sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O Último Ano em Marienbad (L'année Dernière à Marienbad) 1961



Num enorme, e antigo hotel de luxo, um estranho tenta convencer uma mulher casada a fugir com ele, mas parece que ela mal se lembra do caso que presumivelmente tiveram (ou não), no ano anterior em Marienbad.
"L’année dernière à Marienbad", a segunda longa-metragem de ficção de Alain Resnais, e a primeira escrita pelo famoso novelista Alain Robbe-Grillet, e é muito mais do que qualquer coisa designada para provocar uma resposta. Quando estreou em 1961, estreia que até esteve quase para não acontecer uma vez que os distribuidores franceses rejeitaram-no até ele começar a causar reboliço nos festivais de cinema, tendo vencido o Leão de Ouro no festival de Veneza e dividido os críticos e a audiência: muitos diziam que tinham acabado de testemunhar uma obra-prima moderna, uma reinvenção literal dos parâmetros da linguagem cinematográfica, outros diziam que tinham acabado de perder 94 minutos com as pretensões de um autor fantasiasta, um filme vazio e sem sentido que levava os seus admiradores a pensarem que tinham visto algo importante. A divisão entre as pessoas era tão grande, que o jornal Le Monde conduziu uma poll depois do filme ter estreado durante quase um ano, para depois publicarem as conclusões numa página inteira, com os "pros" e os "contras" de verem o filme. Era exactamente isto que Resnais e  Robbe-Grillet queriam, fazer um filme que incitasse e provocasse as pessoas, obrigando-as a falarem sobre o seu significado, e nesse aspecto conseguiram ultrapassar as expectativas.
A história é propositadamente, quase descaradamente, simples na construção, mas aberta à interpretação de que pode provocar qualquer leitura que lhe queiramos dar. A totalidade da história passa-se dentro de um hotel rico e luxuoso, povoado por homens ricos e mulheres em vestidos de noite, que são pouco mais humanas do que qualquer manequim que se consiga mover. Dando foco à memória e à escorregadia divisão entre realidade e fantasia, L’année dernière à Marienbad é uma extensão natural das idéias e temas do filme anterior de Resnais, "Hiroshima, Mon Amour", que era considerado um dos pináculos da chamada "Nouvelle Vague". Em ambos os filmes encontramos preocupações intelectuais com a natureza fragmentada da memória e as inseguranças das relações humanas são reflectidas nos seus visuais poderosos, por vezes enlouquecedores. Marienbad é um filme frequentemente descrito como de três personagens (o homem, a mulher e o marido), mas há sem dúvida uma quarta personagem, que é o próprio hotel. Resnais e o seu director de fotografia, Sacha Vierny, constroem o filme de composições precisas, e lentos shots que se movem por todo o hotel, fazendo com que os seus longos corredores e salas cavernosas pareçam pulsantes e vivos.

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O Soldado das Sombras (Le Petit Soldat) 1960



Durante a guerra pela independência da Argélia um jovem francês a viver em Genéve, que pertence a uma célula terrorista da extrema-direita, conhece e apaixona-se por uma mulher que pertence a uma célula terrorista da esquerda. Complicações surgem quando aparecem suspeitas de que o homem poderá ser um agente duplo infiltrado...
Depois de se ter estreado com À Bout de Souffle, Jean-Luc Godard tornava-se no futuro campeão do cinema avant-garde, mas metia-se em apuros. Querendo fazer um trabalho focado na guerra Franco-Argelina, decidiu centrar-se no ninho de espionagem na sua cidade natal de Genéve, onde descobriu que poderia fazer um filme ainda mais barato do que o estreante, em Paris. Anunciava nos jornais para protagonista uma jovem actriz sua namorada, uma dinamarquesa de apenas 17 anos chamada Anna Karina, e que seria a sua futura esposa e musa.
"Le Petit Soldat" era o segundo filme de Godard, mas não seria visto como o seu segundo. Foi banido pelas autoridades francesas durante três anos, período no qual ele se desenvolveu como realizador. "Le Petit Soldat" passava a ser uma espécie de filme perdido, e muito mal tratado, mas abria caminho para um precursor, uma obra verdadeiramente anárquica, chamada Weekend" (1967).
Tal como em todos os filmes do realizador, existe um conflito entre o discurso intelectual e a sensualidade cinematográfica. Godard volta-se muito para a imagem visual como poderosa condutora de sentimentos, tal como é visto em alguns longos e demorados close-ups de Karina. É muito mais do que um conflito entre compromisso e estética, eles misturam-se de uma forma poderosa, como se o sentido do cinema de Godard fosse impossível de separar do seu senso político. Politicamente o filme de Godard era um assunto muito quente por esta altura, com a guerra da Argélia a estar na ordem do dia. A abordagem de Godard incluía um pouco de retórica inflamatória, como uma cena de tortura perturbadora, que seria demais para os censores da altura, e que só deixaram o filme ser liberto três anos depois, quando a guerra da Argélia terminou.

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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Zazie no Metro (Zazie Dans le Métro) 1960



Uma farsa alegre que mostra uma visão satírica sobre a sociedade francesa: Zazie, uma jovem de 12 anos de idade tem de ficar dois dias com os familiares em Paris, para que a mãe possa passar algum tempo com o amante. No entanto, Zazie consegue fugir à custódia do tio, e explorar Paris por ela mesmo...
Demonstrando cedo que era um realizador que não podia ser classificado em termos de história e estilo, Louis Malle escolheu seguir os seus dois primeiros filmes, o tenso "Fim de Semana no Ascensor", e o escandaloso "Os Amantes",  com uma adaptação de Raymond Queneau recentemente publicada, e extremamente popular, chamada "Zazie dans le métro". A história de uma jovem da província explorando Paris num longo fim de semana foi logo considerada infilmável, porque o seu tema era a linguagem. Queneau, um homem renascentista  cujos interesses e educação iam desde a matemática à filosofia escreveu o livro num francês coloquial e encheu-o de curvas cómicas nas frases, neologismos, transições fonéticas, a maioria das quais seriam perdidas no grande ecrã.
Mas isso não impediu Malle, que com a colaboração de Jean-Paul Rappeneau adaptaram o romance de Queneau, usando análogos visuais para o jogo de palavras do autor. O resultado é um filme em live-action que parece uma história em banda desenhada prolongada. Rodado nos arredores e em Paris, em cores brilhantes e vivas que por vezes parecem um pouco irreais, Zazie Dans le Métro é sobretudo um compêndio visual, a rebentar pelas costuras com gags visuais, truques de montagem, e movimentos de câmera distorcidos, que contribuem para um sentimento geral de puro absurdo (no bom sentido). Algures pelo meio das travessuras, encontramos uma crítica à vida parisiense moderna, mas qualquer intenções intelectuais ou filosóficas são derrubadas pelas imagens inquietas do filme, pelo ritmo hiperativo, e pelo sentimento global de anarquia.  

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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Os Olhos Sem Rosto (Les Yeux Sans Visage) 1960



O tipo de filme de terror normalmente referido como "poético", mas que poderia facilmente ser descrito como "lento", "Les Yeux Sans Visage" é um marco no filme de género pelo simples facto de que mostra apenas o quanto assustador algo tão simples como uma máscara pode ser. Livre e limpo como os filmes de terror modernos são barrocos, "Les Yeux Sans Visage" é um filme acerca de um génio louco, mas qual é o génio que não tem um pouco louco? O médico, o Dr. Génessier (Pierre Brassuer), com uma predilecção para a realização de transplantes de tecidos vivos e cuja filha acaba de morrer num acidente de carro, deixando-o a bater mal na sua propriedade enorme, fora de Paris, com a sua fiel assistente, Louise (Alida Valli). Mas a filha do médico, Christiane (Edith Scob), não está morta, mas sim com o rosto terrivelmente desfigurado, fica sozinha no quarto (sem espelhos) usando uma simples máscara branca, enquanto o médico trabalha para lhe devolver o rosto.
O problema com a sua técnica é que ela requer novos tecidos, e por isso uma série de jovens parisienses começaram a desaparecer nos últimos tempos, guiadas para um pérfido destino por Louise, cujo próprio rosto tinha sido perfeitamente restaurado pelo médico, e que agora o segue como uma serva, embora seja capaz de tudo pelo patrão. O realizador Georges Franju traz a esta triste história, pelos autores de Diabolique e Vertigo, Pierre Boileau e Thomas Narcejac, um humor irónico, por vezes ajudado pela maravilhosa banda-sonora de Maurice Jarre. Mas o tom aqui é muito mais uma afluência da alienação, como Christiane, possivelmente levada à loucura pelo trauma, perambula na sua máscara branca e preocupada como é perfeitamente compreensível, com os dilemas sobre os métodos do seu pai. Embora este filme tenha alguns toques surreais admiravelmente leves, sabe como manter os choques para os momentos certos, que não podem superar a ligeireza da história, o excesso de confiança do filme na sua imagem central da mascarada Christiane (que, deve-se dizer, a sua figura fica gravada na nossa mente durante alguns dias). Inspirado por Jean Cocteau, assim como por Tod Browning ou Jacques Tourneur "Les Yeux Sans Visage" é um filme assombroso, quase hiper-real. Cada sequência tem uma precisão inevitável, o mesmo sentido de destino inelutável que gira em Vertigo, dos mesmos autores.

