande parte porque os países coloniais costumavam ser os países financiadores desses filmes. Aqui os financiadores eram o país que lutava pela independência, o que traz um ponto de vista totalmente diferente para o cinema político. Os argelinos são mesmo o centro das atenções do filme, mas mesmo isso não é o que nos faz simpatizar com eles. Pontecorvo faz-nos entender a podridão da guerra, que nenhum dos lados é inocente, pois os argelinos fazem explodir bombas em cafés que matam inocentes, e os franceses que com a sua tecnologia massiva, também matam inocentes.
Antes das grandes revoluções serem televisionadas, o cinema político permitia que as grandes populações contemplassem a uma certa distância as maquinações e as consequências das agitações violentas. Em "A Batalha de Argel" os avanços técnicos permitiram à narrativa fundir-se com a estética documental e formular um novo tipo de realismo. Pontecorvo mergulha nesta estética, que pode ser o maior filme sobre a insurreição, perfilando a luta da Argélia pela independência em tal detalhe e agitação que muitas cenas parecem tiradas directamente de um Telejornal da actualidade. Pontecorvo desliga-se dos aspectos mais emocionais, e adopta a táctica da "câmara ao ombro", não apenas para estabelecer o efeito documentário, mas também para fazer sobressair o impacto de cada tiroteio ou explosão, como uma experiência profundamente pessoal.
Acção e reacção são inevitáveis, assim como a banda sonora memorável de Ennio Morricone, utilizando o mesmo tema para cada um dos lados, é uma banda-sonora perturbadora. Três nomeações ao Óscar, e três prémios no festival de Veneza, incluindo o Leão de Ouro.
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sábado, 24 de maio de 2014
O Cinema Político Italiano
Excluindo o cinema revolucionário soviético, nenhuma outra cinematografia abordou o tema da política de uma forma tão constante e variada como a Italia da segunda metade do século XX. Este movimento tem raízes no neo-realismo de De Sica e Rossellini e forte influência no jornalismo e no documentário, e floresceu particularmente nos anos 60 e 70.
O movimento estudantil do final da década de 60, e os que na década seguinte teriam uma forte influência no cinema italiano, geraram um género político e social. A violência política nunca deteu os realizadores italianos deste período, que em todas as suas variantes pode ser considerado dos mais prolíficos do cinema italiano - tanto em qualidade como quantidade.
Um tema tão interessante como este, era digno de um abordagem bem mais profunda, já que o próprio cinema político italiano divide-se em vários sub-sub-géneros, que vão desde filmes anarquistas, a obras sobre terrorismo. Nesta semana vamos ver os mais importantes, os filmes francamente militantes que chegaram quase a configurar uma fórmula: o tema cadente, o tom documental, estrutura de investigação policial, e...Gian Maria Volonté.
Não consegui deixar de fora "La Battaglia di Algeri", de Gillo Pontecorvo, que apesar de se debruçar sobre um tema exterior ao país, a guerra civil argelina, é um filme completamente italiano, e que se debruça sobre um tema político muito profundo.
Vamos ver também dois filmes de Elio Petri, o maior de todos os realizadores políticos, com dois dos mais interessantes filmes italianos dos anos 70, e também com dois dos mais compridos títulos do cinema italiano: "Investigação Sobre Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita", e "A Classe Operária Vai Para o Paraíso".
Dos muitos realizadores políticos de Itália não poderíamos deixar de fora Francesco Rossi, de quem já tinha feito um ciclo no outro blog chamado, exactamente: "O Cinema Político de Francesco Rossi". Escolhi apenas um filme seu, desta vez. O ciclo completa-se com uma obra de Damiano Damiani, que eu nunca tinha partilhado até agora.
Outros realizadores que não vão ser aqui abordados, mas que também têm muito de política no seu cinema: Bernardo Bertolucci, Marco Bellocchio, Dino Risi, Ettore Scola, Giuliano Montaldo, Mario Monicelli, ou o próprio Pasolini.
Aqui fica a programação para esta semana:
Segunda: A Batalha de Argel (1967), de Gillo Pontecorvo
Terça: Investigação Sobre Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (1970), de Elio Petri
Quarta: A Classe Operária Vai Para o Paraíso (1971), de Elio Petri
Quinta: Confissões de um Comissário da Polícia ao Procurador da Républica (1971), de Damiano Damiani
Sexta: O Caso Mattei (1972), de Francesco Rossi
Todos os filmes serão legendados em português. Boa semana a todos.
O movimento estudantil do final da década de 60, e os que na década seguinte teriam uma forte influência no cinema italiano, geraram um género político e social. A violência política nunca deteu os realizadores italianos deste período, que em todas as suas variantes pode ser considerado dos mais prolíficos do cinema italiano - tanto em qualidade como quantidade.
Um tema tão interessante como este, era digno de um abordagem bem mais profunda, já que o próprio cinema político italiano divide-se em vários sub-sub-géneros, que vão desde filmes anarquistas, a obras sobre terrorismo. Nesta semana vamos ver os mais importantes, os filmes francamente militantes que chegaram quase a configurar uma fórmula: o tema cadente, o tom documental, estrutura de investigação policial, e...Gian Maria Volonté.
Não consegui deixar de fora "La Battaglia di Algeri", de Gillo Pontecorvo, que apesar de se debruçar sobre um tema exterior ao país, a guerra civil argelina, é um filme completamente italiano, e que se debruça sobre um tema político muito profundo.
Vamos ver também dois filmes de Elio Petri, o maior de todos os realizadores políticos, com dois dos mais interessantes filmes italianos dos anos 70, e também com dois dos mais compridos títulos do cinema italiano: "Investigação Sobre Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita", e "A Classe Operária Vai Para o Paraíso".
Dos muitos realizadores políticos de Itália não poderíamos deixar de fora Francesco Rossi, de quem já tinha feito um ciclo no outro blog chamado, exactamente: "O Cinema Político de Francesco Rossi". Escolhi apenas um filme seu, desta vez. O ciclo completa-se com uma obra de Damiano Damiani, que eu nunca tinha partilhado até agora.
Outros realizadores que não vão ser aqui abordados, mas que também têm muito de política no seu cinema: Bernardo Bertolucci, Marco Bellocchio, Dino Risi, Ettore Scola, Giuliano Montaldo, Mario Monicelli, ou o próprio Pasolini.
Aqui fica a programação para esta semana:
Segunda: A Batalha de Argel (1967), de Gillo Pontecorvo
Terça: Investigação Sobre Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (1970), de Elio Petri
Quarta: A Classe Operária Vai Para o Paraíso (1971), de Elio Petri
Quinta: Confissões de um Comissário da Polícia ao Procurador da Républica (1971), de Damiano Damiani
Sexta: O Caso Mattei (1972), de Francesco Rossi
Todos os filmes serão legendados em português. Boa semana a todos.
Cobra Verde (Cobra Verde) 1987
O temido bandido Cobra Verde (Klaus Kinski) é contratado pelo dono de uma plantação para supervisionar os seus escravos. O bandido acaba por se envolver com as filhas do patrão e engravida-as. Em vez de o mandar matar, o patrão envia-o para África, para um local onde é o único homem branco, e onde vai ser vítima de humilhação e tortura. Mais tarde, ele irá treinar soldados num exército rebelde. Longe de casa, Cobra Verde está à beira da loucura.
Um filme exótico e de uma grandeza épica, com espetaculares imagens, não só do Brasil, mas também dos rituais e costumes africanos, do mar, das florestas, incluindo ainda um exército de mulheres ganesas em topless. Herzog alcançou toda esta beleza por uns meros 2 milhões de dólares. Muito pouco comparado com um filme "grande" de Hollywood da altura. Infelizmente, o argumento, e as suas metáforas, não pareciam ser muito claras para ele. Herzog começa por fazer a avaliação da vida dura de um bandido brasileiro, e acaba a explorar o comércio de escravos africanos. Talvez haja uma semelhança entre estas duas atrocidades, com o fictício Cobra Verde a servir de ligação devido aos seus próprios problemas, e a ambição que o levou a fazer coisas que vão acabar por o destruir.
Seria o último filme entre Herzog e Kinski. Nunca mais voltariam a trabalhar juntos, e Kinski faleceria apenas quatro anos depois, vítima de um ataque de coração. Depois deste "Cobra Verde" Kinski só entraria em mais três filmes. Mas ainda seria recordado no documentário de Werner Herzog.
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sexta-feira, 23 de maio de 2014
Fitzcarraldo (Fitzcarraldo) 1982
Fitzcarraldo (Klaus Kinski) é um homem obcecado por ópera, que quer construir uma Ópera no meio da selva. Para conseguir isso ele primeiro tem de fazer uma fortuna no negócio da borracha, e para o conseguir ele elabora um plano astuto que envolve transportar um enorme barco pelo rio, através de uma montanha com a ajuda dos indios locais.
Uma das melhores colaborações entre Kinski e Herzog, talvez apenas suplantada pelo primeiro filme dos dois (Aguirre), e talvez mesmo o melhor do ponto de vista visual. Falta-lhe apenas a crueza e a ferocidade que fizeram de "Aguirre" um filme tão convincente. Nesse aspecto "Fitzcarraldo" é um filme mais simples.
Mas simples não é bem a palavra certa para este filme, uma vez que envolve arrastar um navio através de uma montanha. Herzog arrastou mesmo um navio através de uma encosta, apesar de lhe terem dito que era impossível. Com Stanley Kubrick disse: "Um filme é - ou deve ser - mais sobre música do que sobre ficção. Deve ser uma progressão de estado de espírito e de sentimentos. O tema, o que está por trás da emoção. O sentido, tudo o que vem depois". O filme fala para nós a um nível muito profundo, mas explicá-lo em palavras é muito difícil, já que mesmo o realizador não é capaz de fazê-lo. Isto resume o filme perfeitamente, já que não há razão para tentar explicá-lo verbalmente, pois representa o cinema na sua forma mais artística.
Kinski, num dos seus papéis mais frenéticos, aparece aqui na sua melhor força. O facto da história ser mínima pode deixar em aberto algumas críticas, mas há que apreciar todos os méritos cinematográficos do filme. Fitzcarraldo é um filme que celebra tanto a importância da arte nas nossas vidas como a resistência do espírito humano em face às adversidades. Muito bem trabalhado e intensamente poético na sua simplicidade narrativa, é um filme fascinante.
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Legendas
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quinta-feira, 22 de maio de 2014
Woyzeck, o Soldado Atraiçoado (Woyzeck) 1979
Franz Woyzeck (Klaus Kinski) é um soldado mentalmente instável no exército alemão, que vive de uma dieta de ervilhas por causa de uma experiência conduzida por um médico. Um dia ele descobre que a sua esposa lhe tem sido infiel, o que começa a bater forte na cabeça do soldado, fazendo dele ainda mais instável.
"Woyzeck" é uma filme curioso, baseado numa famosa e inacabada peça, escrita em 1836 por Georg Büchner, falecido com tifo aos 23 anos, tendo terminado apenas quatro fragmentos da peça. A ordem pela qual os quatro fragmentos nos são mostrados não é clara, e a peça foi ignorada durante 60 anos. Apesar disto, a rejeição de Büchner pela estrutura tradicional e o seu foco sobre o estado mental de um indivíduo levaram a que a fosse agora seja considerada uma obra moderna, e um percursor do Expressionismo e o Teatro do Absurdo.
Pode parecer surpresa que Herzog e Kinski tenham feito outro filme no mesmo ano que "Nosferatu", tendo em conta o complicado relacionamento entre os dois, e que seria necessário algum tempo para descansar entre as filmagens. Mas, em vez disso, Kinski usou a sua exaustão como vantagem para o seu intérprete deste filme. Esta é mais uma das suas grandes interpretações do actor, e, na realidade, Kinski é mesmo o ponto forto do filme.
Esta premissa sombria faz do filme um pouco estranho, as suas origens teatrais estão bastante evidentes ao longo da obra, e também porque grande parte da acção se passa entre portas e com um reduzido número de personagens. O trabalho de câmara de Herzog é muito mais contido do que os trabalhos habituais do realizador, talvez porque ele ainda se encontrava a recuperar do cansaço de "Nosferatu", e o filme acabaria por ser filmado em apenas 21 dias.
Dos cinco trabalhos entre os dois, este é o menos conhecido.
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Nosferatu, o Fantasma da Noite (Nosferatu: Phantom der Nacht) 1979
Jonathan Harker é enviado para o castelo do Conde Drácula, para lhe vender uma casa em Varna, onde Jonathan vive. Mas o conde Drácula é um vampiro, um morto-vivo que vive de sugar o sangue dos homens. Transtornado por uma fotografia de Lucia Harker, a esposa de Jonathan, o Conde muda-se para Varna, levando consigo a morte, e a peste...
Remake do clássico do cinema mudo, do mesmo nome, de F. W. Murnau, é um conto baseado no livro de Bram Stoker, "Dracula". Não é uma tentativa de refazer a história, ou uma tentava de modernizar o conto, muito mais do que isso, é uma homenagem a Murnau. Tal como o filme anterior, também tem uma história muito diferente do livro, com Herzog a preferir recriar muitas das cenas do filme original, e a conseguir criar um ambiente bem assustador, mais do que o original.
O desempenho de Klaus Kinski é extraordinário, de cabeça rapada, orelhas em forma de morcego, e dentes de rato, que fazem desta uma das recriações mais assustadoras do famoso vampiro. Herzog originalmente gravou o filme em duas linguas ao mesmo tempo, inglês e alemão, o que como é claro trouxe problemas com as dobragens, já que o filme incluía actores de várias nacionalidades. (esta versão do post é a inglesa).
Por mais que fosse uma homenagem a Murnau, Herzog conseguiu incluir algumas sequências que são tipicamente "Herzoguianas", tal como a onda de ratos que chegam à cidade, e para a qual o realizador teve de libertar alguns milhares de ratos vivos, para conseguir os ângulos certos. Uma sequência que tem tanto de impressionante como de desagradável, e que leva a perguntar o que terão feito a todos aqueles ratos depois de terminadas as rodagens?
A principal inovação para a obra de Murnau é apresentar a criatura vampiresca não tanto como um monstro perverso, mas mais como uma vítima, um ser que tanto devemos ter medo como pena. E é aqui que Kinski sobressai, com uma caracterização que dificilmente o faz ser reconhecido, consegue provocar-nos um poderoso sentimento de emoção. O filme é dele.
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segunda-feira, 19 de maio de 2014
Aguirre, o Aventureiro (Aguirre, der Zorn Gottes) 1972
Algumas décadas depois da destruição do império Inca, uma expedição espanhola deixa as montanhas do Perú e desce até ao rio Amazonas, em busca de tesouros e riquezas. Depressa eles se deparam com grandes dificuldades, quando Don Aguirre (Klaus Kinski) um homem cruel preocupado apenas com a riqueza, se torna o líder da expedição. Esta nova liderança irá levá-los à "cidade de ouro", ou à destruição...
"Aguirre, der Zorn Gottes", primeira colaboração entre Herzog e Kinski, por muitos considerado a sua melhor. "Aguirre" é um filme fascinante, que tem tanto de terrível como de belo, que sentimos ser diferente de tudo o conhecemos, tal como a obra do próprio Herzog. Como se o trabalho de Herzog pertencesse a um género completamente à parte, porque é tão único e original.