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As Boas Mulheres (Les Bonnes Femmes) 1960



Ginette, Rita, Jacqueline e Jane são quatro mulheres que tentam encontrar satisfação nas suas vidas. Rita tem um noivo cuja família é obcecada com a vida social. Jane tem um namorado no exército,  mas não exita em divertir-se em encontros casuais. Ginette tem um segredo que a mantém afastada das amigas à noite. Jacqueline é a mais solitária, mas quem é aquele misterioso motociclista que a persegue constantemente?
Ginette (Stéphane Audran) é a mais misteriosa de todas, a única do grupo que não se define em relação aos homens. De todas elas, é a única que faz algo para si própria, não parecendo pensar em paixão ou homens, apenas se preocupando com aquilo que faz, porque gosta.
Através da observação das outras três mulheres Chabrol explora a natureza das relações entre os homens e as mulheres, e o retrato que pinta não é bonito. É muitas vezes catalogado como comédia, mas debaixo da superfície existe muito cinismo, e muita amargura acerca no sentido do amor ser romântico. Existem três  modelos diferentes sobre o amor nesta película, cada um representado pelas amigas de Ginette.
Quarto filme de Claude Chabrol, mas muitos consideram ser o seu primeiro, já que era o primeiro onde o seu estilo estava claramente visível. Chabrol renuncia aos elementos melodramáticos e narrativas dos seus dois primeiros filmes, assim como a influência Hitchcokiana que foi "À Double Tour". Depois desta grande produção ele volta aos filmes de orçamento menor, ao realismo presente nos seus dois primeiros filmes, adoptando um estilo mais áspero do que nessas duas obras, além de se completar com uma sagacidade imprevisível. 
Embora agora seja considerado um dos filmes mais importantes da Nouvelle Vague enfrentou uma série de críticas negativas na altura que saíu. Hoje, o filme é visto mais como um drama social, e é provavelmente o filme mais realista de Chabrol. Na década de sessenta, mesmo estando longe de ser a representação romântica de como as mulheres lidavam com o vida, resultou numa reacção pública muito feroz, que teve consequências posteriores na carreira do realizador. Nos anos seguintes, Chabrol ficaria preso a assuntos muito mais seguros, tornando-o no menos ousado dos seus compatriotas da Nouvelle Vague.
Hoje em dia, é difícil perceber a controvérsia que o filme gerou. Alguns críticos consideram-no uma obra-prima, um retrato perceptivo sobre jovens mulheres que enfrentam um futuro de tédio conjugal e vidas profissionais não realizadas. Talvez mais ousado do que o filme, é a forma como ele é filmado e montado, muito mais próximo do que é a nossa noção de Nouvelle Vague, e um contraste total com os futuros filmes de Chabrol.
Legendado em inglês.

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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Disparem Sobre o Pianista (Tirez Sur le Pianiste) 1960



Charlie Kohler é um pianista empregado num bar, e por quem a empregada de mesa Lena está apaixonada. Um dos irmãos de Charlie, Chico, um fora da lei, refugia-se no bar, porque é perseguido por dois gangsters, Momo e Ernest. Vamos descobrir que o verdadeiro nome de Charlie é Edouard Saroyan, antes um famoso pianista que desistiu depois do suicídio da sua mulher. Charlie agora vai ter de lidar com Chico, Momo, Ernest, Fido (o seu irmão mais novo), e Lena...
Segundo filme de François Truffaut, e primeira viagem do realizador pelo submundo do crime, adaptando uma novela de David Goodis, autor da história original do que seria o filme de Bacall e Bogart, Dark Passage. O resultado, "Tirez sur le Pianiste", é um policial pouco convencional, e de certa forma sente-se como mais perto do território do Godard, do que qualquer outro filme que Truffaut tenha feito, algo como um pastiche de género. Contém muitos pontos em comum com o film noir: um protagonista com um passado assombrado, um longo flashback, mortes trágicas, personagens obscuras, tiroteios, bares esfumaçantes e uma música sensual. 
Há uma sensação de que qualquer coisa pode acontecer, que vale a pena explorar qualquer detalhe...mas ainda assim os personagens têm um destino a cumprir. Mesmo num noir da Nouvelle Vague o destino tem a palavra final. A vivacidade da realização, montagem e fotografia servem apenas de contraponto para a dura realidade vivida no submundo do crime, da fragilidade humana diante de um mundo dificil. 
As interpretações principais são todas muito interessantes. Temos um Charles Aznavour de queixo quadrado e olhos tristes, a fazer um protagonista convincente, Marie Dubois como uma mulher bonita e leal, e um Albert Rémy a transportar a mesma aura de maldade que trouxe para "Les Quatre Cents Coups". Com uma série de surpresas, e uma excelente banda sonora de Georges Delerue, Truffaut consegue construír um dos seus mais memoráveis e divertidos filmes, cheio de momentos maravilhosos. 

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domingo, 23 de fevereiro de 2014

Em breve:

O ciclo da Nouvelle Vague vai prolongar-se por quase todo o mês de Março. Ainda sem data marcada, aqui ficam dois ciclos a seguir aqui nos próximos meses.

Sexta Geração do Cinema Chinês:



O Cinema Político Italiano:




Em breve haverá mais novidades.
Boa semana.

PS.
Aqui fica uma lista de possíveis ciclos para 2014:
- Cold War Cinema 1948–1964
- Raoul Walsh
- Nélson Pereira dos Santos
- Alex Cox
- Robert Bresson
- Ingmar Bergman
- Blaxpoitation
- Colectivo Dogma 95
- Film Noir
- Giallo
- Terror Gótico Italiano
- Kaiju - Japanese Sci Fi
- Cinema da América Latina
- Dystopian Cinema
- Pink violence
- Escola Polaca
- Ray Harryhausen
- Slasher Movies
- O Western
- New Wave do Cinema Inglês
- Mario Bava
- Sergei Eisenstein
- Cinema Indiano
- O Cinema e o Mar
- Novo Cinema Alemão
- Actor's Studio
- O Cinema e o Direito
- Bela Tarr
- Valerio Zurlini
- Capa e Espada
- Piratas e Corsários
- Cinema Africano

O Acossado (À Bout de Souffle) 1959



Michel Poiccard é um sociopata irresponsável, rouba um carro e impulsivamente assassina o polícia que o persegue. Passa a ser perseguido pela polícia, e entretanto retoma a sua relação com a jovem hippie americana Patricia Franchini, uma estudante de jornalismo que conheceu umas semanas antes em Nice. Antes de fugir de Paris ele planeia cobrar uma antiga dívida do submundo do crime, e acredita que Patricia o acompanhará no seu plano de fuga para Itália. Mas a polícia está cada vez mais perto...
A Nouvelle Vague já estava em andamento quando "O Acossado", de Jean-Luc Godard, viu a luz do dia, em 1960, uma homenagem aos filmes de gangsters de série B, que enviou este movimento para a estratosfera. "Hiroshima, mon Amour" e "Les Quatre Cents Coups" tinham estreado no ano anterior, e os dois (especialmente o de Truffaut) tinham sido bastante aclamados, tanto pelo público como pela crítica. Contudo, foi "O Acossado" que seria reconhecido como um filme absolutamente revolucionário, com a sua técnica de jump cuts, e o grande trabalho de câmera pelas ruas de Paris. Faltou o polimento de Truffaut, e o romantismo intelectual de Resnais, porque esta era uma obra rude, mas ainda mais bonita pela recusa de jogar conforme as regras.
Godard descreveu-o como "o tipo de filme onde vale tudo", e estava consciente de que tentava reinventar a idéia do que um filme mainstream poderia fazer, procurando inspiração tanto nos tradicionais filmes de avant-garde como nos filmes americanos de género. A história, originalmente escrita por Truffaut, é a base principal do filme, mas não é o mais importante. A revolução neste filme veio do uso inebriante do chocante estilo cinematográfico para refletir a vida e as atitudes dos seus jovens personagens (Belmondo e Jean Seberg). Godard utiliza a estética neo-realista da câmera na mão, luz natural, e filmagens em exteriores, injectando-lhe uma dose de cortes rápidos e saltos narrativos, dando ao filme uma inesperada qualidade que reflecte a velocidade da vida moderna, assim como ataca a lentidão da maioria dos filmes dos anos 50. Godard, e os outros realizadores da Nouvelle Vague queriam destruir convenções e reinventá-las pelos seus próprios termos, e este foi sem dúvida o filme onde isso estava mais facilmente visível.
"O Acossado" foi o filme que, mais do que qualquer outro, explodiu com as convenções e sugeriu um cinema francês alternativo. Era a mistura perfeita, onde todas as peças se encaixavam. No processo transformou Jean-Paul Belmondo numa das principais estrelas do cinema francês.

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Hiroshima Meu Amor (Hiroshima, Mon Amour) 1959



1959. Uma jovem francesa passa a noite com um japonês, em Hiroshima, onde ela foi participar num filme sobre a paz. Ele lembra-a do primeiro homem que amou, um soldado alemão durante a Segunda Guerra Mundial.
Filme de estreia de Alain Resnais, "Hiroshima, Mom Amour" (depois de uma longa série de documentários, que incluía o enorme "Nuit et Bruillard") foi também um dos filmes mais importantes deste início da Nouvelle Vague. Passados tantos anos continua a ser uma obra potente, intelectualmente estimulante, um exame continuo dos laços que ligam as nações, e os laços de experiência que as separam. O argumento, escrito pela novelista e futura realizadora Marguerita Duras mantém a história a um nível completamente abstracto.
À medida que o filme fluí entre os diálogos do casal, e imagens do passado da mulher, Resnais e Duras debruçam-se sobre as diferentes experiências de guerra entre os franceses e os japoneses, e as barreiras para a verdadeira compreensão. Na famosa abertura do filme os dois amantes falam em voz off enquanto imagens ilustram a conversa acerca da tragédia de Hiroshima. A mulher acredita que percebe o que aconteceu, porque ela viu a cidade reconstruída, visitou o museu onde fotografias e objectos testemunham a destruição de Hiroshima, e viu os filmes onde ficaram gravados todos estes horrores. Enquanto isso, o homem continua a insistir que ela não viu nada, e não entende o que aconteceu. Esta abertura, em que os amantes apenas aparecem como partes de corpos desconexas, cobertos de cinzas quando os seus corpos se abraçam, atiram-nos de volta para os documentários de Resnais. Os primeiros quinze minutos são quase um ensaio, enclausurando os temas e as idéias de Resnais, que são expandidas pelo resto do filme.
Usando um elenco e uma equipa metade japonesa, metade francesa, com exteriores restritos a Nevers, França, e Hiroshima, Japão, esta obra de Resnais é intensa e intimista: dialogo poético, imagens actuais de vítimas da bomba de Hiroshima, uma estrutura revolucionária em flashback e um uso interessante da arquitetura da arquitetura japonesa modernista.
Destaque para a protogonista Emmanuelle Riva, que 50 anos depois a vimos ser nomeada para um Óscar em "Amour".

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Os Muros do Desespero (La Tête Contre les Murs) 1959



Para se livrar do seu filho problemático François (Jean-Pierre Mocky),  Maître Gérane (Jean Galland) interna-o num hospital psiquiátrico, propriedade do Dr. Varmont (Pierre Brasseur), um adepto dos tratamentos tradicionais, em constante conflito com o Dr. Emery (Paul Meurisse), cuja terapia, mais moderna, tem a psicologia dos doentes em conta. François depressa faz amizade com Heurtevent (Charles Aznavour), um jovem epiléptico, e os dois decidem fugir do hospital...
Filme de estreia de Georges Franju (depois de uma carreira notável de curtas metragens), confirmou o seu estatuto como poeta das regiões mais obscuras da mente humana, e uma das visões menos moralistas do cinema de finais dos anos cinquenta, e anos sessenta. A história é a de uma família da classe média que abandona o filho numa instituição mental, depois deste cometer actos irracionais, e actos de vandalismo contra o seu pai.
O filme, baseado num romance de Herve Bazin, foi em grande parte instigado pela sua jovem estrela Jean-Pierre Mocky, que também escreveu o argumento e foi um dos co-produtores. O que faz do filme tão belo, para além das interpretações, é a atmosfera misteriosa criada por Franju. Quando é necessário, ela consegue ser tão dura e realista como o tratamento de Truffaut aos jovens no último quarto de "Les Quatre Cents Coups", noutros momentos ele injecta alguns twists, marcados pelo horror e o irracional. É um filme estranho de se ver, estranhamente erótico, que parece tão húmido e claustrofóbico como a própria prisão do asilo, e a mestria de Franju neste tipo de terreno já era por demais evidente, e atingiria o seu ponto mais alto no filme seguinte.
As legendas estão em português, mas faltam 3 minutos, entre os minutos 14 e 17. Esses 3 minutos que faltam podem tirar em inglês, num ficheiro que está aqui em anexo.

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Legenda dos 3 minutos que faltam em inglês
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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Os Quatrocentos Golpes (Les Quatre Cents Coups) 1959



Um jovem parisiense, Antoine Doinel, negligenciado pelos pais, foge da escola, escapa-se para o cinema, foge de casa, começa a roubar, e tenta (desastrosamente) regressar. Tal como a maioria dos jovens, ele apanha-se em mais sarilhos por coisas que pensa estarem correctas do que pelos seus verdadeiros pecados. Ao contrário da maioria dos jovens, ele leva muita porrada. Habita numa Paris sombria e decadente, uma cidade que parece ser grande e cheia de oportunidades, mas apenas aos olhos de uma criança.
No início dos anos 50, com a ajuda do teórico e critico de cinema André Bazin, um jovem de 20 anos de idade, François Truffaut, começou a escrever regularmente para o jornal "Cahiers du Cinema". Truffaut rapidamente ganhou reputação como um crítico intransigente e cruel, com um sentimento claro de que era grande conhecedor de cinema, embirrando com alguns mestres franceses como Marcel Carné ou René Clair. Depois de casar com Madeleine Morgenstern, filha de um distribuidor de quem Truffaut muitas vezes criticava os filmes, este desafiou-o: "Se sabes tanto, porque não fazes um filme?"
Truffaut aceitou a oferta, e o resultado foi "Les Quatre Cents Coups", um filme que mudaria para sempre a paisagem do cinema francês e mundial. É dificil imaginar como um filme aparentemente tão simples, um retrato autobiográfico de uma juventude em revolta, teria um impacto tão duradouro, mas isso é inegável. Embora teoricamente não tenha sido o primeiro filme da Nouvelle Vague, o sucesso comercial e crítico do filme dava poderes a Truffaut e ao movimento como um todo, de uma forma como nenhum outro filme o fez. Outros filmes o seguiriam, de realizadores como Jean-Luc Godard, Eric Rohmer ou Jacques Rivette, e o cinema nunca mais seria o mesmo. 
"Les Quatre Cents Coups" introduzia-nos ao inesquecível Antoine Doinel, um personagem romântico que se tornaria na figura principal de um quinteto de filmes de Truffaut, durante duas décadas, oferencendo a possibilidade de ver crescer e se tornar adulto um personagem. Doinel seria encarnado em todos os filmes por Jean-Pierre Léaud, ele próprio um rebelde, em quem a personagem foi moldada. 
Fotografado em Widescreen anamórfico a preto e branco, por Henri Decaë, que havia começado com argumentista durante a Segunda Guerra Mundial, e que depois trabalharia com grandes mestres da realização, como Louis Malle, Claude Chabrol ou Roger Vadim, captura o dia a dia da vida de Paris com grande habilidade, no final da década de cinquenta.  Saíu de Cannes com o prémio de melhor realizador, e conseguiu uma nomeação para o Óscar de Melhor Argumento. 

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Pedido de Divórcio (À Double Tour) 1959



Leda, a amante do Monsieur Marcoux é assassinada. A sua esposa e a polícia pensam que o assassino foi o leiteiro, o amigo da empregada, mas o namorado da filha de Marcoux, Laszlo (Jean-Paul Belmondo), acha que as coisas não são assim tão simples...
Terceiro filme de Chabrol, e o primeiro filmado a cores, é um thriller Hitchcockiano extremamente estilizado, que prefigurava as preocupações do realizador de dilacerar as preocupações da unidade familiar burguesa, através do assassínio e do melodrama. É um filme sensacionalista e bizarro, cheio de ângulos difíceis e cores berrantes, com o seu argumento complicado com flashbacks em que os eventos são sempre filtrados pela sensibilidade. Chabrol é violento e divertido em relação à família burguesa, desmanchando-a a partir de dentro, ridicularizando a rigidez e a formalidade que disfarçam tantas verdades sórdidas.
O desempenho de Belmondo como Laszlo é um dos destaques do filme. Um homem perturbador e de espírito livre, uma presença imprevisível, a rasgar os acontecimentos só porque pode. Laszlo é tudo o que a família burguesa não é, indomável e sem restrições em todos os sentidos, especialmente sexualmente. Apesar de estar envolvido com Elisabeth isso não o impede de cobiçar cada rapariga bonita que aparece à sua frente.
"À Double Tour" é muitas vezes esquecido em discussões sobre o início da carreira de Chabrol, talvez porque seja tão diferente dos outros, obras duras, filmadas nas ruas e de baixo profile. Esta seria a primeira produção de grande orçamento do realizador, um tributo brilhante e elegante a Hitchcock, estilisticamente mais perfeito que os filmes que ele faria no final dos anos sessenta e setenta. Status de outsider à parte, "À Double Tour" é um filme rico e cativante, por vezes comparado aos melhores trabalhos do realizador.