É difícil imaginar um actor melhor para o papel de Aguirre do que Klaus Kinski. Kinski tinha pensado interpretar o seu personagem como um louco mais convencional, mas Herzog foi insistente para que o personagem fosse mais contido, para transmitir a ameaça que ele representava de forma mais eficaz. Kinski criava assim um dos personagens mais grotestos do seu repertório, um monstro monomaníaco tão absorvido pelas suas ambições, tão confiante nas suas crenças que não vê os perigos reais ao seu redor, de modo a que, se torna o líder condenado de uma missão suicida.
O filme custou cerca de 350 mil dólares, que mesmo naquela altura era um orçamento muito baixo para um projecto tão ambicioso. Foi rodado em apenas cinco semanas, na floresta do Perú, e foi uma filmagem rodeada de problemas, em parte por causa dos desentendimentos entre o realizador e o actor.
"Aguirre, der Zorn Gottes", é um filme sobre a loucura do homem, em especial a do "homem branco nas américas", mas também continha outro tema da preferência de Herzog, o do homem vs natureza. O realizador tenta capturar o lado selvagem escuro e ameaçador da natureza humana criando uma visão da natureza selvagem completamente diferente do que já tinhamos visto antes.
Legendas em inglês.
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sábado, 17 de maio de 2014
Herzog e Kinski - Maiores Amigos, Maiores Inimigos
Se a relação entre um realizador e um actor pode ser como um casamento, então Werner Herzog e Klaus Kinski foram o Richard Burton e a Elizabeth Taylor do seu tempo. Não apenas fizeram um punhado de filmes juntos, como também estiveram envolvidos na sua própria competição pessoal: ver qual é que conseguia enlouquecer o outro. Combustíveis, por vezes inseparáveis, Herzog posteriormente descreveu esta ligação como sendo "duas massas críticas que resultam numa perigosa mistura quando entram em contacto". Herzog tentou matar Kinski durante a rodagem de "Aguirre, Wrath of God" (1972) e anos depois planeou explodir a casa de Kinski, só não o fez porque teve pena do cão do actor. Kinski, por outro lado, gritava com o realizador, chegando a encostar um sabre ao pescoço de Herzog, durante a rodagem de "Cobra Verde". Na sua autobiografia Kinski acusou Herzog de traição, sadismo, megalomania, e, pior de tudo, falta de talento. O realizador, por sua vez, fez um documentário sobre a sua relação com Kinski, chamou-lhe "My Best Fiend" (O Meu Melhor Amigo), e começou com imagens de uma peça de teatro de Kinski onde ele abusa da audiência. Se esta relação tempestuosa ofuscou o trabalho dos dois, eles apenas têm que se culpar a si próprios.
Trabalharam juntos em cinco filmes, ao longo de 15 anos. Depois de "Cobra Verde" nunca mais voltaram a trabalhar juntos, Kinski faleceu 4 anos depois, em 1991. Alguns anos mais tarde Herzog dedicou-lhe um documentário, ao qual chamou "Mein liebster Feind" (O Meu Maior Amigo). Vamos começar este ciclo já, com este documetário, que podem tirar daqui. A programação do resto da semana vai ser a seguinte:
Segunda: Aguirre, o Aventureiro (1972)
Terça: Nosferatu, o Fantasma da Noite (1979)
Quarta: Woyzeck, o Soldado Atraiçoado (1979)
Quinta: Fitzcarraldo (1982)
Sexta: Cobra Verde (1987)
Trabalharam juntos em cinco filmes, ao longo de 15 anos. Depois de "Cobra Verde" nunca mais voltaram a trabalhar juntos, Kinski faleceu 4 anos depois, em 1991. Alguns anos mais tarde Herzog dedicou-lhe um documentário, ao qual chamou "Mein liebster Feind" (O Meu Maior Amigo). Vamos começar este ciclo já, com este documetário, que podem tirar daqui. A programação do resto da semana vai ser a seguinte:
Segunda: Aguirre, o Aventureiro (1972)
Terça: Nosferatu, o Fantasma da Noite (1979)
Quarta: Woyzeck, o Soldado Atraiçoado (1979)
Quinta: Fitzcarraldo (1982)
Sexta: Cobra Verde (1987)
sexta-feira, 16 de maio de 2014
Coitado do Jorge (Coitado do Jorge) 1993
Poderia dizer-se que Jorge é um homem feliz.
Chega a casa ao fim de um dia com muitos incêndios, como todos os outros.
À noite vai encontrar-se com um industrial japonês para abandonar o seu lugar de professor e voltar a trabalhar como químico.
Mas, ao regressar, encontra alguém em casa. Alguém que não conhece.
A partir daí tudo vai ser diferente...
Texto de Jorge Leitão Ramos para o Expresso 21-01-1998:
"Coitado do Jorge" é o filme português que vai ficar com o pulsar interior dos anos do cavaquismo. É uma história de burgueses confortáveis num mundo onde está tudo a arder. Fisicamente, por fora, e vivencialmente, por dentro. É um filme por cujos poros sai um odor de desgosto, como se qualquer coisa de essencial se tivesse desagregado e os viventes não tivessem dado por isso. O protagonista (Jorge/Jerzy Radziwilowicz) está a fazer 36 anos e o seu mundo está convulso. Até que descobre um ladrãozeco (Ernesto/Manuel Wiborg) dentro de casa e se torna de interesse por ele, por esse mundo que lhe é exterior. Descobrimos, devagar, que a estabilidade é uma coisa frágil. Silva Melo não se limita a colocar os incêndios por toda a parte nesse principio de Verão em que aquela realidade está cercada, mas eles nem se inquietam. São os sentimentos que começam a aparecer crispados (há gritos, choros, feridas, desavenças, no fundo da imagem e na banda de som); são os valores sociais que começam a evidenciar-se ausentes; é um viver para coisa nenhuma que emerge.
Mas, na fascinação pelo outro lado, pelo mundo proletário (o termo não é nada rigoroso, usemo-lo para abreviar razões), a descoberta da sua vitalidade (carnal, sensual, antes de tudo) não oferece contrapartida, alternativa real. "Coitado do Jorge" é também um filme sobre o fim do marxismo enquanto perspectiva futurizando uma qualquer redenção. Mas não o é enquanto constatação de uma mecânica social fundada na luta de classes. De facto, o percurso que acaba por envolver Jorge e Ernesto não tem o mesmo fim para ambos. Porque um tem as saídas seguras, enquanto o outro navega à vista.
Filmado em 1992, apresentado em 1993 nos Festivais de Taormina e de Dunquerque, onde ganhou os prémios de melhor realizador e melhor actor (Manuel Wiborg), exibido nas quartas jornadas de cinema português de Rouen, em Janeiro de 1994, "Coitado do Jorge" é um filme que, até 1997, não foi exibido em Portugal, nem sequer na Cinemateca, por vontade expressa de Jorge de Silva Melo, entretanto em litígio judicial com a Inforfilmes, de Acácio de Almeida, a empresa produtora. A sua distribuição chegou a ser anunciada pela Atalanta, nunca tendo vindo a efectivar-se. Eis senão quando o filme aparece surpreendentemente no mercado videográfico (em Dezembro de 1997) no que é mais uma originalidade no interior do cinema português que, pelos vistos, se pode dar ao luxo de prescindir de uma carreira nas salas de um filme que não é exactamente um objecto descartável, quer o olhemos pelo prisma da dimensão da sua produção (é uma co-produção luso-franco-espanhola) quer o olhemos pelo seu valor estético. "
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Texto de Jorge Leitão Ramos para o Expresso 21-01-1998:
"Coitado do Jorge" é o filme português que vai ficar com o pulsar interior dos anos do cavaquismo. É uma história de burgueses confortáveis num mundo onde está tudo a arder. Fisicamente, por fora, e vivencialmente, por dentro. É um filme por cujos poros sai um odor de desgosto, como se qualquer coisa de essencial se tivesse desagregado e os viventes não tivessem dado por isso. O protagonista (Jorge/Jerzy Radziwilowicz) está a fazer 36 anos e o seu mundo está convulso. Até que descobre um ladrãozeco (Ernesto/Manuel Wiborg) dentro de casa e se torna de interesse por ele, por esse mundo que lhe é exterior. Descobrimos, devagar, que a estabilidade é uma coisa frágil. Silva Melo não se limita a colocar os incêndios por toda a parte nesse principio de Verão em que aquela realidade está cercada, mas eles nem se inquietam. São os sentimentos que começam a aparecer crispados (há gritos, choros, feridas, desavenças, no fundo da imagem e na banda de som); são os valores sociais que começam a evidenciar-se ausentes; é um viver para coisa nenhuma que emerge.