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Os Primos (Les Cousins) 1959



Charles é um jovem provinciano que chega a Paris para estudar Direito. Divide o apartamento com o seu primo Paul, que é uma espécie de jovem decadente, um homem desiludido na procura do prazer, sempre atrás por outros ideais, enquanto Charles é um rapaz trabalhador, ingénuo e honesto. Apaixona-se por Florence, uma das conquistas de Paul. Mas como irá Paul reagir aos avanços do seu primo para com Florence?
Apesar de não ser esse o objectivo, os dois primeiros filmes de Claude Chabrol - Le Beau Serge e Les Cousins - viram a luz do dia com poucas semanas de diferença, em Paris, por vezes a serem exibidos em cinemas muito próximos, que apenas reforçava a idéia de que os dois filmes eram duas faces da mesma moeda, a mesma nota tocada em diferentes tons, com resultados muito diferentes. Havia uma grande simetria entre os dois filmes, uma vez que ambos contavam a história de dois amigos diametralmente opostos, e ambos interpretados por Gérard Blain e Jean-Claude Brialy, embora os seus papéis tenham sido radicalmente invertidos, assim como o espaço da acção, que passou da vida rural para a vida urbana.
As ligações entre estes dois filmes ainda eram mais profundas (James Monaco, no seu livro pioneiro sobre a Nouvelle Vague insiste que eles devem ser vistos em conjunto). "Les Cousins", embora tenha estreado depois de "Le Beau Serge" foi concebido primeiro, e tecnicamente teria sido a estreia de Chabrol. E para muitos seria mesmo o primeiro, já que "Le Beau Serge" não teve muito sucesso junto do público, e a maior parte dos fãs só conheceria Chabrol a partir deste "Les Cousins". A lista de créditos dos dois é muito familiar, inclui o director de fotografia Henri Decaë, embora se possa sentir imediatamente a influência do argumentista Paul Gégauff em "Les Cousins". Este filme, que seria a primeira de 17 colaborações entre Chabrol e Gégauff, e é uma obra muito mais pesada e cínica do que "Le Beau Serge".
A força deste filme, reside, em parte, na intensa interpretação de Brialy como Paul, o egomaníaco rapaz rico que gosta de brincar com as pessoas. Um homem desprezível, mas muito divertido de se assistir. Em segundo lugar o excelente trabalho na realização de Chabrol. O filme ganharia o Urso de Ouro no festival de Berlin.

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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Os Amantes (Les Amants) 1958



Aborrecida com o marido, aborrecida com o amante jogador de pólo, uma mulher de meia-idade parte com um jovem que lhe deu boleia quando o seu carro avariou, no caminho de volta para a sua casa de campo.
Visto tanto como revolucionário, como escandaloso, quando foi lançado no final dos anos 50 na Europa e nos Estados Unidos, Les Amants, de Louis Malle, foi um filme que não envelheceu bem, e não foi só por causa da sexualidade tão agressiva, mas inofensiva para os padrões actuais. A famosa sequência de amor, que era tão despida a mostrar a sensualidade física que o filme foi proibido nos Estados Unidos, e resultou numa lendária decisão do Tribunal Supremo. É a única sequência que ainda mantém toda a sua vitalidade.
Esta sequência primorosamente filmada e editada, deriva de uma atmosfera onírica, que sugere o esmagamento dos sentidos com paixão. Filmado num Widescreen anamórfico a preto e branco, pelo lendário director de fotografia Henri Decaë, é uma experiência visual intensa (de acordo com o realizador foi inspirado pelo pintor Caspar David Friedrich). No entanto, e apesar de toda a beleza e de tantos momentos de sensualidade, ainda é um filme curto em emoções. Mostra-nos paixão, mas esta é filmada mais como um exercício do que como uma narrativa orgânica.
A personagem de Jeanne Moreau floresce quando se entrega a Bernard, e o seu orgasmo na tela pode ser visto como um momento de puro prazer existencial, e ela é libertada. Por causa disso, o filme tem sido regularmente visto como uma obra sobre a emancipação da mulher, com Jeanne a rejeitar tanto o marido como o amante, embora seja difícil de encontrar essa liberdade, já que ela só pode ser encontrada nos braços de outro homem. Malle não sugere uma fuga simplista para o pôr do sol. Uma voice-over informa-nos do destino ambíguo para Jeanne, que pode ou não encontrar a felicidade.
Mesmo em França "Les Amants" foi escandaloso, principalmente porque reprimiu todas as acções de Jeanne (incluindo ela ter deixado para trás uma filha de oito anos), sem ter deixado o público fazer o seu próprio julgamento. É um conceito ousado (em alguns países não foram os detalhes do encontro sexual que foram censurados, mas sim a cena em que Jeanne deixa a filha), que ainda hoje tem o poder de irritar. É difícil não encontrar a personagem principal ou poderosamente livre ou repugnantemente absorvida, mas Malle pende mais claramente para a primeira.

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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Fim-de-Semana no Ascensor (Ascenseur Pour l'échafaud) 1958



Florence Carala e o seu amante Julien Tavernier, um ex-paraquedista, querem matar o marido dela, simulando um suicídio. Mas, depois de executar o crime perfeito, e colocar as coisas no carro, Julien descobre que se esqueceu de uma corda, e volta atrás para trazê-la. O inesperado acontece, quando ele fica preso no elevador...
O título do filme de estreia de Louis Malle, "Ascenseur pour l’échafaud", é uma espécie de piada doentia e um perfeito sumário do filme em si, e do género Film Noir, a quem presta uma honrosa homenagem. A nível literal, o elevador desempenha um papel importante no filme. Na verdade, o elevador é o eixo principal da história, a transformar-se num caixão temporário que sela o destino do protagonista, garantindo que ele não consiga completar o plano perfeito, e fugir com o seu amor. Ao mesmo tempo, é um perfeito exemplo para toda a sensibilidade dos film noirs, como eles quase sempre levam um protagonista assombrado, num passeio lento, mas inevitável, para a morte.
"Ascenseur pour l'échafaud" ficou famoso a vários níveis. Primeiro porque era o primeiro filme de Louis Malle, que trabalhou nas margens da Nouvelle Vague durante a década de sessenta, mas nunca foi um membro por completo, em grande parte porque o seu trabalho variado (nunca fazia o mesmo filme duas vezes) não cabia exactamente na teoria do filme de autor. Como o seu único "filme de género", destaca-se do resto da obra da sua obra, mas tem apenas os mais fracos traços do humanismo que definiria o resto da sua carreira. Em vez disso, é um thriller "contra-relógio" preparado e executado com uma intensidade implacável, que sugere um realizador de grande habilidade (Malle tinha apenas 25 anos quando o filme saíu para as salas).
O filme também apresenta uma grande banda sonora, improvisada pelo artista norte-americano de jazz Miles Davis, gravada numa única sessão, com um punhado de músicos. A música que acompanha o filme e agarra o centro da história, é incrível, mas depois recua em silêncio. Há uma essência de "coolness" que precorre todo o filme, que está relacionada com a música de jazz, e não seria de estranhar que muitos cineastas da Nouvelle Vague a viriam a incorporar nas suas futuras obras. No entanto, o filme funciona tão bem porque Malle não permite que ele seja apenas um exercício de estilo. Pelo contrário, Malle impregna-o com um senso de romantismo sem esperança, principalmente na personagem de Jeanne Moreau, que é forçada a vaguear pelas ruas de Paris toda a noite (fotografada lindamente por Henri Decaë). Mesmo acreditando que ele fugiu com outra mulher, ela recusa-se a desistir dele, o que dá peso às proclamações de amor que faz ao telefone nos close-ups do início do filme. Apesar de Moreau já trabalhar no cinema durante as últimas duas décadas, "Ascenseur pour l’échafaud" foi o filme que lhe deu fama, em parte porque Malle foi o primeiro realizador a saber como usar a sua intensa sensualidade.

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Um Vinho Difícil (Le Beau Serge) 1958