Mas, na fascinação pelo outro lado, pelo mundo proletário (o termo não é nada rigoroso, usemo-lo para abreviar razões), a descoberta da sua vitalidade (carnal, sensual, antes de tudo) não oferece contrapartida, alternativa real. "Coitado do Jorge" é também um filme sobre o fim do marxismo enquanto perspectiva futurizando uma qualquer redenção. Mas não o é enquanto constatação de uma mecânica social fundada na luta de classes. De facto, o percurso que acaba por envolver Jorge e Ernesto não tem o mesmo fim para ambos. Porque um tem as saídas seguras, enquanto o outro navega à vista.
Filmado em 1992, apresentado em 1993 nos Festivais de Taormina e de Dunquerque, onde ganhou os prémios de melhor realizador e melhor actor (Manuel Wiborg), exibido nas quartas jornadas de cinema português de Rouen, em Janeiro de 1994, "Coitado do Jorge" é um filme que, até 1997, não foi exibido em Portugal, nem sequer na Cinemateca, por vontade expressa de Jorge de Silva Melo, entretanto em litígio judicial com a Inforfilmes, de Acácio de Almeida, a empresa produtora. A sua distribuição chegou a ser anunciada pela Atalanta, nunca tendo vindo a efectivar-se. Eis senão quando o filme aparece surpreendentemente no mercado videográfico (em Dezembro de 1997) no que é mais uma originalidade no interior do cinema português que, pelos vistos, se pode dar ao luxo de prescindir de uma carreira nas salas de um filme que não é exactamente um objecto descartável, quer o olhemos pelo prisma da dimensão da sua produção (é uma co-produção luso-franco-espanhola) quer o olhemos pelo seu valor estético. "
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quinta-feira, 15 de maio de 2014
Oxalá (Oxalá) 1981
Um jovem português, exilado em Paris, visita várias vezes o país, entre o 25 de Abril de 1974 e Outubro de 1978, sem se decidir, face ao evoluir da situação socio-política, por se fixar em Portugal - o que tem a ver com a vivência no estrangeiro, as transformações operadas no ambiente familiar de origem e, em particular, na relação com as pessoas com quem se encontra ligado. O relato da sua experiência é revelado através de vários retratos femininos e de sucessivos quadros geográfico-temporais.
Texto de Jorge Leitão Ramos:
"Porque todos os filmes reflectem, de algum modo, quem os faz, "Oxalá" não foge à regra. Só que, aqui, o cinema assume esse facto, acentua uma certa confessionalidade, mostra-se. O lado simpático de Oxalá é essa disponibilidade. É muito claro que este é um filme que se sente mal na sua pele portuguesa do final dos anos 70, que vive fixado, adolescentemente, na França da Nouvelle Vague.
O seu exilado que atravessa, entre o perto e a distância, os anos de Abril é, por isso, mais um estrangeiro que um compatriota, alguém cujo descentramento, em relação à realidade portuguesa, é total. Daí que nenhum dos seus gestos tenha consequências, daí que, visivelmente, ele não esteja disposto a pagar nenhum preço pela vida, nem sequer o preço do amor. Daí a impotência. O equívoco."
Um dos primeiros filmes de António-Pedro Vasconcelos, foi um dos maiores sucessos do início dos anos 80, com quase 90 mil espectadores.
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quarta-feira, 14 de maio de 2014
Atlântida: Do Outro Lado do Espelho (Atlântida: Do Outro Lado do Espelho) 1985
Do isolamento da sua ilha, X, uma personagem sem nome observa , no exterior, uma cena cujo sentido lhe escapa, e o faz partir numa viagem circular pelos percursos da sua memória/imaginação: o homem da espingarda, o estúdio da TV, um estranho passageiro de comboio, a rapariga que entrava por janelas fechadas, a organização misteriosa, o velho que tinha a solução, o homem que sabia o que andava a vender, uma imagem de taxi...
Primeira longa-metragem, como realizador, de Daniel Del-Negro, Do Outro Lado do Espelho - "Atlântida" é quase uma deambulação livre pelos terrenos do imaginário, uma espécie de cinema automático, onde a criação de situações e sensações toma a dianteira sobre o processo narrativo. Em vez de uma história, uma vereda sinuosa e nocturna, um sentido estilhaçado, os corredores da inquietação, onde se aflora um cinema de raíz fantástica. Filme mais curioso que conseguido, mas em que se sente pulsar a vibração encantatória das imagens e dos sons, o que é, pelo menos, estimulante numa primeira obra. - Jorge Leitão Ramos.
Foi o único filme realizado por Daniel Del-Negro, um dos mais promissores directores de fotografia dos anos 80, que participou em filmes como "Uma Rapariga no Verão", "Duma Vez por Todas", "Os Cornos de Cronos", entre outros. Nunca foi exibido comercialmente, apenas teve exibições na Cinemateca.
Uma das raras apostas portuguesas no cinema fantástico, nos últimos 30 anos.
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Primeira longa-metragem, como realizador, de Daniel Del-Negro, Do Outro Lado do Espelho - "Atlântida" é quase uma deambulação livre pelos terrenos do imaginário, uma espécie de cinema automático, onde a criação de situações e sensações toma a dianteira sobre o processo narrativo. Em vez de uma história, uma vereda sinuosa e nocturna, um sentido estilhaçado, os corredores da inquietação, onde se aflora um cinema de raíz fantástica. Filme mais curioso que conseguido, mas em que se sente pulsar a vibração encantatória das imagens e dos sons, o que é, pelo menos, estimulante numa primeira obra. - Jorge Leitão Ramos.
Foi o único filme realizado por Daniel Del-Negro, um dos mais promissores directores de fotografia dos anos 80, que participou em filmes como "Uma Rapariga no Verão", "Duma Vez por Todas", "Os Cornos de Cronos", entre outros. Nunca foi exibido comercialmente, apenas teve exibições na Cinemateca.
Uma das raras apostas portuguesas no cinema fantástico, nos últimos 30 anos.
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terça-feira, 13 de maio de 2014
Passagem Por Lisboa (Passagem Por Lisboa) 1994
Numa noite de Junho de 1940, na zona portuária de Lisboa, um francês é abatido a tiro e lançado ao Tejo. No dia seguinte na Embaixada Britânica, Ralph, Connie e Jorge, que trabalham na escuta de mensagens alemãs, ficam a saber que a famosa actriz Pola Negri chega a Lisboa nesse dia. Enquanto Jorge vigia no hotel Avenida Palace a velha vedeta do cinema, em Cascais na vivenda Espírito Santo, o inspector Antunes observa o banqueiro em animada conversa com dois ilustres convidados: Primo de Rivera e o duque de Windsor. Jorge conduz, mais tarde, um diplomata inglês a casa de Espírito Santo...
Nos anos 40 Lisboa, pela altura da Segunda Guerra Mundial, Lisboa era um local de passagem entre a Europa e a América. Desde gente famosa, refugiados, espiões, que se cruzavam numa guerra silenciosa entre pró e anti-nazis. (Quem não viu "Casablanca", de Michael Curtiz?). Salazar não sabia para que lado pender, se entrava ou não na guerra, e esta posição acabaria por lhe trazer algumas vantagens. Portugal não entrava na guerra, e Salazar não perdia o poder. Lisboa era nesta altura uma cidade quase mítica, zona neutral da guerra, para onde toda a gente pretende ir.