François regressa à sua terra natal, no interior de França, depois de mais de uma década fora. Nota que a terra não mudou muito, mas as pessoas sim, especialmente o seu primo Serge, que se tornou um alcoólico. François vai tentar descobrir o que lhe aconteceu, e vai tentar ajudá-lo...
É muitas vezes esquecido que "Le Beau Serge", de Claude Chabrol, tecnicamente é o primeiro filme da Nouvelle Vague, ou pelo menos, a primeira longa-metragem a saír do grupo de críticos do Cahiers du Cinéma, que assim ajudaram a mudar os parâmetros do cinema francês, e do mundo.
Apesar de ser um filme relativamente discreto, e de ter uma narrativa bastante simples, já são visíveis algumas das principais características deste movimento, algumas das quais foram reconhecidas num artigo de François Truffaut para a Cahiers du Cinéma, que considerou logo um ponto de viragem para o cinema francês, apesar de na altura não lhe ter sido dada a devida atenção, ficou fora da competição oficial de Cannes, e demorou tempo até conseguir encontrar distribuidor. Um estudo de personalidades íntimo e pessoal, passado num cenário de Inverno da província rural francesa, Le Beau Serge foi filmado inteiramente em exteriores, em Sardent, uma pequena localidade onde tinha nascido a mãe de Chabrol, e onde o próprio realizador passou parte da sua infância, e inclusivé adolescência, durante a Segunda Guerra Mundial. A produção do filme, que incluía uma pequena equipa de filmagem, um elenco formado na sua maioria por actores desconhecidos e habitantes locais, tinha uma narrativa focada em personagens comuns em situações realistas, reflete em grande parte o Neo-Realismo, pelos quais os críticos do Cahiers eram admiradores. Chabrol tinha 27 anos na altura, e nunca tinha aprendido a fazer um filme, não se limitou apenas às influências do neo-realismo, mas também incorporou alguns aspectos do expressionismo, e uma obsessão com a natureza da culpa, que para Chabrol era um dos factores mais importantes da filmografia de Hitchcock, sobre quem o realizador tinha recentemente escrito um livro, em conjunto com Eric Rohmer.
Filmado pelo director de fotografia Henri Decaë, que tinha começado a trabalhar com Jean-Pierre Melville, e que de futuro trabalharia muito com os realizadores da Nouvelle Vague, é um filme muito negro, directo, que apresenta personagens profundamente complicadas, mas com um forte senso de compaixão e graça. Chabrol não suaviza o alcoolismo de Serge, ou o monstro que desperta dentro dele, e age abusivamente perante Yvonne, humilhando-a perante outras pessoas, e rejeitando as tentativas de François o querer ajudar, com um sentimento de desprezo que circunda o patológico. Chabrol deixa claro que Serge é uma alma sofredora, e os momentos finais dão-lhe o que poderia ser interpretado como uma chance de redenção, uma segunda hipótese de criar uma nova vida.
Em alguns momentos, evoca um sentimento sombrio e profundamente sentido da humanidade, a tentar fechar a lacuna criada entre François e Serge, e de certa forma curar os males na vida de Serge. É tentador ver as acções de François impulsionadas em primeiro lugar por um sentimento de culpa, e depois por um sentimento primordial de amor, que o obriga a continuar a tentar. Jean-Claude Brialy interpreta da melhor forma François, enquanto Gérard Blain é Serge.

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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Nouvelle Vague

Para se ter uma idéia do que esta nova abordagem significava, pode ajudar a entender que antes de serem realizadores, os autores principais da Nouvelle Vague eram film geeks, ou cinéfilos. O cinema era muito importante numa sociedade sedenta de cultura, como a França do pós-guerra, e a maioria dos futuros realizadores da Nouvelle Vague, passaram uns bons tempos a escrever sobre cinema. Alguns eram críticos, outros eram apenas simpatizantes de cinema, e quase todos aguçaram a sua sensibilidade cinematográfica através de longas horas passadas em cinematecas, e cineclubes parisienses. As influências destes realizadores eram variadas, desde o neo-realismo italiano, filmes de série B americanos, até aos clássicos do cinema mudo, e mesmo os musicais clássicos em Technicolor americanos. A partir de uma enorme paixão pelo cinema, eles foram desenvolvendo uma teoria, de que os melhores filmes eram originários de um cinema de autor, ou seja, produto de uma expressão artística pessoal, e deviam conter o carimbo de um realizador, assim como uma grande obra da literatura devia ter o carimbo do seu escritor.
Apesar deles admirarem alguns filmes feitos naquela altura, achavam que a maioria do cinema actual e mainstream,  não expressava a vida humana, nem os pensamentos de forma genuína. A maioria dos filmes populares da altura eram secos, reciclados, inexpressivos, e não tinham nada a ver com os sentimentos da juventude francesa da altura.

A Nouvelle Vague começou por não ser um movimento formalmente organizado, os seus realizadores estavam ligados por uma rejeição ao chamado "cinema de qualité", os filmes de grandes valores de produção que dominavam então em França. Estes filmes eram basicamente feitos para impressionar o público, e davam pouca liberdade criativa aos seus realizadores, para que pudessem atender aos desejos comerciais dos seus realizadores. A maioria destes jovens realizadores da Nouvelle Vague, escreviam para uma publicação de cinema chamada "Cahiers do Cinema", elogiavam regularmente os filmes que amavam, e rasgavam os que odiavam. A partir do processo de julgar a arte do cinema eles começaram a pensá-lo, e a  tentar descobrir um caminho para melhorar as coisas, e assim se foram inspirando para começarem os seus próprios filmes.
Sendo assim, a Nouvelle Vague rejeitou a idéia da narrativa tradicional de Hollywood, com histórias e estilos narrativos baseados nos mídia anteriores, como livros e peças de teatro. Estes realizadores não nos queria conduzir as emoções em cada cena, com uma narrativa fixa. Havia uma teoria de que este modo de contar histórias, interferia com a habilidade do espectador em perceber e reagir ao filme, da mesma forma que percebia a vida real. Estes realizadores queriam mudar a experiência do cinema, para torná-la fresca e emocionante, para fazer o espectador pensar e sentir, não só sobre aquilo que está a ver no momento, mas também na sua própria vida. Os diálogos tinham de ser o mais realistas possíveis, ou tinham de ser feitos de um modo que nos fizesse pensar para além do filme. Dizer a verdade era de extrema importância, o objecto do cinema não era apenas para entreter, mas também para comunicar.
Os argumentos destes jovens realizadores eram por vezes revolucionários, mas os filmes, feitos com orçamentos modestos, eram obrigatoriamente inventivos. Como resultado, algumas das mais conhecidas técnicas de filmar, foram inventadas ou aperfeiçoadas nesta altura, como é o caso dos jump cuts, das montagens rápidas, filmagens em exteriores, luz natural, diálogo improvisado, gravação de som em directo, câmaras móveis e takes longos. Muitas vezes estes filmes envolviam-se com as convulsões sociais e políticas da sua época. 
Durante as próximas semanas, vamos ter aqui uma espécie de curso intensivo sobre a Nouvelle Vague, um ciclo quase integral, com perto de 70 filmes. Para começar temos um livro que podem usar como guia... filmes a partir de amanhã.

Livro

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Wristcutters: A Love Story (Wristcutters: A Love Story) 2006



Os distribuidores ficaram longe de "Wristcutters: A Love Story" durante mais de um ano, aparentemente aterrorizados com o conteúdo do filme. Mas, depois da cena inicial de suicídio, o filme transforma-se numa fábula, uma comédia romântica on-the-road, reminiscente de  It Happened One Night. Aparentemente, depois de se matar, um homem acaba por ir parar a um sitio não muito diferente da terra, apenas um pouco mais sombrio e mais deprimente. As pessoas não podem sorrir, e a luz é um pouco mais brilhante, e com um maior contraste neste mundo.
Somos apresentados a Zia (Patrick Fugit), que apanha um colega de quarto chato, e um emprego numa pizzaria que parece a garagem de alguém. Ele conhece  Eugene (Shea Whigham), que curiosamente vive com toda a sua família. Juntos passam muito tempo a beber, até Zia se aperceber que a sua ex-namorada acaba de chegar. Partem então os dois para procurá-la e pelo caminho encontram uma bela mulher a pedir boleia, Mikal (Shannyn Sossamon), e não é preciso muito para Zia perceber que está ali o seu verdadeiro amor. Até lá Wristcutters tem um tipo de liberdade único, é um mundo onde a mortalidade significa pouco, e, talvez porque tudo é tão deprimente obriga as pessoas a procurarem uma vida melhor. Assim, Zia pode deixar o seu emprego na pizzaria, sem problemas. Afinal...quem se importa?
Mas o filme começa a desenvolver regras. Os nossos viajantes chegam a um acampamento onde peregrinos se reúnem para realizar milagres menores, tais como levitar ou fazer um fósforo acesso voar. Também encontram um auto-intitulado messias (Will Arnett), que pretende separar a sua alma do corpo e voltar para contar.
Primeira longa metragem do croata Goran Dukic, que adaptou o argumento de uma curta de Etgar Keret, mantém as coisas simples e engraçadas. É sempre o mesmo tom que prevade por todo o filme, que felizmente não presta muita atenção ás regras. Tom Waits tem um pequeno papel, na personagem de Kneller.

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O Tigre e a Neve (La Tigre e la Neve) 2005



Amor e lesões em tempo de guerra. Attilio de Giovanni (Roberto Benigni) ensina poesia em Itália. Ele tem uma mente romântica e as mulheres amam-no, mas está apaixonado por Vittoria (Nicolleta (Braschi) e não é correspondido. Todas as noites sonha casar com ela, de boxers e t-shirt com Tom Waits a cantar. Vittoria viaja para o Iraque ter com o amigo  Fuad (Jean Reno), um poeta, e é lá que eles estão quando a Guerra do Golfo rebenta. Vittoria fica ferida. Attilio deve chegar a ela, e dar-lhe a assistência médica que ela precisa. Em tempo de guerra, será que o amor conquista tudo?
O Tigre e a Neve é um filme romântico, abrindo com a balada "You Can Never Hold Back Spring", cantada pelo Tom Waits em pessoa. Escrito e realizado por  Roberto Benigni (o autor de A Vida é Bela), que também tem o papel principal como Attilio de Giovanni. Benigni, acostumado a interpretar o mesmo tipo de personagem em quase todos os filmes, transpõe a sua personagem de "A Vida é Bela" da Segunda Guerra Mundial para a Guerra do Iraque. Aqui, Benigni encarna um outsider, a deixar o seu frágil senso de coragem a desmoronar-se, tal como os edifícios da cidade de Bagdad.
Foi um filme bastante massacrado pela crítica na altura da estreia, tendo sido considerado dos piores filmes do ano por uma boa parte dos críticos, e mesmo pelo público foi um filme que passou ao lado de uma boa carreira. A sequência de abertura, com Tom Waits, é das melhores do filme. 