É deste mundo que Eduardo Geada fala em "Passagem para Lisboa", quase dez anos depois da sua longa-metragem anterior. Uma excelente reconstituição de um tempo de grandes incertezas e opções irreversíveis que se perdiam e ganhavam numa cidade tentacular, romântica e perigosa, ironicamente transformada numa porta de esperança e liberdade da Europa devastada pela intolerância, pela perseguição e pela opressão. O filme só pontos por causa dos fracos valores de produção, típicos do cinema português. Eram necessários mais meios, para mais cenas de exteriores, mais figurantes, mas ainda assim é um filme de época bem interessante.
O elenco mistura actores portugueses com actores estrangeiros, com algumas caras conhecidas do público português, como: Margarida Reis (da série "Claxon"), Guilherme Filipe, Armando Cortez, entre outros. Esta versão é uma TV Rip, e este filmes está pela primeira vez na Internet.
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segunda-feira, 12 de maio de 2014
Xavier (Xavier) 1992
Xavier entra na idade adulta. Em criança tinha sido entregue pela mãe
num orfanato onde passou a infância aos cuidados da freira Irmã Maria da
Luz e com a amizade de Hipólito. Na adolescência foi adotado pelos
Alves, um casal burguês, com uma filha, Luísa, um pouco mais nova que
Xavier. Os Alves impediram-lhe qualquer contacto com a mãe, mas
proporcionaram-lhe uma vida condigna. Até que a rebeldia própria da
idade e um grave percalço fizeram com que Xavier se afastasse, indo
cumprir o serviço militar algures, num local distante de Lisboa. Agora a
tropa terminou e regressa à capital. Vamos seguir-lhe os passos. Os
seus gestos, os seus movimentos, os seus olhares, os seus tremores, os
seus temores, os seus sentimentos. Através dele e daqueles com que a sua
vida se cruza.
Na altura que saíu o filme, João Mário Grilo escreveu o seguinte sobre Xavier:
"Eu sei que talvez devesse aproveitar este espaço para falar, esta semana, dos muitos filmes de que toda a gente fala e que vão passando (mais ou menos meteoricamente) pelas salas portuguesas: são os últimos dos irmãos Warchowski (Matrix Revolutions), de von Trier (Dogville), de Tarantino (Kill Bill), de Gus van Sant (Elephant) ou, mesmo, a obra-prima sui generis e admirável que é India Song, de Marguerite Duras, que a Atalanta Filmes repôs em cópia nova, abrindo um ciclo dedicado à obra notável desta não menos notável e singularíssima cineasta. Em vez disso, porem, vou aqui despedir-me de um filme que não sei quando tornarei (quando tornaremos) a ver: Xavier, o primeiro filme de Manuel Mozos, que estreou, vai para um mês, e que ainda está em exibição, por enquanto, numa única sala de Lisboa e num único horário.
Xavier não merecia tal destino, embora, em boa verdade, se possa (e deva) dizer que é o país – que cada vez mais se estupidifica – que não merece tal filme. E Xavier até esteve para nunca ser. Durante doze anos, Manuel Mozos lutou para conseguir que o seu filme sobrevivesse à falência do co-produtor francês. Entretanto, chegou mesmo a estrear o seu segundo filme (Quando Troveja, em 1998), e não é o menor dos sortilégios que, num país de raros filmes e raros cineastas, uma primeira-obra estreie depois da segunda. Isso marca bem uma diferença – o filme quase parece de "época" –, mas as diferenças de Xavier não são realmente essas. Já antes de mim houve quem escrevesse que se Xavier tivesse estreado na altura em que foi feito, muita coisa podia ter mudado no cinema português. Porque Xavier – história de um rapaz (Pedro Hestnes) em rota de colisão com uma cidade (Lisboa) – esconde, realmente, a promessa de um novo cinema novo português, o cinema de uma nova gerarão que é, talvez, doze anos depois, o que mais falta nos faz.
E nada disto é só (sem o deixar de ser, completamente) por o filme tanto nos fazer lembrar a alma, o sangue, o nervo e o músculo de Verdes Anos, filme realizado por Paulo Rocha, há quarenta anos, e que iniciou, então, uma revolução radical no status quo apodrecido da cinematografia portuguesa da altura. Xavier é um filme com um idioma próprio, sonhado e feito, totalmente, nas margens das imagens dominantes (mesmo as do cinema, para já não falar das da televisão), e que parte, solitariamente, à descoberta de uma nova poética portuguesa, que não é só cinematográfica. Do filme, guardo muita coisa: por exemplo, o risco elíptico e brutal, que fende o filme em ligações surpreendentes, o "casal" Hestnes/Isabel Ruth (Laura, a mãe), a relação fraterna entre Xavier e Hipólito, o fundo palpitante da cidade (soberbo o plano em que Xavier conserta uma antena num telhado de Alcântara). De tudo isso, no entanto, o que mais me fascina é essa vontade de tecer todo um filme à volta de um único protagonista, um grande, paciente e magnífico gesto de humildade, absolutamente incomum no cinema português, e que faz com que Xavier, apesar do atraso com que nos chega, mantenha, para sempre – sabemo-lo hoje – a força genuína de uma mudança, que o filme nunca deixará de ser, realmente. Foram doze anos; mas parece, apesar de tudo, que ainda há tempo."
Tirado daqui. Podem ler mais sobre o filme aqui, e aqui. E penso que está tudo dito.
TV Rip.
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Na altura que saíu o filme, João Mário Grilo escreveu o seguinte sobre Xavier:
"Eu sei que talvez devesse aproveitar este espaço para falar, esta semana, dos muitos filmes de que toda a gente fala e que vão passando (mais ou menos meteoricamente) pelas salas portuguesas: são os últimos dos irmãos Warchowski (Matrix Revolutions), de von Trier (Dogville), de Tarantino (Kill Bill), de Gus van Sant (Elephant) ou, mesmo, a obra-prima sui generis e admirável que é India Song, de Marguerite Duras, que a Atalanta Filmes repôs em cópia nova, abrindo um ciclo dedicado à obra notável desta não menos notável e singularíssima cineasta. Em vez disso, porem, vou aqui despedir-me de um filme que não sei quando tornarei (quando tornaremos) a ver: Xavier, o primeiro filme de Manuel Mozos, que estreou, vai para um mês, e que ainda está em exibição, por enquanto, numa única sala de Lisboa e num único horário.
Xavier não merecia tal destino, embora, em boa verdade, se possa (e deva) dizer que é o país – que cada vez mais se estupidifica – que não merece tal filme. E Xavier até esteve para nunca ser. Durante doze anos, Manuel Mozos lutou para conseguir que o seu filme sobrevivesse à falência do co-produtor francês. Entretanto, chegou mesmo a estrear o seu segundo filme (Quando Troveja, em 1998), e não é o menor dos sortilégios que, num país de raros filmes e raros cineastas, uma primeira-obra estreie depois da segunda. Isso marca bem uma diferença – o filme quase parece de "época" –, mas as diferenças de Xavier não são realmente essas. Já antes de mim houve quem escrevesse que se Xavier tivesse estreado na altura em que foi feito, muita coisa podia ter mudado no cinema português. Porque Xavier – história de um rapaz (Pedro Hestnes) em rota de colisão com uma cidade (Lisboa) – esconde, realmente, a promessa de um novo cinema novo português, o cinema de uma nova gerarão que é, talvez, doze anos depois, o que mais falta nos faz.