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Enron: The Smartest Guys in the Room (Enron: The Smartest Guys in the Room) 2005



A má fé que levou à destruição da enorme empresa Enron Corporation foi impressionante, não apenas por causa da irrealidade que cercava a empresa já há alguns anos. As coisas em Enron: The Smartest Guys in the Room  não começam particularmente bem, com cortes rápidos e a encenação do suicídio de um executivo da Enron.
Felizmente as coisas acalmam-se, e o que temos então é um retrato fascinante, embora limitado do seu ponto de vista. Fiel ao seu nome, Enron: The Smartest Guys in the Room foca-se nos responsáveis pela queda da Enron - especificamente o CEO Kenneth Lay, o COO Jeff Skilling, e o CFO Andrew Fastow - e o que eles fizeram para levar a empresa ao fundo. O filme documenta tudo isto através das notícias da televisão, videos de sessões privilegiadas da Enron, e entrevistas a ex-funcionários e aos autores do livro no qual o filme é baseado, Bethany McLean e Peter Elkind, ambos jornalistas da revista Fortune.
Quem acompanhou ao longe a falência da Enron pode encontrar neste documentário um bom passo-a-passo do caso. Quem já conhece todos os pormenores das fraudes, da valorização da companhia na Bolsa, dos enganos da distribuição de energia, ainda assim pode se estarrecer com o filme de Alex Gibney.
Já com uma carreira bem regada no campo do documentarismo, Gibney conseguiria aqui a sua primeira nomeação para o Óscar, que viria a ganhar em 2007, com Taxi to the Dark Side.
Tom Waits foi convidado para a banda-sonora, com a qual colaborou em 4 temas: "What's He Building in There?", "Straight to the Top (Vegas)", "Temptation" e "God's Away on Business"

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domingo, 16 de fevereiro de 2014

Domino (Domino) 2005



A filha de um actor e uma socialite, Domino Harvey, aborrecida com a vida que leva, decida juntar-se à equipa de Ed Moseby como caçadora de recompensas. Mas ela fica em apuros quando o dinheiro da máfia é roubado de um camião blindado, enquanto Moseby e a sua equipa participam num reality show produzido por Mark Heiss. A situação fica fora de controle quando os filhos de um mafioso rival são raptados enquanto o FBI monitoriza os dois gangs.
"Domino" é uma história vagamente baseada na vida de Domino Harvey, uma super modelo que se tornou caçadora de recompensas, e que também era filha do famoso actor Lawrence Harvey, nomeado a um Óscar pelo filme britânico "Room at the Top". Desde o início nota-se que o filme não está interessado em contar a história de uma pessoa, mas sim as aventuras de um grupo de pesonagens pulp, que só podiam existir na ficção.
Enquanto o realizador Tony Scott não fez um filme que permitisse à audiência compreender a verdadeira Domino Harvey como pessoa (ela nunca seria entendida na vida real - a verdadeira Domino morreu na pós produção deste filme, aos 35 anos, com uma overdose de cocaína), ele pegou no enigma da sua vida, e criou um retrato violento, semi-psicótico, a rebeldia da personagem. "Domino" homenageia a Domino da vida real por nunca deixar a realidade ficar no caminho de quem conta uma boa mentira.
Keira Knightley é a protagonista, num elenco que conta ainda com Mickey Rourke, Delroy Lindo, Mena Suvari, Jacqueline Bisset, e Tom Waits, que também forneceu duas canções para o filme.

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Café e Cigarros (Coffee and Cigarettes) 2003



Uma série de vinhetas no formato de curtas-metragens, construidas para criar o efeito cumulativo, já que os seus personagens discutem coisas tão diversas como a cafeina, Paris nos anos 20, o uso de nicotina e insecticida - as personagens passam todo o tempo sentadas a tomar café e a fumar. Jim Jarmusch investiga o ritmo normal do nosso mundo a partir de um ângulo extraordinário, e mostra o quão absorvente são as emoções, vicios e alegrias da vida, se forem bem observados.
"Coffee and Cigarettes" demorou mais de 17 anos em produção, filmado aos poucos, curta a curta, e é basicamente um conjunto de pequenas conversas entre celebridades, muitas delas interpretando-se a si próprias, enquanto se dedicam a tomar café e fumar cigarros. A maior parte das conversas são destinadas a ser divertidas, embora um toque de seriedade também seja adicionado, assim como algumas verdades sobre a amizade a fama e a família.
Grande parte do filme parece improvisado, mas outras são claramente escritas previamente, e nota-se algum amadorismo, difícil de decifrar por vezes. Alguns dos destaques incluem um Bill Murray em conversa sobre a nicotina e a cafeína, com dois membros dos Wu-tang Clan, RZA e GZA, ou então Steve Buscemi com uma louca teoria sobre um irmão de Elvis, em conversa com Joie e Cinque Lee (irmãos de Spike Lee). Depois temos o segmento que nos interessa, "Somewhere in California", com uma conversa entre Tom Waits e Iggy Pop.Waits e Pop partilham uma vinheta com um constrangimento agressivo/passivo com dois grandes músicos a desafiarem-se para encontrarem território em comum. Esta sequência foi filmada em 1995.
"Coffee and Cigarettes" acaba por ser um filme cativante, embora não chegue tão longe como outros filmes do realizador, como "Mystery Train" e "Night on Earth".

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sábado, 15 de fevereiro de 2014

Homens Misteriosos (Mystery Men) 1999



"Mystery Men" é sobre um grupo de pessoas normais que cultivam as suas melhores habilidades em "super poderes" para se tornarem super-heróis, e combaterem o crime na cidade. Embora tentem o seu melhor - Shoveler (William H. Macy) bate nas pessoas com uma pá,  Blue Rahja (Hank Azaria), o mestre dos talheres que atira garfos contra as pessoas, e  Mr. Furious (Ben Stiller) que apenas fica furioso e bate nas coisas (sim, eu disse coisas) - são mais propensos a se magoarem do que magoarem os inimigos. Ninguém quer saber deles porque a cidade já tem um herói, Captain Amazing (Greg Kinnear), que praticamente dizima o crime, e acaba sempre por salvar o dia. Amazing tenta capturar o super-vilão Casanova-Frankenstein (Geoffrey Rush), e acaba por ficar seu prisioneiro, e isto irá deixar o futuro da cidade nas mãos dos nossos "super-heros wannabe". A este grupo irá juntar-se mais alguns pretendentes a super-heróis.
 Única realização de Kinka Usher, foi um fracasso tanto nas bilheteiras como na critica. Um filme sobre super-heróis novatos que nunca chegou a ter a fanbase que realmente merecia. Até recentemente foi atirado para segundo plano, dado como exemplo de como não se fazer um filme de super-heróis. 
Existe aqui uma clara sátira. Desde os cenários amplos, ao estilo de Terry Gilliam inspirado nos prédios de Champion City. O objectivo é criticar tudo de mau que se fez nas transposições de bandas desenhadas para o cinema, e neste ponto "Mistery Men" consegue parodiar estes filmes muito bem. "Mystery Men" é uma comédia, e uma paródia. O que acontece quando as pessoas tentam ser o que não são, o que é irónico, porque é assim que as pessoas vêm o filme. Talvez tenha sido por isso que tenha passado tão ao lado na altura em que saíu, embora tenha tudo para se tornar num filme de culto.
Com muitos nomes famosos no elenco, marcava o regresso de Tom Waits às longas metragens, depois de um intervalo de seis anos, em que só participou numa curta metragem. Mesmo assim é um papel secundário.

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Basquiat (Basquiat) 1996



Basquiat conta a história da ascenção meteórica do jovem artista Jean-Michel Basquiat, começando como artista de rua. A viver numa caixa de cartão em Thompkins Square Park, Basquiat é descoberto pelo mundo da arte de Andy Warhol (aqui interpretado por David Bowie), e torna-se uma estrela. Mas o sucesso tem um preço alto, e Basquiat paga-o com a amizade, o amor, e, eventualmente, a sua vida.
"Basquiat" é um biopic realizado por Julian Schnabel, que conheceu o verdadeiro Jean-Michel Basquiat, e que iniciava aqui a sua carreira atrás das câmeras. Nascido nos anos 50, em Brooklyn, ficaria famoso nos anos oitenta como pintor neo-expressionista. No cinema, ficaria mais conhecido pela co-produção franco-americana "Le scaphandre et le Papillon", com a qual foi nomeada para o Óscar de Melhor Argumento.
O filme não podia ter sido feito sem Jeffrey Wright, numa brilhante interpretação. Mudando desde um punk sem-tecto a um artista ousado capaz de agradar à elite. Jean-Michel Basquiat era viciado em drogas, e tornou-se num fenómeno da arte antes de uma overdose de heroína dar cabo da sua vida. Infelizmente o filme acaba por não ter muito sucesso na transposição da vida emocional do pintor. A frustração do filme vem na tentativa de recriar a criança dentro do pintor, e estudar o homem por de trás da máscara. Wright interpreta-o como um homem sem medo. Num minuto ele é um anjo ferido em desacordo com o mundo, no outro ele é um malandro que parece nunca se preocupar com as pessoas. Vai buscar influências na mitologia de Rimbaud, Charlie Parker, Jimi Hendrix, e Jim Morrison, acabando por se aniquilar com drogas, juntando-se aos seus heróis no final. 
Um elenco muito interessante, com muitas caras conhecidas em papéis secundários: Michael Wincott, Benicio Del Toro, Claire Forlani, Dennis Hopper, Gary Oldman, Christopher Walken, Willem Dafoe e Courtney Love. Tom Waits colaborou na banda-sonora, com duas músicas: "Who Are You This Time" e "Tom Traubert's Blues (Four Sheets to the Wind in Copenhagen)".