E nada disto é só (sem o deixar de ser, completamente) por o filme tanto nos fazer lembrar a alma, o sangue, o nervo e o músculo de Verdes Anos, filme realizado por Paulo Rocha, há quarenta anos, e que iniciou, então, uma revolução radical no status quo apodrecido da cinematografia portuguesa da altura. Xavier é um filme com um idioma próprio, sonhado e feito, totalmente, nas margens das imagens dominantes (mesmo as do cinema, para já não falar das da televisão), e que parte, solitariamente, à descoberta de uma nova poética portuguesa, que não é só cinematográfica. Do filme, guardo muita coisa: por exemplo, o risco elíptico e brutal, que fende o filme em ligações surpreendentes, o "casal" Hestnes/Isabel Ruth (Laura, a mãe), a relação fraterna entre Xavier e Hipólito, o fundo palpitante da cidade (soberbo o plano em que Xavier conserta uma antena num telhado de Alcântara). De tudo isso, no entanto, o que mais me fascina é essa vontade de tecer todo um filme à volta de um único protagonista, um grande, paciente e magnífico gesto de humildade, absolutamente incomum no cinema português, e que faz com que Xavier, apesar do atraso com que nos chega, mantenha, para sempre – sabemo-lo hoje – a força genuína de uma mudança, que o filme nunca deixará de ser, realmente. Foram doze anos; mas parece, apesar de tudo, que ainda há tempo."
Tirado daqui. Podem ler mais sobre o filme aqui, e aqui. E penso que está tudo dito.
TV Rip.
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domingo, 11 de maio de 2014
Especial de Cinema Português
À semelhança do que aconteceu no Natal, vamos ter uma semana muito especial, dedicada ao cinema português. A maioria dos filmes que apresentarei neste ciclo, vão ser colocados pela primeira vez na internet, e são autênticas pérolas do nossos cinema.
Não vou adiantar nomes de filmes, as surpresas terão ao longo da semana, dia após dia. Fiquem atentos, e até amanhã.
Não vou adiantar nomes de filmes, as surpresas terão ao longo da semana, dia após dia. Fiquem atentos, e até amanhã.
sábado, 10 de maio de 2014
Próximos Ciclos
Vamos lá organizar a casa...
12 Maio - Especial de Cinema Português
19 Maio - Herzog e Kinski - Maiores Amigos, Maiores Inimigos
26 Maio - Cinema Político Italiano
2 Junho - (Semana de Descanso)
9 Junho - Nagisa Oshima
16 Junho - Os Westerns Psicológicos de Anthony Mann e James Stewart
23 Junho - Nélson Pereira dos Santos
30 Junho - Piratas e Corsários
7 Julho - Terror Japonês dos Anos 60
14 Julho - Ingmar Bergman - Parte 1
21 Julho - Lisboa
28 Julho - Ray Harryhausen
4 Agosto - Terror Gótico Italiano
12 Maio - Especial de Cinema Português
19 Maio - Herzog e Kinski - Maiores Amigos, Maiores Inimigos
26 Maio - Cinema Político Italiano
2 Junho - (Semana de Descanso)
9 Junho - Nagisa Oshima
16 Junho - Os Westerns Psicológicos de Anthony Mann e James Stewart
23 Junho - Nélson Pereira dos Santos
30 Junho - Piratas e Corsários
7 Julho - Terror Japonês dos Anos 60
14 Julho - Ingmar Bergman - Parte 1
21 Julho - Lisboa
28 Julho - Ray Harryhausen
4 Agosto - Terror Gótico Italiano
Amor e Morte (Mouchette) 1967
Mouchette é uma jovem que vive no campo. A mãe está a morrer, e o pai não toma conta dela. Mouchette mantém-se silenciosa perante as humilhações que sofre. Uma noite encontra Arsene, um caçador da aldeia, que acabou de matar o policia da zona, e tenta usar Mouchette como álibi.
O filme mais pessimista de Bresson, e também o mais controverso. É um retrato desolador da descida de uma jovem à miséria e auto-destruição. Todos os temas habituais em Bresson estão presentes, como a fé, o martírio e a redenção, mas são criados a partir de um conto muito mais sombrio do que os restantes filmes de Bresson, e o efeito é tanto comovente como profundamente chocante.
Embora a maioria dos filmes franceses apresentem um ponto de vista romantizado do campo, e do interior, aqui ele é apresentado como uma realidade bastante dura, com os seus campos enlameados, casas degradadas e rivalidades mesquinhas. A tecnologia moderna intromete-se, mas parece não oferecer solução para a vida dos pobres camponeses.
Este cenário sombrio é atravessado por uma adolescente que tem uma vida totalmente inútil. Ela não tem nada, e permite ser saco de pancada de tudo e de todos. Os poucos momentos de prazer que ela pode ter rapidamente se tornam em veneno, atirando-a ainda mais para baixo, num espiral descendente de desespero.
Com mais uma grande interpretação de um actor/actriz não profissional, aqui Nadine Nortier, este conto intemporal de sofrimento e de dor, continua a ser tão actual como era em 1967. A tecnologia e o aumento da prosperidade mudaram a vida a muitas pessoas, mas continua a haver muitas Mouchettes, vítimas invisíveis de um mundo cruel e insensível. Tendo isto em conta, provavelmente "Mouchette" tem mais importância social do que qualquer outro filme de Bresson, embora tenha causado uma tempestade de controvérsia quando foi estreado em 1967. Ganhou dois prémios no festival de Cannes de 1967, mas acabou por perder a Palma de Ouro.
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quinta-feira, 8 de maio de 2014
Algumas considerações:
Aqui ficam algumas considerações sobre o My Two Thousand Movies, e sobre mim:
1) Esta semana fui entrevistado para o programa "Um Lance no Escuro", da Rádio Autónoma. Podem ouvir o podcast da entrevista aqui.
2) Na próxima semana, interrompendo a programação habitual, vamos ter mais um especial dedicado ao cinema português. Por agora não digo mais nada, a não ser que vai ser uma das semanas mais importantes de sempre, do blog.
3) Quem andar pelo facebook pode juntar-se a nós no grupo My Two Thousand Movies, ficar a saber sobre alguns ciclos em antecipação, e participar em discussões com outros leitores do blog.
Por agora é tudo.
1) Esta semana fui entrevistado para o programa "Um Lance no Escuro", da Rádio Autónoma. Podem ouvir o podcast da entrevista aqui.
2) Na próxima semana, interrompendo a programação habitual, vamos ter mais um especial dedicado ao cinema português. Por agora não digo mais nada, a não ser que vai ser uma das semanas mais importantes de sempre, do blog.
3) Quem andar pelo facebook pode juntar-se a nós no grupo My Two Thousand Movies, ficar a saber sobre alguns ciclos em antecipação, e participar em discussões com outros leitores do blog.
Por agora é tudo.
Peregrinação Exemplar (Au hasard Balthazar) 1966
A triste vida e a morte de Balthazar, um burro, desde uma infância feliz cercada de crianças, até à idade adulta, onde era tratado como uma besta de carga. A sua vida é contada em paralelo com o da jovem que lhe deu o nome, e enquanto a vemos ser humilhada pelo amante sádico, vemos Balthazar a ser espancado pelo dono. Mas ele encontrará uma certa paz quando vai parar ás mãos de um moleiro, que o trata como a reencarnação de um santo...
De certa forma, um burro poderia ser a perfeita encarnação bressoniana, porque o realizador tinha o hábito de desencorajar os seus actores de exprimirem qualquer emoção, obrigando-os a repetirem a mesma cena vezes sem conta, até eles simplesmente pararem de representar, e serem eles próprios. Isto poderia tornar os seus personagens aborrecidos, mas o efeito é o contrário, porque o espectador assim é obrigado a procurar e encontrar emoção nos diálogos, nas situações, e na história. Os pequenos detalhes tornam-se muito importantes, e os temas recorrentes na filmografia de Bresson, como o Amor, a Morte, o Sofrimento, e a Redenção contam tudo o que é preciso contar sobre a vida, inclusivé a vida de um simples burro.