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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Georgia (Georgia) 1995



Sadie (Jennifer Jason-Leigh) procura desesperadamente pela sua irmã mais velha, Georgia (Mare Winningham), que é uma cantora de sucesso. Sadie quer ser uma artista famosa como a irmã, mas corre-lhe sempre tudo mal. A sua necessidade de ser aceite pela irmã acaba por ser complicada, por causa do seu envolvimento no álcool e nas drogas. Georgia vive uma vida muito organizada, com o marido, filhos e casa, e Sadie faz o que pode para ser aceita por ela.
O realizador Ulu Grosbard consegue retirar um excelente desempenho das duas actrizes principais, em especial de Jennifer Jason-Leigh. O seu retrato de Sadie reflete muito bem toda a dor que se pode colocar numa simples personagem. No momento mais marcante do filme, ela sobe ao palco para cantar oito minutos e meio de uma versão de Van Morrison: "Take Me Back". A crueza emocional da interpretação de Jennifer Jason-Leigh tornam esta cena uma das mais marcantes de qualquer filme de 1995.
A chave para dissecar a complicada relação entre as duas irmãs é o dom infalível para o realismo intensamente focado, uma familiaridade profunda entre personagem e ambiente, raramente vista em filmes que não de Mike Leigh, e com uma abordagem mais rica e sofisticada do que nos filmes de Leigh. Grosbard é um sólido director de actores, usa as canções engenhosamente, e sem fazer um filme para quebrar todas as regras consegue fazer uma obra muito interessante. Das sete vezes que Grosbard dirigiu, três dos seus filmes valeram nomeações a Óscares de interpretações, uma delas aqui, para Mare Winningham, embora uma nomeação a Jason-Leigh também fosse justa.
Tom Waits colaborou com uma música da banda-sonora: "The Piano Has Been Drinking".

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Legenda em espanhol
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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Fumo (Smoke) 1995



Personagens e subtramas são habilmente tecidas numa tapeçaria de histórias que só lentamente emergem à nossa vista..."Smoke" tenta convencer-nos de que a realidade não importa tanto como a satisfação estética. Na tabacaria de Auggie (Harvey Keitel), em Nova Iorque, o dia a dia passa aparentemente imutável, até que eles nos ensina a notar nos pequenos detalhes da vida.  Paul Benjamin (William Hurt), um escritor desmotivado e falido, tem um encontro com a morte, que vai gerar uma série improvável de acontecimentos que lhe vão dar luz para um novo livro, nesta rua da tabacaria de Auggie.
A essência de "Smoke" é que providencia um elemento pretendido por tantos outros filmes: personagens fortes, complexas, interessantes e difíceis. Toda a gente no filme tem algo a dizer, o que implica que o seu discurso seja sempre articulado, e que revele um pouco de si em cada sentença. A loja de cigarros da esquina é fundamental para estas interligações, uma janela para as vidas diárias de Brooklyn, e uma âncora que se estende muito no passado. A lenta libertação de cada personagem dá-nos tempo para crescer com eles, e apreciar as suas boas e más qualidades em vez de nos inundar com a habitual informação do início dos filmes. No entanto, esta abordagem leva-nos a um ritmo contido que ocasionalmente se torna pesado e difícil. O argumento não flui continuamente por causa do corte, do filme, deliberado, em secções, que servem para juntar as histórias.
"Smoke" foi rodado em conjunto por Wayne Wang e o novelista Paul Auster, que voltariam a trabalhar juntos em "Blue in the Face". Além de Keitel e Hurt, o elenco contava ainda com Giancarlo Esposito, Harold Perrineau, Forest Whitaker e Stockard Channing. Tom Waits colaborava na banda sonora, com 2 temas: "Downtown Train" e "Innocent when you dream".

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Tom Waits - Downtown Train



"You wave your hand and they scatter like crows
They have nothing that'll ever capture your heart
They're just thorns without the rose
Be careful of them in the dark
Oh if I was the one you chose to be your only one
Oh baby can't you hear me now, can't you hear me now"

Short Cuts - Os Americanos (Short Cuts) 1993



Helicópteros trovam pelo ar de Los Angeles. Cá por baixo, em cada casa, em cada apartamento, está a ser vivido um drama individual. Como em qualquer outro sitio, ou outro tempo da história, há alegria, tristeza, ciúmes, medo, reconciliações, dor e morte. Com "Short Cuts", um filme de Robert Altman baseado em nove curtas histórias e um poema do falecido Raymond Carver, à audiência é dada uma pequena parte de todas essas histórias.
A infidelidade assombra dois casamentos, enquanto que um acidente com o filho de outro casal traz às suas vidas uma viragem abrupta. Três pescadores amigos encontram o corpo de uma menina a flutuar perto do seu acampamento de pesca. Outro casamento, em que o marido vive preocupado sobre a escolha de carreira da esposa, que gere uma empresa de sexo pelo telefone. E ainda temos um homem que decide ensinar a sua ex-mulher o conceito de dividir as coisas, e uma mãe e uma filha que descobrem a dor que pode vir de não comunicarem. Vinte e duas personagens e dez histórias - seria preciso um mestre para entrelaça-las todas num filme harmonioso. Robert Altman não só aceitou esta difícil tarefa, como saíu vitorioso.  
Altman revisitando o território de Nashville, um conjunto de histórias amargas em redor de um festival de música, onde ordenadamente reuniu todas as personagens num único acontecimento trágico. Mas em "Short Cuts" ele tentou algo mais corajoso, e mais evasivo, ao alcançar uma busca vã por algo mais significativo. Desta vez, a cena final foi muito menos conclusiva, mas até lá ele vai sacudindo os personagens. Cada uma das histórias apresentadas em Short Cuts (excepto, talvez, uma) dariam o seu próprio filme. Há facetas em cada personagem que são deixadas por explorar (não por acaso), e de certa forma, ainda esperamos mais quando os créditos finais começam a correr. Isto apesar das três horas de duração do filme.
Ao contrário de Nashville, Short Cuts não tem um objectivo final ou uma mensagem fácil. É um grande filme sobre um pequeno mundo, onde as pessoas se levantam todas as manhãs, em busca de coisas que as façam felizes, tentando evitar as coisas más. Por vezes esta busca corre mal, e acaba por se tornar em algo mau. É a vida.
Tal como no filme anterior (O Jogador), Altman reuniu um elenco grandioso à sua volta. Não vou falar em nomes, a não ser que Tom Waits faz parte do elenco, como Earl Piggot. Tentem descobri-lo.

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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Drácula de Bram Stoker (Bram Stoker's Dracula) 1992



Esta versão de Drácula é vagamente baseada na história de Bram Stoker do mesmo nome. A Jonathan Arker (Keanu Reeves), um jovem advogado, é atribuída a tarefa de de deslocar a uma distante e sombria aldeia, nas brumas do leste europeu. É capturado e aprisionado pelo morto-vivo vampiro Drácula (Gary Oldman), que viaja para Londres, inspirado pela fotografia da noiva de Harker, Mina Murray (Winona Ryder). Em Inglaterra, Drácula começa um reino de sedução e terror, drenando a vida da melhor amiga de Mina, Lucy Westenra. Os amigos de Lucy juntam-se para tentar destruír Drácula.
É difícil ignorar o apelo universal dos vampiros. Ostensivamente, o terror gótico nasceu em 1816, nas férias de verão compartilhadas por Mary e Percy Shelley, Lord Byron, e o Dr. John Polidori no Lago de Genebra, na Suíça. Foi aqui que Mary Shelley escreveu Frankenstein, e as sementes foram semeadas para a actualização de Polidori dos vampiros do folclore, na versão moderna chamada The Vampyre. Em 1897, Bram Stoker publicou o seu quinto romance, Drácula, e influenciou, e de que maneira, toda a cultura pop até aos dias de hoje.
A história de um aristocrata, um conde, que bebe sangue para sustentar a imortalidade, é um monstro que agora é um clássico, mas Coppola pegou nessa personagem e mudou-o para um reino de um herói trágico. Como Gary Oldman descreve a sua abordagem ao personagem principal do filme: "O sangue é a vida", e Oldman tentou interpretar o personagem-título como um anjo caído. Brincando com a sua própria forma, defraudando a mais liberal de todas as artes, confundindo a sua cronologia e por vezes confundindo o seu próprio enredo, e quase cruelmente disposto a pôr a nu as limitações e vulnerabilidades de um elenco improvável de apoio. Drácula de Bram Stoker é feito em partes iguais de loucura e terror, e a sua própria definição de amor equivale a uma fusão destes dois elementos, cada uma bebendo livremente da outra.
Mas este é um filme de Coppola. Um mestre saboreando claramente a oportunidade de colocar a sua marca num produto mais mainstream, e pinta um quadro com uma paleta de cores vivas e preenche as suas perfomances com interpretações de classe. Os aspectos técnicos são todos de primeira linha, com menção especial a Roman Coppola (filho de Francis), que foi encarregado de criar os efeitos visuais, o Designer de Produção, Thomas E. Sanders, e o Diretor de Arte, Andrew Precht. Uma menção também deve ser feita para Eiko Ishioka, que, junto com toda a sua equipa de make-up, e trouxe a estes personagens uma grande vibração.
Um grande destaque para o elenco. Gary Oldman, Winona Ryder, Anthony Hopkins, Keanu Reeves, Richard E. Grant, Cary Elwes, Monica Bellucci, e Tom Waits. Habituado já a trabalhar com Coppola, Waits tem aqui o papel de Renfield, um servo de Drácula.

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Coração Americano (American Heart) 1992



Jack (Jeff Bridges) está de saída da cadeia, e conhece o seu filho adolescente: Nick (Edward Furlong). A relação entre os dois vai ser complicada, porque Jack tem um problema com o álcool, mas o seu amor pelo filho vai ajudá-lo a ultrapassar o passado, e alcançar os seus sonhos.
Martin Bell tinha sido responsável por "Streetwise", o corajoso documentário sobre as crianças da rua, um dos melhores sobre este assunto. A sua experiência ajudou-o nesta sua primeira, e única, longa-metragem para o cinema, embora o argumento estivesse um pouco ligado às convenções de Hollywood. Outro ponto em comum entre "Streetwise" e este "American Heart" é exactamente a banda sonora. Uma vez mais Bell convidou Tom Waits para a banda sonora, colaborando aqui em 5 temas: "I'll Never Let Go of Your Hand", "Jack's Flashback Theme", "Additional Music", "I'm Crazy 'bout My Baby" e "Jersey Girl".
Quando Martin Bell fez "Streetwise" ele conjurou um mundo de golpes inteligentes e estratégicas de sobrevivência que pareciam boas demais para ser verdade. "American Heart" desenvolve-se num cenário semelhantemente colorido, com grandes semelhanças com o seu filme anterior, e o mesmo espírito corajoso.
Vale sobretudo pelo brilhantismo dos dois actores principais do filme, pai e filho na tela. Jeff Bridges, que demonstrava ser um dos actores principais da sua geração, e um muito jovem Edward Furlong, que havia brilhado (e estreado) no ano anterior, em "O Exterminador Implacável 2 - O Dia do Julgamento". O resto do elenco era formado, na sua maioria, por actores estreantes, que acabaram por trazer uma grande dose de realismo ao filme. As canções que são ouvidas no filme são de Tom Waits, cuja voz grave e desolada são a aura equivalente  ao que se passa na tela.
Filme sem legendas. 

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Tom Waits - Jersey Girl



I got no time for the corner boys
Down in the street making all that noise
Don't want no whores on eighth avenue
'Cause tonight I wanna be with you

Tonight I'm gonna take that ride
Across the river to the Jersey side
Take my baby to the carnival
And I'll take her on all the rides

'Cause down the shore everything's all right
You and your baby on a Saturday night
You know all my dreams come true
When I'm walking down the street with you

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Leolo (Leolo) 1992



O jovem Leo Lauzon vive dividido entre dois mundos, a esquálida Montreal onde ele habita com a sua família disfuncional, e o mundo imaginário que ele constrói para si próprio através da sua escrita, onde é Leolo Lozone, filho de um camponês siciliano (concebido num acto bizarro envolvendo um tomate). E a sua experiência de crescimento (especialmente o seu desenvolvimento sexual), afecta a sua resposta a estes dois mundos...
Enquanto testemunha a decadência da família ao seu redor, Leolo retrai-se para si próprio e para o mundo à sua volta. Em resposta à estranheza da sua vida diária, Leolo cria uma enorme confusão mental, que Lauzon transforma numa série incrível de imagens surreais. Eventualmente, este equilíbrio precário entre realidade e fantasia quebra, e Leolo é hospitalizado depois de tentar matar o seu avô.
Semi-autobiografia do canadiano Jean-Claude Lauzon, o último filme que fez antes da sua morte prematura, num acidente de avião, em 1995. É uma obra poderosa e única, que provavelmente nunca irá envelhecer. Dramatizando a ténue linha entre a arte e a loucura, é um dos filmes mais originais do seu tempo, audacioso, imaginativo, perturbador, ainda que extremamente compassivo.
A banda sonora de Tom Waits ressalta o arco narrativa do colapso de Leolo. O filme ganhou vários prémios, depois de passar por vários festivais.

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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Noite na Terra (Night on Earth) 1991



Uma antologia de cinco histórias envolvendo taxistas em cinco cidades. Los Angeles - Um agente talentoso do mundo do cinema descobre que o seu taxista poderia dar um excelente actor, mas este está relutante em deixar a sua profissão segura. NewYork - um taxista imigrante vê-se continuamente perdido numa cidade e numa cultura que não entende. Paris - uma jovem cega vai de boleia com taxista da Costa do Marfim, e pelo caminho falam sobre a vida e a cegueira. Roma - um taxista apanha um homem doente, e fala-lhe sobre a morte. Helsinquia - um trabalhador industrial e os seus compatriotas discutem a desolação, o amor e a morte numa viagem de taxi.
O humor perspicaz de Jim Jarmusch, com as suas simplistas observações da vida humana dão corpo a esta co-produção internacional, uma ambiciosa antologia em cinco partes, com as histórias de cinco taxistas em cinco cidades diferentes, numa única noite de inverno. Jarmusch já tinha experimentado este sistema de várias histórias em várias linguas diferentes no seu filme anterior, Night on Earth, mas aqui estende a sua lógica negando qualquer ligação entre as histórias. Se há alguma coisa em comum entre estes cinco contos diferentes, é porque reconhecemos a humanidade partilhada entre os vários personagens, apesar das suas grandes diferenças. 
A câmera parece confinada ao interior de cada táxi, com apenas alguns shots estáticos de cada cidade, apenas para definir os exteriores onde o filme está a ser filmado. Jarmusch balanceia o filme habilmente ente o humor e a emoção, mas aqui ele tem mais espaço para espalhar a sua magia. Como qualquer boa colecção de curtas, Night on Earth funciona bem nos campos macro e micro, dando-nos breves instantes de humanidade, e de seguida monta-as numa colagem que dá um ambiente diferente a cada história, engraçada ou triste, num contexto humano partilhado.
Um elenco internacional de luxo, do qual fazem parte Gena Rowlands, Winona Ryder, Armin Mueller-Stahl, Giancarlo Esposito, Rosie Perez, Béatrice Dalle e Roberto Benigni. Tom Waits não participou no filme, mas ajudou na banda sonora, com duas canções: "Back in the Good Old World" e "Good Old World".

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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A Brincar nos Campos do Senhor (At Play in the Fields of the Lord) 1991



Martin e Hazel Quarrier são missionários fundamentalistas enviados para a selva da América do Sul para converter os índios. Esta difícil missão foi tentada antes pelos católicos, que acabaram por ser assassinados pelos nativos. Eles são enviados por Leslie Huben, que dirige as missões na área, mas que parece mais preocupado em competir com os rivais católicos do que converter os nativos. Hazel fica com pavor dos indíos, enquanto Martin fica fascinado. Entretanto, o piloto americano Lewis Moon junta-se à tribo, e fica atraído pela jovem esposa de Leslie. Pode a interacção destas personagens e culturas, e o avanço da civilização evitar o desastre?
"At Play in the Fields of the Lord" é um filme provocativo sobre o conflito cultural, o poder, o progresso, e as terríveis consequências do pensamento messiânico. Foi levado ao cinema pelo produtor Saul Zaentz, também responsável pelas versões de "One Flew Over the Cuckoo's Nest", "Amadeus", e "The Unbearable Lightness of Being". Ele vê este drama como um estudo sobre o poder, a ganância e o pensamento do homem que pode mudar o mundo, mas também é o resultado do preço que os povos indígenas pagam para ser ajudados. Também é sobre a compaixão como um recurso espiritual como um longo caminho para abrir os nossos corações e mentes a outras pessoas e lugares.
Realizado por Hector Babenco, contava com um elenco de luxo: Tom Berenger, John Lithgow, Daryl Hannah, Aidan Quinn, Tom Waits, Kathy Bates, e alguns actores brasileiros, como Nélson Xavier, Stênio Garcia e José Dumont. 

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