Este filme, é com La Passion de Jeanne d'Arc (1928), de Carl T. Dreyer, um grande exemplo do cinema transcendente. Os dois são obras primas de uma pureza inigualável, filmes pungentes, que utilizam a linguagem do cinema para expressar de modo mais directo as mais básicas verdades da experiência humana. Ambos invocam a Paixão de Cristo, num caso através do martírio de Joana D'Arc, e no outro através da vida de sofrimento de um burro, mas o seu interesse não se limita apenas ao foco religioso. O que estes dois filmes nos mostram, é que o sofrimento é uma parte essencial da nossa existência, e que nos permite em ser muito mais do que meras criaturas de carne e osso. Negando a nossa capacidade de sentir dor física e emocional, o que seria de nós seres humanos?
As alusões bíblicas são numerosas, e a sensibilidade católica estava sempre bem presente nos filmes de Bresson, que, tal como Kubrick, recusava-se a explicar os seus filmes, mas deixava que eles falassem por si. Um dos hábitos dos filmes do realizador, é falar do poder do transcendental num mundo imperfeito e por vezes cruel. Ou seja, ele está preocupado com a graça, com a crença num amor divino,fazendo-nos suportar a dor, com a crença de que algo melhor irá acontecer num mundo seguinte.
Ganhou três prémios no Festival de Veneza de 1966.
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quarta-feira, 7 de maio de 2014
O Carteirista (Pickpocket) 1959
Michel tem um hobby como carteirista. É preso e logo de seguida é-lhe dada a oportunidade de reflectir sobre a moralidade do crime, e chega à conclusão de que é um cidadão privilegiado, e que não precisa de seguir as regras normais da sociedade. Incapaz de encontrar trabalho, ele vira as costas para a sua mãe doente e os poucos amigos que tem, para seguir uma carreira de carteirista profissional. Só que esta profissão depressa se torna num vício perigoso...
Um dos mais intensos filmes de Robert Bresson, "Pickpocket" é um poderoso estudo sobre o pecado e a redenção, que merece estar classificado entre os melhores filmes franceses da década de 50. O filme segue a história de um dos mais famosos romances de Dostoevsky, "Crime e Castigo", onde o personagem central argumenta que o crime é uma actividade justificável para uma certa classe superiora. Tal como em "Journal d'un Curé de Campagne" a narrativa é guiada pela voz interior do protagonista, uma técnica que não só reforça a alienação do personagem, mas também nos dá a única pista para a sua psicologia estranhamente evasiva.
Nada sobre Michel é revelado através das suas expressões faciais, linguagem corporal ou maneirismos de fala. Martin LaSalle era um actor não profissional treinado por Bresson para não mostrar qualquer emoção na sua interpretação. LaSalle mostrou ser um dos melhores actores-modelo de Bresson, e expõe o seu conflito interno de uma maneira muito subtil. Michel não é o tipo de personagem que uma audiência simpatize facilmente, mas de alguma forma LaSalle obriga-nos a indentificar-nos com ele, trazendo ao cimo a bondade que está escondida no fundo da sua personalidade conturbada.
O estilo visual é impressionante, e bem diferente dos restantes filmes franceses do mesmo período, da Nouvelle Vague, sem a austeridade fria que se tinha tornado na marca de Bresson. Filma-se em exteriores, pelas ruas de Paris, com luz natural para dar um maior realismo. Ao mesmo tempo é um filme muito diferente dos de Godard, Truffaut e companhia, um trabalho mais contemplativo e sombrio. Também há ecos do filme noir, em que o personagem principal, uma espécie de anti-herói solitário, parece estar excluido do mundo onde habita, com o seu destino a ser regido por forças que estão para lá do seu controle, e por uma mulher por ele se apaixona.
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terça-feira, 6 de maio de 2014
Fugiu Um Condenado à Morte (Un Condamné à Mort s'est Échappé ou Le Vent Souffle où il Veut) 1956
Filme verídico, baseado nas memórias de Andre Devigny, um activista da resistência francesa é preso pelos Nazis, e passa as suas horas de encarceramento a planear uma fuga. No mesmo dia que é condenado à morte recebe um novo colega de cela. Deverá matá-lo? Ou arriscar-se a revelar o seu plano a um oficial da Gestapo?
Muito tem sido escrito sobre este filme de Robert Bresson de 1956, visto como um sublime exemplo do estilo meticuloso do realizador, mas o que os novatos para a filmografia de Bresson vão descobrir, é um sentimento contemporâneo: sem um único shot desperdiçado, ou uma sequência não necessária, "Fugiu Um Condenado à Morte" é o protótipo filme de fuga da prisão, que transcende muitas das futuras imitações, porque as reviravoltas no enredo estão directamente ligadas às necessidades da personagem principal.
"Fugiu Um Condenado à Morte" é muita vez considerado um filme minimalista, pelo seu foco numa única personagem, e um elevado uso do silêncio e do diálogo racionalizado, embora isto não reconheça a densidade, e o ritmo acelerado com que o filme acontece. Bresson pode dedicar muito tempo aos pequenos detalhes, masas sempre o faz com um propósito.
Foi um filme muito importante para Bresson. O seu maior sucesso comercial, e um dos maiores a nível crítico, acabou por ganhar o prémio de Melhor Realizador em Cannes onde competia com alguns ferozes rivais: Ingmar Bergman (O Sétimo Selo), Federico Fellini (Noites de Cabiria), entre outros.Uma obra-prima do expressionismo realista.
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Legendas
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segunda-feira, 5 de maio de 2014
Diário dum Pároco de Aldeia (Journal d'un Curé de Campagne) 1951
O padre (Claude Laylu) da pequena cidade de Ambricourt, descobre que a sua juventude e inexperiência resultam na pouca fé que a população tem sobre ele. Mesmo as crianças e os seus próprios colaboradores o atormentam, e embora essas ameaças externas atormentem o seu pensamento, é a agitação interna que o preocupa mais, e a sua incapacidade de encontrar a paz espiritual.
O conflito interno manifesta-se na sua dieta, que consiste em pão e vinho, baseado nos sacramentos da comunhão. Embora desta dieta seja obrigatória causada pelos problemas no estômago do padre, que o colocam num estado perpétuo de comunhão, colocando-se frequentemente no tumulto do sofrimento de Cristo, quando foi levado à crucificação. O sofrimento deste jovem sacerdote torna-se uma imagem de cristo. Bresson ao longo da sua carreira dirigiu actores em poses e inclinações que evocavam pinturas religiosas clássicas, e isso é mais visível em "Diário dum Pároco de Aldeia". Alguns comentadores sugerem que Bresson tem o mesmo lugar no cinema que o personagem do título tem para o clero, protestando contra a praticidade e mantendo a sua visão.
"Diário dum Pároco de Aldeia" baseia-se numa novela então popular, marcando a mais completa revelação de princípios aplicados aos filmes de Bresson: composição cinematográfica meticulosa, e uma dependência de actores não profissionais, evitando muitos aspectos da manipulação melodramática, a fim de transmitir uma sensação mas real, onde as pessoas reajam mais genuinamente aos acontecimentos passados na tela, especialmente como esses acontecimentos afectam o seu interior, a vida espiritual. O relativo sucesso deste filme provavelmente fortaleceu a determinação de Bresson em perseguir o seu estilo idealista, e o alto valor artistico das suas produções posteriores, que por sua vez originaram uma enorme aclamação da crítica.
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sábado, 3 de maio de 2014
Robert Bresson
Robert Bresson fez apenas 13 longas-metragens ao longo de 40 anos, mas mesmo assim tem um dos mais originais e brilhantes trabalhos na história do cinema. É o mais crítico e intransigente de todos os grandes realizadores, uma vez que sempre tentou criar exactamente o que queria, sem se render a compromissos comerciais ou de popularidade, ou preconceitos de que o cinema deve ser acessível a todos.
Nascido no interior de França, mas criado em Paris, a ambição principal de Bresson era de ser pintor. Iniciou-se no cinema com Les Affaires publiques (1934), uma sátira que se pensou estar perdida, mas redescoberta nos anos 80. Depois de mais de um ano como prisioneiro de guerra, foi convidado por um padre de Paris para fazer Les Anges du péché (1943). O seu filme seguinte foi também realizado durante a ocupação, e pode então dizer-se que finalmente o cinema suplantou a pintura.
Existem três grandes influências na carreira de Bresson: o catolicismo, a sua experiência como pintor, e os seus anos como prisioneiro de guerra. Estas influências manifestam-se nos temas recorrentes da sua obra, na precisão extrema com que ele compõe cada shot, ou no uso frequente do tema da prisão.
A reputação de Bresson nunca vacilou, e comparações de Godard com Dostoevsky e Mozart foram ouvidas inúmeras vezes. Era um homem de grande cortesia, recebia convidados em casa com grande alegria, e respondia sempre a cartas enviadas pelos seus fãs. David Thomson escreveu que os filmes de Bresson "surpass beauty, in both intention and effect, and stress necessity".
Esta semana vamos visitar uma parte da sua obra, pelo menos as suas obras mais importantes.
Para começar, e para vos abrir o apetite, fiquem com o documentário "Road to Bresson". Aqui.
A programação da semana vai ser a seguinte:
Segunda: "Journal d'un Curé de Campagne" (1951)
Terça: "Un Condamné à Mort s'est Échappé ou Le Vent Souffle où il Veut" (1956)
Quarta: "Pickpocket" (1959)
Quinta: "Au Hasard Balthazar" (1966)
Sexta: Mouchette (1967)
Nascido no interior de França, mas criado em Paris, a ambição principal de Bresson era de ser pintor. Iniciou-se no cinema com Les Affaires publiques (1934), uma sátira que se pensou estar perdida, mas redescoberta nos anos 80. Depois de mais de um ano como prisioneiro de guerra, foi convidado por um padre de Paris para fazer Les Anges du péché (1943). O seu filme seguinte foi também realizado durante a ocupação, e pode então dizer-se que finalmente o cinema suplantou a pintura.
Existem três grandes influências na carreira de Bresson: o catolicismo, a sua experiência como pintor, e os seus anos como prisioneiro de guerra. Estas influências manifestam-se nos temas recorrentes da sua obra, na precisão extrema com que ele compõe cada shot, ou no uso frequente do tema da prisão.
A reputação de Bresson nunca vacilou, e comparações de Godard com Dostoevsky e Mozart foram ouvidas inúmeras vezes. Era um homem de grande cortesia, recebia convidados em casa com grande alegria, e respondia sempre a cartas enviadas pelos seus fãs. David Thomson escreveu que os filmes de Bresson "surpass beauty, in both intention and effect, and stress necessity".
Esta semana vamos visitar uma parte da sua obra, pelo menos as suas obras mais importantes.
Para começar, e para vos abrir o apetite, fiquem com o documentário "Road to Bresson". Aqui.
A programação da semana vai ser a seguinte:
Segunda: "Journal d'un Curé de Campagne" (1951)
Terça: "Un Condamné à Mort s'est Échappé ou Le Vent Souffle où il Veut" (1956)
Quarta: "Pickpocket" (1959)
Quinta: "Au Hasard Balthazar" (1966)
Sexta: Mouchette (1967)
Godzilla Vs. Mechagodzilla (Gojira tai Mekagojira) 1974
Aliens com aspecto de macacos tentam dominar a Terra, e no caso de Godzilla interferir constroem uma versão mecânica dela, para pôr um fim à sua interferência. Os seres humanos convocam o lendário King Seesar para ajudar Godzilla na batalha.
A primeira era dos filmes de Godzilla estava a chegar ao fim, em parte por causa de um decréscimo nas vendas de bilhetes. Era preciso arranjar alguma coisa interessante, para assegurar o próximo filme, especialmente depois do fracasso que foi "Godzilla Vs. Megalon". "Godzilla Vs. Mechagodzilla" foi mesmo um sucesso, e um dos melhores filmes da série nos anos 70.
As raízes de Mechagodzilla já vinham desde "King Kong Escapes", quando a Toho criou um inimigo para King Kong na forma de um robot gigante, desenhado à sua imagem. Enquanto que o King Kong robótico parecia um robot animado, e muito mal desenhado, a Godzilla mecânica era um monstro muito melhor desenhado, e muito mais ameaçador. E uma coisa que fica aqui bem clara, é que Godzilla é o herói. Não apenas é assim considerado por uma profecia como tal, como irá ser a esperança da Terra no combate contra o monstro mecânico, embora irá ter a ajuda de um outro lendário monstro.
O sucesso deste filme iria originar uma sequela dentro da própria série, chamada "Terror of Mechagodzilla".
Legendas em inglês.
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sexta-feira, 2 de maio de 2014
Destroy All Monsters (Kaijû Sôshingeki) 1968
Em 1999 muitos dos monstros da Terra estão aprisionados em Monsterland, na ilha de Ogasawara. Este local, uma reserva ecológica, permite aos cientistas estudarem o comportamento dos monstros. A paz é de curta duração, com a base a ser atacada por uma raça extraterrestre chamada Kilaakian. Depois de controlarem todos os seres vivos da ilha, eles enviam os monstros para um ataque global. A nave Moonlight SY-3 é enviada para a Terra, para investigar quem são estes extraterrestres, e como conseguem controlar as mentes.
A popularidade de Godzilla estava em declínio no final dos anos 60, tanto no Japão como no resto do mundo. Como resultado, o manager da Toho decretou que "Destroy All Monsters" seria o último filme de Godzilla, e decidiu que o último filme teria de ser uma despedida em grande, e assim foi-lhe dado um orçamento bastante chorudo. O dinheiro extra desviado para este filme significava monstros, muitos monstros. Assim se dava inicio a uma batalha épica com Godzilla, Mothra, Rodan, Anguirus, Gorosaurus, Kumonga, Manda, Varan and Ghidorah. Seria o equivalente a um "Avengers" dos tempos recentes.
Demora algum tempo a apresentar cada um dos monstros separadamente em pequenos cameos, até que termina numa batalha épica com todos os monstros presentes. No final unem-se para destruir Ghidorah, sempre considerado a maior ameaça. O resultado acabaria por muito agradável, e este acabaria por ser um dos melhores filmes da série, que desta forma não acabaria por aqui.
Legendas em inglês.
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quinta-feira, 1 de maio de 2014
Son of Godzilla (Kaijûtô no Kessen: Gojira no Musuko) 1967
Experiências com radiação numa ilha criam louva-a-deus e aranhas gigantes. Os cientistas também descobrem um ovo gigante, que depois de chocado revela-se ser o filho de Godzilla. Com muitos monstros desagradáveis à espreita, cabe a Godzilla proteger o seu querido filho.
"Son of Godzilla" foi realizado em 1967, naquele que é considerado o ano do boom dos filmes "Kaiju", já que todos os quatro maiores estúdios japoneses lançaram um, ou mais, filmes de monstros. Este, com "King Kong Escapes" eram produções da Toho, com o seu maior rival, a Daei, a produzir o terceiro filme da série Gamera, lançado no Ocidente como "Return of the Giant Monsters". Os estúdios Shochiku e Nikkatsu também lançavam os seus filmes.
Com tantos rivais, e numa tentativa de fazer a série Godzilla mais atraente para o público mais juvenil, os Toho lançaram a pequena criatura Minya, o filho de Godzilla, que é aquilo que se pode chamar de "um enorme chato". Assim nasceu um dos piores pesadelos para o terrível monstro, que em vez de destruir Tóquio ou derrotar invasores extraterrestres, tem agora de manter e proteger o filho longe do perigo, coisa que ele não consegue fazer. Esta era assim a entrada mais cómica na série até então.
Aqui, Godzilla é mais uma personagem de desenhos animados do que a besta feroz que em tempos foi, o boneco que é o filho de Godzilla também é uma figura bastante cómica, e o filme vale por isso mesmo, e deve servir-se como uma curiosidade apenas.
Legendas em inglês.
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